domingo, 30 de abril de 2017

RESENHA | Demolidor por Frank Miller e Klaus Janson - Volume 1


O super-heróis geralmente possuem uma característica especial que os tornam, em maior ou menor grau, superiores aos demais seres humanos: alguns são alienígenas e já nasceram com dons especiais, outros os receberam devido a um acidente cósmico ou alguma picada de inseto geneticamente modificado por radiação. O Demolidor, no entanto, tem como principal característica uma deficiência física: ele é CEGO. Numa típica demonstração de "como olhar o copo meio cheio", o advogado nova-iorquino Matthew "Matt" Murdock aprendeu a compensar a falta de visão ampliando seus outros sentidos - audição, tato, olfato - e chegou até a desenvolver um sentido sobressalente: uma espécie de radar, que lhe possibilita "enxergar" qualquer obstáculo que esteja ao seu redor.

Os créditos pela criação do Homem Sem Medo pertencem a Stan Lee e Bill Everett, com a ajuda do saudoso Jack Kirby, lá pelos idos de 1964. Seu nome original é Daredevil, que traduzido para o português significa algo como temerário, ousado ou intrépido, mas que em inglês assume a conotação de "alguém que desafia o diabo ou a morte", e é aplicado a pessoas que se colocam conscientemente em risco, como acrobatas e praticantes de esportes radicais. Como nenhuma destas palavras funcionaria bem para nomear um dos principais ícones da Marvel Comics na época, os tradutores brasileiros optaram por um nome que ao mesmo tempo mantivesse o "peso" do personagem e justificasse o duplo 'D' estampado em seu uniforme. Infelizmente, o termo Demolidor não conseguiu agregar o mesmo sentido de Daredevil, de modo que teria sido melhor se simplesmente tivessem mantido o original, como foi no caso do Batman.

Após um início promissor, a qualidade das histórias do herói cego da Cozinha do Inferno caiu drasticamente e o título, sofrendo com baixas vendas, teve sua publicação reduzida a uma periodicidade bimestral. Em 1981, no entanto, um jovem desenhista franzino chamado Frank Miller assumiu o título e resgatou o Demolidor do cancelamento, capitaneando, ao lado do arte-finalista Klaus Janson, uma das fases mais aclamadas do personagem. É o início desta fase que a Panini Comics compilou no encadernado de luxo Demolidor por Frank Miller e Klaus Janson - Volume 1, lançado no final de 2014, reunindo as edições Demolidor #158-172 e Espetacular Homem Aranha #27-28.

Demolidor vs Mercenário

Apesar do nome de Frank Miller estampar a capa deste encadernado, ele só assumiu o roteiro da revista na edição 168. Até então Roger McKenzie vinha fazendo um trabalho razoável, intercalando histórias fracas com alguns arcos excelentes, dentre os quais Marcado para Morrer e Revelado. No primeiro o Demolidor precisa enfrentar o vilão Mercenário, que leva sua rivalidade com o herói a um nível mais pessoal. É possível perceber uma gradual mudança no tom das histórias, com o Demolidor tornando-se cada vez mais o "herói detetive", analisando evidências, disfarçando-se entre os criminosos para obter informações e derrotando seus adversários utilizando o preparo ao invés da força bruta.

Já no segundo arco vemos o jornalista Ben Urich - introduzido por McKenzie na edição 153 - deduzir a verdadeira identidade do Diabo da Guarda de Hell's Kitchen por meio de informações colhidas ao longo das edições anteriores. Quando o jornalista confronta Murdock no hospital após um duelo do herói com o Hulk, o advogado revela as circunstâncias que o forçaram a se tornar um vigilante uniformizado. Isto acaba oferecendo a oportunidade perfeita para o roteirista revisitar a história de origem do herói, mudando um ou outro detalhe, mas mantendo todas as bases estabelecidas por Stan Lee e Bill Everett, como o fato de o pai de Matt, o boxeador Jack "Batalhador" Murdock, se envolver com o criminoso conhecido como Arranjador; o acidente que provocou a cegueira de Matt (aqui provocado por militares transportando rejeitos radioativos, enquanto que na versão anterior o caminhão de produtos químicos pertencia à empresa Ajax); e o assassinato de Jack Murdock como motivação para a criação do Demolidor. 

A partir de Demolidor #168 Frank Miller assumiu o roteiro do título, acumulando as funções de escritor e desenhista. Ele elevou as mudanças iniciadas por McKenzie para um novo patamar: o tom mais urbano e realista que ele imprimiu em seus roteiros - e que viria a se tornar sua marca registrada - foi a semente para outras obras consagradas do autor, como O Cavaleiro das Trevas, Batman: Ano Um, e Sin City. Miller deu novo fôlego à mitologia do herói ao introduzir personagens novos, como a assassina de aluguel Elektra Natchios, antigo amor da juventude de Matt Murdock, e revitalizar personagens já existentes, como o Mercenário, que fica cada vez mais psicótico e obcecado em derrotar o Demolidor, e principalmente o Rei do Crime, antigo vilão do Homem Aranha, que havia desistido da vida criminosa após conhecer sua esposa, Vanessa. O trágico que arco que narra o retorno de Wilson Fisk ao comando das quadrilhas criminosas de Nova York é um verdadeiro épico e disparada a melhor história deste encadernado, embora seja apenas o prelúdio para uma história bem maior, a ser conferida no próximo volume.

Elektra
 
Demolidor por Frank Miller e Klaus Janson - Volume 1 é um encadernado indispensável para os fãs do Demolidor, uma rara oportunidade para ter na coleção uma das melhores fases deste personagem, uma vez que estas histórias não eram publicadas há muito tempo. Embora algumas delas deixem a desejar, principalmente por ainda trazerem resquícios de uma época mais fanfarrona dos quadrinhos, talvez por isso mesmo tenham sido mantidas no encadernado, para o que o leitor perceba o quão importante foi a contribuição de Frank Miller, não apenas para o Demolidor, mas para os quadrinhos como um todo.

Boa leitura!

Capa do Volume 1

terça-feira, 25 de abril de 2017

RESENHA | Neil Gaiman - Deuses Americanos


Deuses Americanos é considerada a obra prima do escritor e quadrinista britânico Neil Gaiman, conhecido por ser o roteirista da aclamada HQ Sandman. Lançado em 2001, este livro ganhador dos prêmios Hugo, Nebula e Bram Stoker é uma mistura de road trip, mitologia, suspense e uma pitadinha de terror. A versão que utilizei nesta resenha é a chamada Edição Preferida do Autor, uma espécie de versão estendida da edição original, contando com um acréscimo de cerca de 12.000 palavras, segundo o próprio autor, e foi publicada aqui no Brasil pela Editora Intrínseca numa edição com acabamento diferenciado.

A trama gira em torno do ex-presidiário com o nome incomum de Shadow, que é liberado de sua pena sob regime condicional após a morte da esposa, Laura Moon. Completamente sem rumo, Shadow é contratado como guarda-costas de um velho trambiqueiro que chama a si próprio de Sr. Wednesday. Sua vida então vira de cabeça para baixo quando ele se vê no meio de uma guerra invisível entre duas facções: de um lado os antigos deuses, dos mais variados panteões, liderados por Wednesday, cuja verdadeira identidade é Odin, da mitologia nórdica (aqui o autor usou um jogo de palavras, já que o termo para o quarto dia da semana em inglês deriva da expressão "Dia de Woden", nome pelo qual Odin era conhecido na antiga Bretanha); do outro lado estão os deuses modernos, encarnações dos novos objetos de culto da humanidade, como a Internet, a Mídia, o Mercado, a Aviação, etc.

