O super-heróis geralmente possuem uma característica especial que os tornam, em maior ou menor grau, superiores aos demais seres humanos: alguns são alienígenas e já nasceram com dons especiais, outros os receberam devido a um acidente cósmico ou alguma picada de inseto geneticamente modificado por radiação. O Demolidor, no entanto, tem como principal característica uma deficiência física: ele é CEGO. Numa típica demonstração de "como olhar o copo meio cheio", o advogado nova-iorquino Matthew "Matt" Murdock aprendeu a compensar a falta de visão ampliando seus outros sentidos - audição, tato, olfato - e chegou até a desenvolver um sentido sobressalente: uma espécie de radar, que lhe possibilita "enxergar" qualquer obstáculo que esteja ao seu redor.
Os créditos pela criação do Homem Sem Medo pertencem a Stan Lee e Bill Everett, com a ajuda do saudoso Jack Kirby, lá pelos idos de 1964. Seu nome original é Daredevil, que traduzido para o português significa algo como temerário, ousado ou intrépido, mas que em inglês assume a conotação de "alguém que desafia o diabo ou a morte", e é aplicado a pessoas que se colocam conscientemente em risco, como acrobatas e praticantes de esportes radicais. Como nenhuma destas palavras funcionaria bem para nomear um dos principais ícones da Marvel Comics na época, os tradutores brasileiros optaram por um nome que ao mesmo tempo mantivesse o "peso" do personagem e justificasse o duplo 'D' estampado em seu uniforme. Infelizmente, o termo Demolidor não conseguiu agregar o mesmo sentido de Daredevil, de modo que teria sido melhor se simplesmente tivessem mantido o original, como foi no caso do Batman.
Após um início promissor, a qualidade das histórias do herói cego da Cozinha do Inferno caiu drasticamente e o título, sofrendo com baixas vendas, teve sua publicação reduzida a uma periodicidade bimestral. Em 1981, no entanto, um jovem desenhista franzino chamado Frank Miller assumiu o título e resgatou o Demolidor do cancelamento, capitaneando, ao lado do arte-finalista Klaus Janson, uma das fases mais aclamadas do personagem. É o início desta fase que a Panini Comics compilou no encadernado de luxo Demolidor por Frank Miller e Klaus Janson - Volume 1, lançado no final de 2014, reunindo as edições Demolidor #158-172 e Espetacular Homem Aranha #27-28.
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Demolidor vs Mercenário |
Apesar do nome de Frank Miller estampar a capa deste encadernado, ele só assumiu o roteiro da revista na edição 168. Até então Roger McKenzie vinha fazendo um trabalho razoável, intercalando histórias fracas com alguns arcos excelentes, dentre os quais Marcado para Morrer e Revelado. No primeiro o Demolidor precisa enfrentar o vilão Mercenário, que leva sua rivalidade com o herói a um nível mais pessoal. É possível perceber uma gradual mudança no tom das histórias, com o Demolidor tornando-se cada vez mais o "herói detetive", analisando evidências, disfarçando-se entre os criminosos para obter informações e derrotando seus adversários utilizando o preparo ao invés da força bruta.
Já no segundo arco vemos o jornalista Ben Urich - introduzido por McKenzie na edição 153 - deduzir a verdadeira identidade do Diabo da Guarda de Hell's Kitchen por meio de informações colhidas ao longo das edições anteriores. Quando o jornalista confronta Murdock no hospital após um duelo do herói com o Hulk, o advogado revela as circunstâncias que o forçaram a se tornar um vigilante uniformizado. Isto acaba oferecendo a oportunidade perfeita para o roteirista revisitar a história de origem do herói, mudando um ou outro detalhe, mas mantendo todas as bases estabelecidas por Stan Lee e Bill Everett, como o fato de o pai de Matt, o boxeador Jack "Batalhador" Murdock, se envolver com o criminoso conhecido como Arranjador; o acidente que provocou a cegueira de Matt (aqui provocado por militares transportando rejeitos radioativos, enquanto que na versão anterior o caminhão de produtos químicos pertencia à empresa Ajax); e o assassinato de Jack Murdock como motivação para a criação do Demolidor.