Muito do que é visto em Deuses Americanos guarda certa semelhança com o que o autor já havia feito em Sandman, como o uso de metalinguagem para personificar conceitos abstratos, atribuindo-lhes características humanas. Enquanto lá haviam os Perpétuos, aqui ele trabalha com a noção de divindade. Deuses existem, mas estão longe de ser aqueles seres todo-poderosos e superiores que imaginamos: eles caminham entre nós, têm e empregos normais e são movidos pelas mesmas paixões. Neil Gaiman contradiz o conceito de que os seres humanos são dependentes de seus deuses, revelando uma outra realidade: são eles que precisam de nós, de nossa crença, de nossa devoção, sem o que eles ficam cada vez mais fracos, até que, se forem completamente esquecidos, acabam morrendo. Desta forma, é a fé o objeto de disputa entre as duas facções de divindades. Mesmo os deuses modernos, retratados com muito mais poder e influência que os antigos, possuem em seu íntimo o medo de ficarem obsoletos, pois a raça humana está em constante progresso, e algo que hoje é novidade e detém a atenção de milhões de pessoas amanhã ficará ultrapassado e logo será esquecido pelas próximas gerações. Foi o que aconteceu com a máquina de escrever no advento do computador pessoal, o qual já está sendo posto de lado pelos smarthphones. E quem sabe o que virá a seguir?

Neil Gaiman faz jus aos prêmios que recebeu e se confirma como um dos maiores escritores modernos com seu estilo de escrita envolvente; ele é um desses raros escritores que conseguem transportar o leitor, se não de corpo, pelo menos de mente e coração para dentro das páginas de seus livros, de modo que é quase impossível parar de ler depois que se começa. Seus textos são inteligentes, os personagens, embora improváveis, são cativantes, e os diálogos muito bem construídos. Eu separei algumas frases que me causaram grande impacto durante minha primeira leitura desta obra, só para o leitor sentir um gostinho do que o autor apresenta em Deuses Americanos.


"Você precisa entender essa coisa de ser deus. Não é magia. É só ser você, mas aquele você em que as pessoas acreditam. É ser a essência concentrada e aumentada de si mesmo. É se transformar em trovão, ou no poder de um cavalo galopante, ou em sabedoria. Você absorve toda a fé e fica maior, mais legal, mais do que humano. Você cristaliza. (...) Então, um dia esquecem que existe, não acreditam mais em você e não fazem mais sacrifícios... não se importam, e quando você percebe, está misturando cartas ara confundir quem passa na esquina da Broadway com a Rua 43."


"Existem novos deuses crescendo nos Estados Unidos, apoiando-se em laços cada vez maiores de crenças: deuses de cartão de crédito e de auto-estrada, de internet e de telefone, de rádio, de hospital e de televisão, deuses de plástico, de bipe e de néon. Deuses orgulhosos, gordos e tolos, inchados por sua própria novidade e por sua própria importância."


"Eu sou a mãe dos idiotas. Sou a televisão. Sou o olho que tudo vê, sou o mundo do raio catódico. Sou a expositora de tetas. O pequeno altar em torno do qual a família se reúne para louvar. 
- Você é a televisão? Ou é alguém dentro da televisão?
- A televisão é o altar. Eu sou a entidade para quem as pessoas fazem os sacrifícios. 
- O que elas sacrificam?
- O tempo de vida, principalmente - respondeu Lucy. - Às vezes, umas às outras."


"Olha, este país não é bom para os deuses."


Uma das coisas que se pode notar nos textos acima é que Neil Gaiman faz uma crítica ao estilo de vida norte-americano, o qual, em certa medida, acaba influenciando o modo de vida de todo o mundo ocidental. Este estilo de vida, fruto do consumismo exacerbado dos nossos tempos, é marcado pelo desapego, não aquele que tem a ver com humildade, mas num sentido de não se dar o devido valor às coisas: tudo é mesquinho, tudo é descartável ou substituível, desde objetos até pessoas. Neste contexto, nem as crenças ficam de fora: qualquer divindade ou religião pode ser facilmente trocada por outra que pareça oferecer mais vantagens, e códigos morais são flexibilizados para se adequarem a estas mudanças.

Nesta jornada para conhecer o âmago do que seria o espírito americano, o autor nos leva junto com Shadow numa viagem pelos recônditos secretos dos EUA, evitando os grandes cartões postais e metrópoles retratadas quase à exaustão nos filmes e seriados de TV. Ao invés disso, somos apresentados a locais pouco conhecidos, mas que atraem nosso interesse e instigam nossa imaginação, como a atração de beira de estrada House on the Rock, no Wisconsin, a Rock City, na Georgia - com sua vista dos sete Estados -, e o esquecido centro geográfico dos Estados Unidos, localizado próximo a Lebanon, no Kansas.

Além da história principal, o livro possui vários interlúdios, compostos por contos que narram a vinda de algumas divindades e criaturas mitológicas junto com imigrantes do Velho Mundo para a América. Embora em alguns momentos quebrem o ritmo da trama central, estes contos rendem boas histórias, como o da entidade Bilquis, outrora a Rainha de Sabá, que atua como prostituta em Los Angeles, ou o do ifrit (gênio) árabe que trabalha como taxista numa Nova York sem tempo para relacionamentos, ou ainda a saga do casal de gêmeos africanos vendidos como escravos e arrastados à força para um Novo Mundo onde pessoas de pele negra eram consideradas inferiores a animais. Há ainda uma trama secundária na qual Shadow se vê no centro de um mistério que paira sobre a pacata cidadezinha de Lakeside, onde todo ano crianças e adolescentes desaparecem sem deixar rastros durante o inverno. A resolução deste enigma segue o mesmo script da história principal: tal como nos truques com moedas realizados pelo protagonista, Gaiman deixa a verdade diante das vistas do leitor enquanto atrai sua atenção para outras coisas.

Por fim, não poderia finalizar esta resenha sem falar sobre os personagens que povoam as páginas de Deuses Americanos, já que são eles o ponto mais alto desta leitura. Por incrível que pareça, Shadow é um protagonista morno, sem sal. Sua apatia e aparente indiferença diante de todas as situações fantásticas pelas quais passa ao longo da jornada com Wednesday chega a ser irritante em alguns momentos; mesmo com a justificativa do luto pela esposa - a perda da pessoa que ele mais amava e as circunstâncias da morte faz com que nada mais importe para ele - não seria suficiente para explicar a ausência de questionamentos por parte do personagem. A volta de Laura do mundo dos mortos, ao invés de tirá-lo da catarse, só faz mergulhá-lo ainda mais na introspecção. Porém a falta de carisma de Shadow é compensada em dobro pela simpatia de Wednesday. Mesmo sendo um tremendo vigarista, salafrário e pervertido, Odin logo de cara conquista o leitor com sua presença de espírito e senso de humor. Outros personagens também se destacam, como Laura Moon, o garoto técnico, Samantha Black Crow (é dela um dos monólogos mais impressionantes do livro), o rabugento Czernobog e o velhinho simpático Hinzelmann.

Há ainda muitas coisas que eu poderia falar sobre este livro, no entanto isso acabaria tirando a graça da leitura. Deuses Americanos é um livro estranho, de múltiplas facetas, e cabe ao leitor tirar suas próprias conclusões.

Boa leitura!

P.S.: Deuses Americanos será adaptado para uma série de TV exibida pelo canal Starz, dos mesmos produtores de Hannibal. Veja os trailers da primeira temporada aqui e aqui.

domingo, 23 de abril de 2017

RESENHA | Batman: A Queda do Morcego



A década de 90 ficará para sempre marcada na memória dos fãs como a Idade das Trevas dos Quadrinhos. Após a explosão criativa dos anos 80, a década seguinte viu uma queda vertiginosa na qualidade dos roteiros, seguida por uma tendência de desenhistas em representar seus personagens em formas anatomicamente impossíveis - homens com músculos extremamente bombados e mulheres com curvas tão loucas e com pouquíssimas vestimentas, que viriam a povoar os sonhos mais secretos dos adolescentes da época. Esta tendência começou logo após a criação da editora Image Comics, fundada por artistas descontentes oriundos majoritariamente da Marvel Comics. As duas editoras dominantes do mercado - Marvel e DC - combateram esta nova concorrência da única forma que sabiam: resolveram copiar o estilo da rival! E assim as publicações dos principais heróis dos quadrinhos foram infectadas por esse movimento iniciado pela Image.

A DC, particulamente, destacou-se pela decisão de desconstruir o conceito da invencibilidade de seus maiores heróis. Foi então que veio a polêmica A Morte do Superman, que causou um rebuliço danado no mundo inteiro. Fãs chocados viram pela primeira vez a morte do primeiro e maior super herói de todos, e o surgimento de não apenas um, mas quatro Supermans substitutos! Contudo, assassinar um medalhão da editora não foi suficiente: era preciso tirar de cena outro grande super herói. Foi aí que o então editor Dennis O'Neil e os roteiristas Chuck Dixon (Detective Comics), Doug Moench (Batman) e Alan Grant (Shadow of the Bat) conceberam a maxissérie A Queda do Morcego, na qual o Cavaleiro das Trevas teve sua coluna quebrada pelo brutamontes movido a anabolizante Bane, vindo a ficar temporariamente paraplégico.

Por incrível que pareça, a ideia original não era tão ruim. O primeiro arco, intitulado Knightfall (traduzido aqui no Brasil como A Queda do Morcego), no qual Bane libertou do Asilo Arkham todos os vilões que o Batman havia capturado, rendeu algumas boas histórias. O plano do vilão latino era simples e dotado de uma certa genialidade: deixar que o Batman se esgotasse física e mentalmente enquanto tentava recapturar os vilões fugitivos, para então, quando ele estivesse completamente exaurido, desferir o último golpe que quebraria para sempre o Morcego. Até aí tudo bem, o problema foi o que aconteceu depois...

Vilões Escapam do Arkham

Era de se esperar que, após recrutar um jovem órfão, ensiná-lo todas as suas técnicas de luta e investigação, e levá-lo em patrulhas noturnas pela cidade mais violenta do mundo, Batman estivesse preparando um substituto para quando morresse ou decidisse se aposentar. Infelizmente, os roteiristas desta saga resolveram ignorar completamente Dick Grayson - atuando agora como o Asa Noturna - e passar o Manto do Morcego para a pessoa mais improvável de todas: um jovem violento, impulsivo e mentalmente desequilibrado que havia sofrido lavagem cerebral por uma ordem religiosa de fanáticos que queriam que ele fosse o seu anjo da morte: Jean-Paul Valley, o Azrael. Este novo Batman atenderia às novas demandas dos jovens da década de 90: o antiquado uniforme clássico foi substituído por uma armadura à prova de balas que guardava uma semelhança com o uniforme de um certo herói da Image - Spawn -, e era dotada de garras afiadas, lança-chamas e disparadores automáticos de batarangs. O ultrapassado código de ética de Bruce Wayne também foi deixado de lado em favor de uma atitude mais rígida em relação aos bandidos, no melhor estilo "bandido bom é bandido morto".

O arco de histórias que engloba o período em que Jean-Paul Valley atuou como o novo Batman foi intitulado Knightquest: The Cruzade (A Cruzada), e até hoje é considerado um período a ser esquecido pelos fãs no Morcego. O Batman já foi substituído outras vezes nos quadrinhos, mas nenhum substituto foi tão ruim quanto Jean-Paul, nenhum deles maculou tanto o legado do Morcego como o antigo Azrael.

A segunda parte de Knihtquest, denominada The Seacrh, acompanha os passos de Bruce e Alfred. Mesmo preso a uma cadeira de rodas, Bruce parte em uma missão para resgatar sua médica, a Drª. Shondra Kinsolving, e o pai do Robin, que haviam sido sequestrados por um misterioso grupo, deixando Gotham City completamente a mercê de um Batman lunático. Esta busca acabou por levar Bruce a uma cura para sua condição física, que vem por meio de um descarado Deus Ex Machina.  

Jean-Paul Valley

O terceiro e último arco desta saga - KnigtsEnd - marcou o retorno de Bruce Wayne à identidade de Batman, que precisou ser reconquistada das garras de Jean-Paul. Esta fase teve uma pequena melhora no roteiro: achei interessante o confronto das duas versões do Cavaleiro das Trevas, com o desafio de Bruce Wayne provar que seu intelecto é superior à toda tecnologia da qual o Jean-Paul Valley ficou dependente. Outro ponto positivo foi o treinamento pelo qual Bruce se submeteu com a assassina Lady Shiva. Após meses fora de forma, seria muito forçado colocá-lo num confronto direto com Jean-Paul, que já havia derrotado Bane com facilidade. Achei uma boa sacada do roteirista a meta que Batman colocou para si próprio de estar pronto para o embate apenas quando fosse capaz de realizar o "salto de fé" do alto de um edifício.

A Queda do Morcego foi a primeira das megassagas que passaram a tomar conta das revistas do Batman e seus associados durante mais de um ano inteiro. A ela sucederam-se outras sagas que seguiam o mesmo modelo, como Contágio, Legado, Terra de Ninguém e Jogos de Guerra. Este tipo de estratégia de vendas era comum no mercado de HQs da época, já que, para ficar por dentro da história que estava rolando no universo do Morcego era preciso adquirir vários títulos todo mês, o que tornou um suplício a vida do colecionador de quadrinhos. Até hoje é difícil encontrar ecadernados que reunam toda esta fase; aqui no Brasil só saiu uma versão reduzida de Knighfall, que foi apenas até o ponto em que Bane quebra a coluna do Batman. De qualquer forma, como eu já havia dito antes, esta é a melhor fase desta saga na minha opinião, sendo o restante esquecível. Basta saber que existiu um segundo Batman e que ele só fez m&rd@!

Se é possível extrair um legado positivo de A Queda do Morcego, eu citaria a criação de Bane, que veio a ser uma importante aquisição para a galeria de vilões do Batman. Ao contrário do que muita gente pensa, Bane não é apenas um brutamontes descerebrado, mas um estrategista nato, com um gênio que poderia se equiparar ao do próprio Bruce Wayne se não fosse por seu vício no esteróide Veneno. Afinal, ele foi o único vilão capaz de derrotar o Batman, e de maneira tão humilhante: quando ele quebrou a coluna do herói, o Batman já estava quebrado há muito tempo, pois a verdadeira derrota que ele sofreu foi psicológica, e demoraria muito tempo até ele se reerguer desta "queda".

Então é isso p-pessoal! Espero que tenham gostado desta resenha. Boa leitura!

Capa de Knightfall Vol.1 (Versão Americana) 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

RESENHA | Batman: Ano Um


Ao lado de Superman e Mulher Maravilha, o Batman constitui um dos principais pilares da DC Comics e um dos maiores expoentes, não apenas dos quadrinhos, mas de toda a cultura pop. Criado em 1939 por Bob Kane e Bill Finger, ele fez sua estreia nas páginas da revista Detective Comics #27, aproveitando o sucesso de outro super herói da editora, o Super Homem. O notório detetive fantasiado de morcego - inspirado nos heróis dos pulps Zorro e Sombra, em um filme mudo de 1926 chamado The Bat, e em um esboço de asas quirópteras de Leonardo DaVinci -, fez um sucesso inesperado, e acabou ganhando um título próprio em 1940. A primeira edição desta revista trazia logo em suas primeiras páginas a gênese do personagem: o fatídico assassinato do casal Thomas e Martha Wayne, o árduo treinamento físico e mental pelo qual o jovem Bruce Wayne passou, e sua decisão de tornar-se um vigilante mascarado.

Após 4 décadas de publicação ininterrupta - um caso raro dentro do mundo dos quadrinhos -, esta ainda parecia a origem perfeita para o Batman. O reboot implementado pela editora em 1986, no entanto, ofereceu a oportunidade perfeita de inserir esta origem num contexto mais atual e realista, que agradasse tanto aos leitores de quadrinhos mais maduros e exigentes do final do século XX, como os antigos fãs do personagem. Para esta tarefa foi escolhido um jovem roteirista que já havia provado seu talento ao escrever e desenhar uma das Graphic Novels mais consagradas de toda a nona arte: O Cavaleiro das Trevas. Ao lado do artista David MazzuchelliFrank Miller concebeu uma minissérie em 4 partes que revisitava o primeiro ano da carreira do Cruzado Encapuzado como combatente do crime em uma Gotham City inspirada na Nova York dos anos 80, infestada de gangues, traficantes de drogas, prostitutas e policiais corruptos.

A Origem do Morcego, em Batman #1

O roteiro de Batman: Ano Um segue os passos de dois personagens distintos: Bruce Wayne, jovem e órfão milionário que retorna a Gotham City após 12 anos viajando pelo mundo, e o policial James Gordon, que chega à cidade vindo de Chicago para integrar as fileiras do DPGC (Departamento de Polícia de Gotham City). Apesar de suas diferenças, ambos possuem um objetivo comum: livrar a cidade da escória criminosa que assola seus habitantes. Enquanto Gordon está decidido a cumprir esta difícil tarefa do lado da lei, Bruce treinou por mais de uma década para se tornar um vigilante, impelido pelo juramento feito após a morte dos pais.

O início da carreira do Bruce Wayne como combatente do crime não é nada fácil. Com 25 anos, ele está longe de se tornar o herói invencível que todos conhecemos. Impetuoso e inexperiente, ele é capaz de cometer os erros mais bobos, e isso torna a história muito mais crível, já que Miller não nos apresenta um herói nascido pronto, para quem tudo dá certo logo no começo. A primeira incursão de Bruce ao submundo de Gotham é quase fatal para ele, e lhe proporciona um amargo choque de realidade. Esta derrota, entretanto, é usada pelo roteirista como o catalisador para a criação do Batman, aliada a uma certa dose de misticismo simbólico. A icônica cena em que Bruce recebe a visita do Morcego é resgatada da gênese original do personagem e também utilizada por Miller em O Cavaleiro das Trevas para este mesmo propósito.

Bruce Wayne decide se tornar o Batman

O futuro Comissário Gordon é mostrado sob uma perspectiva mais humana. Apesar de tentar conciliar sua vida pessoal com o trabalho o melhor que pode, ele ainda é capaz de cometer erros, como trair a esposa com uma parceira de trabalho. Isso acaba deixando-o mais vulnerável aos ataques de seus inimigos, que decidem explorar este ponto fraco. 

Além de Gordon, outros personagens clássicos do cânone fazem sua estreia nas páginas dessa minissérie. A Mulher Gato tem sua origem completamente remodelada e cercada de polêmicas: Selina Kyle aparece como uma prostituta que, inspirada pelo Batman, veste uma fantasia sensual de gata para efetuar roubos arriscados. Além disso, em alguns momentos fica subentendido que ela seria lésbica, o que hoje causaria bem menos impacto do que na década de 80. Esta visão radical e pouco glamourosa da origem da personagem deixou alguns fãs incomodados, de modo que, assim que teve a oportunidade, a DC Comics aproveitou reescrever a história de origem da ladra mais famosa dos quadrinhos. 

O assistente de promotoria Harvey Dent - que mais tarde viria a se tornar o vilão Duas Caras -, também dá as caras (perdão pelo trocadilho) nesta história, atuando como um improvável aliado do Morcego, a despeito da perseguição pública ao vigilante empreendida pela polícia. Ele trabalha ao lado do Batman para desmontar o império criminoso de Carmine "Romano" Falcone, cuja organização possui braços infiltrados em todas as esferas de poder do governo de Gotham City, incluindo o DPGC. Falcone foi criado por Frank Miller para ser o principal antagonista de Ano Um, e foi baseado no famoso mafioso Don Vito Corleone, dos livros de Mario Puzo, e é uma espécie de Rei do Crime da DC. 

Batman Desafia os Criinosos

Apesar dos frequentes saltos temporais (lembre-se que esta história se passa ao longo de um ano inteiro), a fluidez do roteiro não é prejudicada. Cenas de ação são frequentes e muito bem elaboradas, intercaladas entre diálogos bem construídos ou breves relatos feitos por apresentadores de televisão - novamente Miller usa deste recurso visual, embora em menor escala do que em O Cavaleiro das Trevas. A arte de David Mazzucheli, que já havia colaborado com Miller em Demolidor: A Queda de Murdock, está sensacional, e casa perfeitamente com o realismo proposto por Frank Miller. O obra prima se completa com as belas cores de Richmond Lewis, que coloriu à tinta os desenhos de Mazzuchelli. 

Batman: Ano Um foi publicada em Batman #404-407 e já foi reimpressa diversas vezes, inclusive em formato de luxo (aqui no Brasil ela foi publicada pela Panini Comics). Considerada pelos fãs a origem definitiva do Homem Morcego, esta HQ já foi adaptada para uma animação da Warner Animation e serviu de inspiração para o roteiro de Batman Begins, de Cristopher Nolan. Ela foi eleita pelo site IGN a segunda melhor história do Batman, atrás apenas de O Cavaleiro das Trevas, e eu concordo com esta avaliação. Para mim, a visão crua e realista tão comum aos roteiros de Miller são um diferencial que a colocam acima de outras obras de quadrinhos e faz com que quase possamos conceber o Batman como um herói real. Item mais do que recomendado para os fãs do Batman e dos quadrinhos em geral.

Boa leitura!

Batman: Ano Um - Capa

sexta-feira, 14 de abril de 2017

RESENHA | THOR: Em Nome do Pai



"Deuses e homens mortais compartilham uma qualidade. Para saber quem somos, devemos matar nossos pais. Para os mortais, isto é uma metáfora, um meio de dizer que você deve sair da sombra de seu pai e decidir quem você e sem buscar aprovação ou permissão. Mas para um deus, isto significa algo completamente diferente." - Odin

Se há uma constante nas aventuras de Thor, o Deus do Trovão da Marvel, é a relação conturbada que ele mantém com seu pai, Odin, o governante supremo de Asgard. Pai e filho sempre tiveram uma convivência difícil, marcada por discussões e desavenças. Embora Thor fosse o filho "predileto" de Odin, suas atitudes impetuosas volta e meia causavam problemas para o monarca, que chegou ao ponto de banir o próprio filho e obrigá-lo a viver entre os humanos como um reles mortal. Apesar de tudo, Odin sempre nutriu amor por sua prole, o que ficou provado quando ele se sacrificou para que Thor e Asgard continuassem vivos, pelo menos por um tempo. Então veio o Ragnarok, quando Thor liderou os deuses asgardianos em sua última batalha, na qual pereceram, e, anos depois, foi este mesmo Deus do Trovão quem os trouxe de volta à existência, com exceção de um: Odin. Neste segundo arco de histórias no comando dos roteiros da revista Thor, J. M. Straczynski se propõe a explicar por que Thor tomou a controversa decisão de não ressuscitar o próprio pai, revisitando o passado de Odin a fim de entender a natureza da relação entre ele e Thor. Além disso, o autor também se utiliza desta temática para revelar o verdadeiro motivo do Pai de Todos ter decidido adotar o filho de seu maior inimigo, e porque escondeu de todos o fato de Balder também ser seu filho, reconciliando assim a origem do personagem com sua contraparte mitológica.

A história começa logo após Thor ter trazido de volta à vida todos os asgardianos. Completamente exaurido, ele entra em uma espécie de câmara de descanso, que simula uma situação intermediária entre a vida e a morte, e finalmente descobre o paradeiro de Odin. Os dois travam um diálogo interessante, através do qual ficamos sabendo como era a relação entre Odin e seu pai, o deus Bor, bem como quais foram as circunstâncias da morte do avô de Thor e como isso se relacionou com a decisão de Thor de manter o pai esquecido. Este encontro é narrado nos dois primeiros capítulos deste arco, cujos desenhos ficaram a cabo do alemão Marko Djurdjevic, que conseguiu manter a qualidade da arte, embora não ostentando o mesmo estilo de Olivier Coipel.

Thor e Odin Juntos Conta Surtur

Straczynski tece uma trama intrincada, juntando aos poucos cada elemento individual do quebra cabeças, inclusive os acontecimentos do passado de Odin, para revelar o grandioso plano de Loki de finalmente derrotar o irmão. É impressionante o cuidado do roteirista com cada aspecto do estratagema, e para aqueles que gostam do tema viagem no tempo, esta história é um prato cheio, já que Loki manipula até mesmo eventos que já aconteceram para influenciar a decisão de alguns personagens. Retcons são sempre artifícios arriscados, e não são poucos os roteiristas que acabam errando a mão ao tentar reescrever a história de um personagem ou um determinado evento de sua cronologia, mas Straczynski cumpre bem esse desafio, apresentando um enredo que faz sentido e não soa forçado, e ainda por cima nos proporciona uma empolgante história de origem para o vilão Loki.

O personagem que mais se destaca, sem dúvida, é o Deus da Trapaça. Conforme visto no volume anterior, Loki retornou dos mortos num corpo de mulher. Ele (ou ela, sei lá) é de longe a personagem mais cativante desta HQ, principalmente devido a seu senso de humor cínico. Straczynski faz dela uma vilã fria, ardilosa e extremamente manipuladora - características que viriam a ecoar em sua representação no cinema por Tom Hiddleston. O motivo de sua encarnação feminina começa a ser revelado nesta história, e faz parte de uma importante subtrama envolvendo o par romântico de Thor, a Lady Sif, que, assim como Odin, não havia retornado dos mortos. Outro personagem que merece menção é Balder, conhecido por ser um grande amigo de Thor. Ele é um dos elementos-chave do plano de Loki, e, embora não confiando plenamente nele(a), acaba aceitando alguns de seus conselhos e entrando em seu jogo de manipulação.

Loki

O final concebido por Straczyski para este arco é trágico para o Deus do Trovão, que, mais uma vez, acaba sem o seu martelo, o Mjolnir, destruído na batalha contra Bor. Loki finalmente consegue realizar seu maior objetivo, e o mais impressionante é que ele(a) não precisa mover um músculo para tanto. Tudo é feito por outros, sem nem perceber que estavam fazendo a vontade do(a) deus(a). Todos estes eventos convergem para culminar no próximo grande arco do Thor, pois, como descobrimos no final, Loki estava agindo em conluio com outro grande vilão do Universo Marvel. Apesar de ter sua própria trama, basicamente girando em torno do tema paternidade e de mostrar o desenrolar do plano de Loki, Thor: Em Nome do Pai também funciona como um prelúdio para o evento Thor: O Cerco, que envolve outros personagens e equipes da Marvel.

Thor, Balder e Loki

Thor: Em Nome do Pai foi publicada nas edições #7-12 da revista Thor (Volume 3) e #600 do Volume 1 (no meio do jogo a Marvel resolveu reverter a revista Thor para sua numeração original, o que eu acho um péssimo hábito das editoras, pois tais decisões só servem para confundir a cabeça dos novos leitores), como sequência direta do arco Thor: O Renascer dos Deuses (veja aqui minha resenha sobre esta HQ). Felizmente existem os encadernados, e esta história foi publicada aqui no Brasil pela Panini na coleção Marvel Deluxe, num encadernado em capa dura de qualidade impecável. Com um enredo e uma arte de qualidade excepcional, considero esta obra um item obrigatório para os fãs do Thor, e uma excelente pedida para novos leitores interessados em acompanhar as aventuras do Deus do Trovão sem precisar revisitar a antiga cronologia. Dito isto, só me resta desejar: Boa Leitura!

quarta-feira, 12 de abril de 2017

RESENHA | THOR: O Renascer dos Deuses



Todo fim é um novo começo. Para Thor, o Deus do Trovão esta frase não poderia fazer mais sentido!

Em 2004 a Marvel Comics resolveu que o herói já havia dado tudo que tinha que dar e que era hora do Vingador Nórdico hibernar, literalmente. E assim aconteceu o Ragnarok, quando não apenas Thor, mas todos os habitantes de Asgard e demais integrantes do universo mitológico do herói passaram para a inexistência. Mas o descanso durou pouco. Apenas três anos depois o roteirista J. Michael Straczynski recebeu a importante incumbência de ressuscitar Thor e seus companheiros, e, com a colaboração do talentoso artista francês Olivier Coipel (responsável pela arte de Dinastia M), o escritor cumpriu esta missão com grande estilo.

O retorno de Thor acontece sem grandes rodeios ou explicações mirabolantes. O cara é um deus, e, enquanto as pessoas "acreditarem" nele, ele não pode morrer (mais ou menos como em Deuses Americanos, livro de Neil Gaiman sobre a imigração dos deuses do Velho Mundo para a América). Além disso, ele não volta do "limbo" sozinho: junto em ele vem o médico Donald Blake, antigo alter-ego do herói, com quem volta a dividir o corpo. O retorno do Dr. Blake é justificado pela necessidade de uma interação de Thor com os humanos, já que a nova Asgard é erguida em pleno estado de Oklahoma, no meio oeste americano. Esta interação entre as figuras divinas e os humanos comuns é uma das coisas mais interessantes deste roteiro, embora eventualmente acabe caindo no velho clichê do romance proibido entre seres de naturezas diferentes. Como um dos objetivos desta história era não apenas ressuscitar Thor, mas revitalizá-lo para as próximas gerações, o artista Olivier Coipel aproveitou para realizar algumas mudanças na aparência do personagem, modernizando sua armadura, mas sem abandonar algumas de suas características clássicas. O Thor de Coipel também deixou de parecer um rockstar americano para assumir as feições brutas de um europeu nórdico.

Asgard

Sendo o primeiro deus a voltar, cabe a Thor a missão de ressuscitar os demais deuses. Estes estavam em estado "adormecido" dentro de corpos de outros seres humanos, e Thor precisa encontrá-los um a um e libertá-los. Com o controle de quem poderá voltar ou não, seu intento é trazer de volta apenas aqueles com menos probabilidades de lhe trazer problemas no futuro, mas é claro que os planos do herói são frustrados por Loki, o Deus da Trapaça, que acaba induzindo o irmão adotivo a libertar todos os deuses adormecidos. A nova versão de Lóki é um dos pontos altos do enredo, já que, por algum motivo o vilão retornou em um corpo feminino. Além da mudança física, ele - ou melhor, ela - alega ter retornado arrependida dos seus erros antigos e determinada a provar que é uma nova pessoa. Será que ela consegue enganar alguém?

Finalmente, também é preciso reintroduzir Thor no universo Marvel, e não há forma melhor do que mostrá-lo confrontando o Homem de Ferro. Só para contextualizar, durante o megaevento Guerra Civil, que dividiu todo o universo Marvel dos quadrinhos em dois lados - team Capitão vs. team Homem de Ferro -, a facção de Tony Stark utilizou um clone cibernético do Thor na batalha contra os partidários do Capitão América, no que acabou resultando em um dos momentos mais trágicos daquela história. Quando o verdadeiro Thor volta dos mortos, é claro que ele fica sabendo da história e resolve ensinar ao Homem de Ferro uma pequana lição sobre não profanar o DNA de um deus morto.

A "Nova" Loki

O arco de histórias que trata do retorno dos deuses à Terra foi publicado nas edições 1-6 da revista Thor (2007) e foi compilado em um encadernado de luxo pela Panini: Thor: O Renascer dos Deuses e também na coleção preta da Salvat. Esta HQ resgata um dos mais importantes personagens da Marvel para uma nova geração de leitores de quadrinhos, e vale a pena sua leitura tanto pelo enredo quanto pela arte impressionante de Coipel. Para quem deseja começar a ler as histórias do Thor e não sabe por onde começar, este é um ótimo ponto de partida, por iniciar uma nova fase na vida do herói pós-Ragnarok.

Boa leitura!

Thor Vs. Homem de Ferro

segunda-feira, 10 de abril de 2017

RESENHA | Superman: Para o Homem que Tem Tudo


Na cultura ocidental é comum que o aniversariante receba presentes daqueles que lhe são próximos, e muitos de nós já nos deparamos com a inusitada situação de não saber o que dar para aquele amigo ou parente que é bem de vida, já que, sendo esta pessoa acostumada a tudo de melhor, dificilmente um presente oferecido por alguém com baixo poder aquisitivo poderia proporcionar-lhe mais do que uma simples lembrança afetuosa (embora isso de forma alguma desmereça o presente). Agora imagine este caso aplicado ao Superman: o que um cara dotado de superforça, supervelocidade e a habilidade de voar, habilidades que fazem dele o homem mais poderoso do mundo, poderia desejar? Esta é a premissa básica de Para o Homem que Tem Tudo, HQ escrita por Alan Moore e publicada na edição anual da revista do Superman, em 1985, pela DC Comics. Ao lado de seu parceiro de Watchmen, o artista Dave Gibbons, Alan Moore convida o leitor para descobrir qual o maior desejo do Homem de Aço.

A narrativa começa mostrando Kal-El vivendo uma vida normal e feliz em Krypton, seu planeta natal; seus pais estão vivos, ele é casado, tem filhos e um emprego comum. No entanto, tudo isso não passa de uma amarga armadilha, uma ilusão provocada por um de seus inimigos, o alienígena amarelo conhecido como Mongul. Somos então transportados para a Fortaleza da Solidão, onde Mulher Maravilha, Batman e Robin, que tinham ido visitar o Superman por ocasião de seu aniversário, descobrem que o kriptoniano encontra-se numa espécie de transe, causado por um parasita chamado Clemência Negra. A planta (ou fundo, ou planta-fungo) se alimenta da força vital do hospedeiro em troca da realização de seu maior desejo, e a única forma da vítima se livrar da paralisia é desistindo do próprio sonho.

Novamente o britânico Alan Moore acerta em cheio ao traduzir a verdadeira essência do herói para as páginas desta HQ: mais do que o brutamontes superpoderoso que muitos roteiristas sem imaginação gostam retratar, o Superman de Alan Moore é dotado das características que consagraram o personagem como um símbolo do genuíno heroísmo: nobreza, bondade e desprendimento sem limites, mesmo que isso acabe se convertendo para ele em autossacrifício. Seu maior desejo não é obter riquezas, casar-se com o amor de sua vida, Lois Lane, ou até mesmo ver seus inimigos finalmente derrotados. Tudo que ele quer é apenas viver uma vida comum, ser mais um na multidão, um simples trabalhador anônimo que tem um lar para voltar ao final de um dia exaustivo de trabalho. Como Superman, no entanto, isso não passa de um sonho, pois sua enraizada educação moral lhe impede de não fazer nada enquanto houver injustiça no mundo, quando ele tem todos os meios para impedi-la. E é aí que reside a crueldade do enredo de Alan Moore: quando finalmente o Homem de Aço consegue o que quer, ele precisa abdicar de seu sonho para ajudar os amigos.

Kal-El e sua Família

Em algum nível de sua consciência, Superman sabe que tudo não passa de ilusão e, conforme Mongul vai derrotando um a um os heróis na Fortaleza da Solidão, o mundo idílico que a Clemência Negra criou na mente do Super começa a desmoronar. A outrora gloriosa civilização kriptoniana passa a exibir sintomas de decadência, sua população se divide em facções que se odeiam entre si, a Família El se torna alvo de extremistas que a acusam de fascismo, chegando ao ponto da prima do Superman ser espancada quase até a morte por uma turba furiosa. Até mesmo Jor-El, seu pai biológico, que sempre fora uma de suas maiores inspirações, lhe decepciona, ao tornar-se o líder de um grupo religioso radical que quer recuperar a antiga glória kriptoniana a qualquer custo. Todos estes eventos parecem ser criados pelo próprio subconsciente do Superman, talvez como um artifício para alerta-lo do perigo em que se encontra, ou até mesmo como um reflexo da iminente derrota de seus amigos pelas mãos de Mongul. A técnica empregada por Moore e Gibbons, mostrando os acontecimentos nas duas linhas narrativas - a realidade dentro da cabeça do Superman e a luta contra Mongul na "casa" do herói - convergindo para um clímax emocional demonstra a maturidade e genialidade dos dois artistas, cujo entrosamento atingiria seu ápice na minissérie Watchmen.

Alan Moore, conhecido por seus roteiros maduros, respeita (e até certo ponto homenageia) a forma como os quadrinhos eram feitos na chamada Era de Bronze. Ver os heróis fantasiados indo visitar o Super Homem em seu aniversário ou Batman repreendendo o Robin (Jason Todd) por ter pensamentos impuros em relação à Mulher Maravilha demonstram isto perfeitamente. Embora seja uma obra complexa, com um roteiro "cabeça", o quesito ação não deixa a desejar, com excelentes cenas de luta, e quem acaba surpreendendo de forma positiva nesta história é o Robin, pois, sendo apenas um adolescente e ainda por cima sem poderes, acaba sendo o principal responsável pela derrota de Mongul.

Mongul

Além do roteiro excelente, um ponto positivo para esta HQ sem dúvida é a arte. O traço de Gibbons é impecável, no mesmo nível dos melhores desenhistas da época. Sua caracterização dos personagens está perfeita, com destaque para o Homem de Aço e Mongul, que aqui é retratado como um vilão intimidador e cruel. A diagramação é inteligente, sem exageros, e em diversas situações ele utiliza o recurso de narrar eventos paralelos - os quais em algum momento irão se interligar - em uma mesma página, como na sequência final em que vemos de um lado Robin tentando livrar Batman da Clemência Negra enquanto Superman luta com Mongul.

Para o Homem que Tem Tudo é uma história indispensável para fãs do Superman, e para aqueles que curtem quadrinhos em geral, por se tratar de um verdadeiro clássico. Esta obra já sofreu diversas adaptações: o desenho animado Liga da Justiça Sem Limites adaptou esta história com bastante fidelidade, e a série de TV da Supergirl recriou o enredo do Alan Moore, com a diferença de que lá Superman foi substituído pela prima. Aqui no Brasil esta HQ foi publicada no encadernado em capa dura O Que Aconteceu ao Homem de Aço, da Panini, que reuniu as contribuições do gênio britânico Alan Moore nas histórias do Superman em um único volume a um preço bastante acessível.

Boa leitura!

Superman por Dave Gibbons

sábado, 8 de abril de 2017

RESENHA | John Constantine, Hellblazer Infernal - Volume 1: Hábitos Perigosos



De todas as HQs do infame mago e vigarista inglês John Constantine, Hábitos Perigosos é a mais emblemática, e a mais venerada pelos fãs. Este arco de histórias em seis partes publicado na revista solo do personagem - Hellblazer - começando pela edição 41, marcou o início da era Garth Ennis (Preacher, Justiceiro), após a despedida do roteirista Jamie Delano. Em parceria com o artista Will Simpson, Garth Ennis deu início a uma nova fase na vida do mago, apresentando ao público novos coadjuvantes e vilões, como o anjo Gabriel, a súcubo Ellie, a bela Kit Ryan, e o Primeiro dos Caídos; ao mesmo tempo honrando o legado deixado por Alan Moore e Delano: personagens como o taxista Chas e a sobrinha de John, Gemma Masters, ganham espaço nas histórias de Garth Ennis, e diversos acontecimentos que marcaram o passado do mago são citados em diversas ocasiões. Porém o roteirista irlandês imprime sua própria marca aos roteiros: as crises existencialistas, abordagens filosóficas a respeito da magia, e soluções complexas e metafísicas tão comuns aos enredos de seus predecessores dão lugar a uma visão mais crua e objetiva do mundo de Constantine, que se vê às voltas com fantasmas, vampiros, anjos e demônios em meio às suas próprias maquinações. Garth Ennis procura aproximar o protagonista do mundo real, mostrando-o em diversas situações do dia a dia daqueles que vivem amontoados nas grandes metrópoles, com todos os problemas sociais existentes durante o fim da década de 80 e início da década de 90. O traço limpo e realista de Simpson nos guia por uma Londres suja, degradada, tão diferente daquela cidade perfeita que os programas de televisão e filmes tentam nos vender. De certa forma, não passa de uma metáfora para a própria condição humana: nas grandes cidades, onde praticamente ninguém se conhece, as aparências não passam de um disfarce; por baixo do brilho e maquiagem há toda sorte de sentimentos ruins, perversão, loucura, e são esses aspectos mais baixos do comportamento humano que Garth Ennis e Will Simpson, com perfeita consonância entre roteiro e arte, transportam para as páginas de Hellblazer.

Em Hábitos Perigosos, John Constantine está morrendo, e seu assassino é o seu próprio corpo! Finalmente todas aquelas décadas fumando um maço e meio de cigarros silk cut por dia cobraram seu preço. Após acordar um dia de manhã e escarrar na pia do banheiro pedaços do próprio pulmão, J.C. é diagnosticado com câncer de pulmão. É irônico que uma doença tenha obtido sucesso naquilo que sociedades secretas, seitas satânicas, demônios e serial killers tentaram e falharam.

Constantine é Diagnosticado com Câncer

Quem conhece a trajetória de Constantine sabe que ele carrega muitos pecados nas costas. Apesar de ter salvado o mundo em diferentes ocasiões, em quase todas elas precisou sacrificar amigos e até mesmo amantes para alcançar seus objetivos. Sendo assim, não é de admirar que a ideia de morrer não lhe agrade muito, afinal, com certeza sua alma estava destinada ao inferno. Ele então resolve procurar a ajuda de um velho amigo, o irlandês Brendan Finn. Sempre que tem oportunidade, Garth Ennis homenageia sua terra natal, introduzindo personagens irlandeses, os quais na maioria das vezes são bon vivants beberrões e festeiros. Assim é Brendan Finn, um colecionador de bebidas raras que passa seus dias e noites solitários degustando todo tipo de birita. Numa situação cômica e trágica ao mesmo tempo, Brendan também está à beira da morte por causa de seu vício em álcool. O pior de tudo é que Brendan havia feito um pacto com o diabo: em troca de sua alma, ele obteve sua vasta coleção de bebidas. Agora o Primeiro dos Caídos resolve vir coletar a alma de Brendan, mas Constantine mais uma vez usa sua lábia e consegue enganar o próprio demônio, fazendo-o perder a alma de Brendan. Só que sua atitude só conseguiu enfurecer ainda mais a criatura, que passa a aguardar com ansiedade pela morte de Constantine. 

Após se humilhar pedindo ajuda para entes celestiais e também do "andar de baixo", Constantine bola seu próprio plano para salvar sua vida e escapar de uma eternidade de torturas. É na quinta edição na qual vemos o anti herói colocar em prática seu plano mais astuto e ambicioso. Ele aposta todas as suas fichas neste plano, contra um trio de adversários os quais nem o apostador mais corajoso ousaria desafiar. Se ganhasse, poderia continuar vivendo sua vida normalmente; mas se perdesse, bem... a eternidade seria pouco para o castigo que o inferno tinha reservado para ele. 

Esta é a verdadeira essência de Constantine, presente nas histórias do mago independente de quem esteja escrevendo os roteiros: ele é um apostador nato, um viciado no perigo. Ele é um cara comum, como qualquer um de nós, mas que consegue sair das piores situações usando apenas astúcia e, como já falei em outras ocasiões, uma dose cavalar de coragem. É claro que no final ele consegue engambelar todo mundo, e ainda tira sarro dos governantes infernais na icônica cena que encabeça esta postagem, e que, de quebra, ajudou a embalar a carreira de Garth Ennis como roteirista de quadrinhos.

Arte de Capa, por Glenn Fabry

Hábitos Perigosos foi apenas o primeiro fio da grande trama que Grath Ennis construiu ao longo de toda sua passagem por Hellblazer. Nelas diversos personagens chave foram apresentados, e o grande antagonismo entre ele e o Primeiro dos Caídos foi estabelecido. Além disso, ao final deste arco Constantine começa a se envolver emocionalmente com Kit, ex-namorada de Brendan, num dos relacionamentos mais duradouros que ele já teve. Esta história inspirou também o roteiro da controversa adaptação cinematográfica Constantine, de 2005, na qual o mago foi interpretado por Keanu Reeves. Por este motivo ela é a porta de entrada para muitos leitores que desejam conhecer mais sobre as histórias do trambiqueiro mais famoso dos quadrinhos.  

Hábitos Perigosos foi lançada aqui no Brasil em 2014 pela Panini Books em um encadernado com acabamento em capa cartão e papel LWC, e atualmente encontra-se esgotada, mas com o relançamento de Hellblazer Origens, há a esperança de que este encadernado seja publicado em breve. Boa leitura!

Capa de Hábitos Perigosos

quarta-feira, 5 de abril de 2017

RESENHA | O Que Aconteceu ao Homem de Aço?



Não precisa ser um conhecedor profundo do assunto para saber que histórias em quadrinhos - pelo menos os quadrinhos mainstream -, raramente possuem final. Às vezes uma ou outra revista, devido a uma queda nas vendas ou algo que o valha, é descontinuada, e o personagem principal do título é colocado para hibernar; mas em um ano, cinco ou uma década depois, não importa, algum editor resolve que é a hora daquele herói voltar a dar as caras e algum roteirista corajoso é contratado para ressuscitá-lo. Assim sendo, conclusões definitivas em histórias em quadrinhos são praticamente impossíveis de ocorrer, e o motivo disso é puramente comercial: qual empresa deixaria de ganhar dinheiro com personagens como Superman, Batman, Homem Aranha ou Wolverine ao decidir dar um final para suas histórias, um final de verdade, definitivo, como final de novela ou o último episódio de uma série? Mas houve um caso em que os fãs de um famoso super herói puderam finalmente conhecer a história final deste personagem, e, para estes fãs em específico, caso resolvessem parar de ler quadrinhos, as aventuras do herói em questão haviam de fato chegado ao fim. O herói em questão, a propósito, foi o Superman. "Ah, mas as histórias do Superman continuam sendo publicadas até hoje!", alguém poderia argumentar, e com razão. De fato, a revista do Superman nunca foi descontinuada, porém houve um Superman cujas histórias tiveram um final, um Superman que finalmente pôde enfim descansar em paz, porque seus vilões finalmente haviam sido derrotados. Este Superman foi o Superman pré-Crise.

Durante um ano inteiro, de abril de 1985 a março de 1986, um mega evento chacoalhou as fundações do Universo DC: foi a Crise nas Infinitas Terras, que tinha o estoico propósito de reinicializar todos os títulos da editora, de certa forma anulando tudo o que havia acontecido antes e reintroduzindo seus personagens para uma toda uma nova geração de leitores, uma geração mais madura e exigente. O tempo dos enredos inocentes havia acabado; Frank Miller, com seu O Cavaleiro das Trevas, e Alan Moore, com Watchmen, tinham garantido que isso acontecesse. Sendo o Superman o principal herói da DC, ele certamente não ficaria de fora do processo de reestruturação da editora. Mas lembra que eu falei que no mundo dos quadrinhos finais são bastante raros? Pois bem, o editor da revista do Homem de Aço, Julio Schwartz, vislumbrando o fim de uma era, no caso a era do Superman pré-Crise, teve uma brilhante ideia: e se as últimas edições de Superman e Action Comics, as duas revistas nas quais as histórias do herói eram publicadas, narrassem realmente a última aventura do Superman? Esta seria uma oportunidade única de prestar uma homenagem não somente ao personagem, mas a todos aqueles que fizeram parte de sua mitologia: Lois Lane, Perry White, Lana Lang, Jimmy Olsen, Lex Luthor, Brainiac, Bizarro, Krypto, o Supercão, a Legião de Super Heróis, e tantos outros. Com isso em mente, a primeira pessoa que ele cogitou para levar a cabo esta missão foi Jerry Siegel, co-criador do Superman: nada mais justo do que aquele que deu o pontapé inicial fosse quem apagaria as luzes e fecharia a porta. No entanto, por problemas de agenda Jerry não pode fazer parte do projeto, e quem acabou sendo o escolhido para roteirizar a última história do Homem do Amanhã foi um jovem e talentoso britânico que vinha fazendo bastante sucesso na revista do Monstro do Pântano e com a minissérie Watchmen: Alan Moore. Já para a arte desta história nunca houve nenhum outro nome senão o de Curt Swan, desenhista veterano nas revistas do Superman desde a década de 60: até hoje sua versão do herói, que também é considerada a versão definitiva, serve como modelo para inúmeros artistas.

Clarck Kent é Desmascarado

Alan Moore desenvolveu um enredo coerente, no qual pôde inserir praticamente todos os principais personagens do universo do Superman, sem, contudo, deixar que qualquer um deles se tornasse redundante ou desnecessário. Todos têm uma função no enredo, assim como todos obtêm algum tipo de conclusão, embora nem todos consigam ter o tão sonhado final feliz. A história já começa nos revelando que o Superman está morto. Há dez anos. Com direito a monumento com estátua na praça e tudo que um finado herói tem direito. Lois Lane, agora Lois Elliot, recebe em sua casa um repórter do Planeta Diário que veio entrevistá-la sobre os últimos dias do Superman. Assim, toda a história do crepúsculo do maior herói do planeta é narrada por Lois; é irônico que a pessoa que escreveu a matéria que apresentou o herói ao mundo tenha que testemunhar sobre sua morte.

Em seus últimos dias, Superman começou a sofrer uma série de ataques coordenados de seus antigos vilões. Bizarro, Metallo, Homem Brinquedo colocaram as pessoas que ele mais amava em risco. Até mesmo a identidade civil do Superman foi revelada ao público. Sem alternativas, ele levou sua família e os amigos mais prezados para sua Fortaleza da Solidão, no Ártico, a qual acabou sendo sitiada por um exército de vilões. A Fortaleza se tornou então o palco de alguns dos momentos mais trágicos desta HQ, e Alan Moore não tem pena do coração do leitor ao matar alguns personagens queridos ao longo da batalha. Se você tem coração mole e adora animaizinhos de estimação, vai derramar rios de lágrimas em determinado momento da trama. Não vou dar spoilers, mas é feio, muito feio...

Superman Chora

Superman se viu tão acuado por seus inimigos, de uma maneira que ele jamais havia sido, que em certa altura da trama vemos o grande herói literalmente desmoronar e começar a chorar. Você não entendeu errado: a parada tava tão sinistra que o próprio Superman, o homem mais forte do planeta, o Homem de Aço, o Último Filho de Krypton, chorou. Mas é claro que ele acabou dando a volta por cima, com uma ajudinha de alguns aliados, e conseguiu finalmente descobrir quem era a mente por trás de todos esses ataques. Não vou dizer quem é, para não dar spoilers, mas posso dizer que neste ponto vemos o quanto Alan Moore é um roteirista brilhante: o maior inimigo do Superman, aquele que o humilhou, que causou a morte de tantos amigos, era alguém de quem ele não poderia ter suspeitado. Moore teve que alterar alguns aspectos deste personagem para poder fazer a história funcionar, mas ainda assim a solução encontrada por ele foi genial.

Superman foi então colocado diante de uma difícil decisão: algo precisava ser feito para impedir que este inimigo ferisse seus amigos, e precisava ser uma solução definitiva. Entre manter seu juramento de nunca matar ou salvar aqueles a quem amava, é claro que o Superman optou pelo caminho do auto sacrifício. É neste ponto que eu percebo o quão bem Alan Moore conseguiu entender o Superman. Diferentemente do Batman, que se esconde por trás do disfarce de Bruce Wayne, Clark Kent é a verdadeira identidade do Superman. Muito mais do que um super herói, o Superman é um símbolo, uma representação de todos os nobres ideais que norteiam a vida de Clark Kent, ideais de justiça, liberdade e retidão de caráter ensinados pelos pais terráqueos. E se ele fizesse qualquer coisa que maculasse estes ideais, então ele não poderia mais ser um símbolo de nada, e não haveria outra escolha senão "matar" o Superman. E é justamente isso o que Clark Kent faz: ele mata o Superman.

É sobre isso que se trata esta história, da morte do Superman, não uma morte física, mas a morte do símbolo.


Se você gostou desta resenha e se interessou por essa história, pode encontrá-la em uma edição de luxo publicada pela Panini (clique aqui para ver esta edição), juntamente com outras duas histórias de Alan Moore para o personagem, dentre as quais a clássica Para o Homem que Tem Tudo, sobre a qual falarei em breve. Boa leitura!

sábado, 1 de abril de 2017

RESENHA | Aquaman: As Profundezas



Artur Curry, o Aquaman, é um dos super heróis mais antigos da DC Comics, um dos membros fundadores da Liga da Justiça da América, e o soberano do reino submerso de Atlântida; entretanto, apesar de todas essas qualificações, também é um dos heróis mais desprezados e subestimados dos quadrinhos. Isso se deve ao fato de a maioria das pessoas - as quais provavelmente nunca leram um quadrinho sequer do personagem -, terem uma ideia equivocada de que ele não possui poderes realmente úteis, afinal, qual super herói que se preze vai conseguir salvar o mundo usando o incrível poder de controlar peixes telepaticamente? Talvez essa percepção se deva em grande parte à participação do herói no famoso desenho animado da Hanna-Barbera, Os Superamigos, que mostrava o herói cavalgando (pasmem!) um cavalo marinho rosa enquanto pedia ajuda a baleias e golfinhos (que nem mesmo são peixes!).

Mas essa fama de super herói cômico e inútil parece estar com os dias contados, graças a uma excelente fase nos quadrinhos em que o roteirista Geoff Johns, com a ajuda de uma trinca de brasileiros - Ivan Reis, Joe Prado e Jod Reis -, revitalizou as histórias do Aquaman ao apresentá-lo a toda uma nova geração de leitores como um herói verdadeiramente poderoso e imponente, sem, contudo, abrir mão da mitologia estabelecida lá na Era de Prata dos Quadrinhos. A fase de Geoff Johns na revista do Aquaman foi uma das mais elogiadas dentro do contexto dos Novos 52, quando a DC zerou a numeração de seus títulos e realizou um reboot em suas histórias semelhante ao que fizera na década de 80 com a Crise nas Infinitas Terras.


Aquaman dos Superamigos

Aquaman de Geoff Johns e Ivan Reis

A estreia de Geoff Johns no comando do título Aquaman se deu no arco As Profundezas, quando o herói é reapresentado aos leitores. Johns volta às origens do personagem, após as diversas mudanças introduzidas nos anos anteriores, estabelecendo-o como Arthur Curry, filho de um humano com a rainha de Atlântida. No entanto, esta não se trata de uma história de origem; Johns nos apresenta um Aquaman já experiente, logo após abdicar do trono de Atlântida para viver uma vida normal ao lado da esposa Mera. É esta adaptação de Arthur a uma nova realidade que eu achei a maior sacada de Geoff Johns para o personagem, já que o roteirista tira proveito do karma que o herói carrega no mundo real e o transpõe para as páginas dos quadrinhos, ao mostrá-lo tendo que lidar com chacotas e gozações vindas de policiais e principalmente das próprias pessoas que ele tenta salvar. Ao longo das edições, conforme ele vai demonstrando suas habilidades e a real extensão de seu poder, estas pessoas vão percebendo o quão equivocadas estavam, e lentamente passam a respeitar o Aquaman como um super herói de verdade.

O roteiro de As Profundezas é simples, porém eficiente. As criaturas abissais que Arthur enfrenta não representam uma ameaça real ao personagem, e o arco serve apenas ao objetivo de estabelecer Aquaman neste novo universo. Geoff Johns também utiliza um artifício bastante comum às suas histórias, que é deixar algumas pontas soltas a serem exploradas nos próximos arcos, atiçando a curiosidade dos leitores e assim fazendo com que estes continuem comprando as próximas edições da revista. Não é à toa de Geoff Johns tem apresentado uma carreira meteórica dentro da DC Comics, tendo sido alçado ao cargo de produtor executivo dos filmes da DC/Warner no cinema.

Aquaman e os Abissais

Outro personagem bastante explorado por Johns é Mera, a esposa do Aquaman, para mim a maior supresa deste título. Ao contrário de Arthur, ela não é uma atlante, mas uma agente secreta de outro reino marinho, sobre o qual muito pouco é mostrado, inicialmente enviada para matar o rei da Atlântida. Porém ela acaba se apaixonando por Aquaman e se casando com ele. Assim como o marido, ela também abdica de tudo em nome desse amor: do pai, dos amigos, de sua terra natal. Como nunca viveu na superfície, Mera sabe muito pouco dos costumes dos terrestres, principalmente a postura submissa de algumas mulheres em relação aos homens. Desde o início mostrada como uma mulher de temperamento forte, ela não consegue lidar com injustiças, e isso irá traz bastante problemas para ela e o marido.

A arte de Ivan Reis é um verdadeiro espetáculo, e o brasileiro vem a cada dia se provando como um dos maiores desenhistas de quadrinhos da atualidade. Seus desenhos transmitem a sensação de movimento e dinamismo, e ficam ainda mais belos e deslumbrante com as cores vívidas usadas por Jod Reis.

Aquaman: As Profundezas foi publicado nas edições 1-7 de Aquaman, entre os anos de 2011 e 2012, e foi recentemente lançada pela Panini Books em uma edição de luxo com capa dura. Recomendo a leitura desta HQ para aqueles que conhecem pouco sobre o herói atlante e precisam de um ponto de partida, principalmente agora que o herói será retratado nas telonas no novo filme da Liga da Justiça, no qual ele será interpretado por Kal Drogo Jason Momoa. Boa leitura!

Aquaman Interpretado por Jason Momoa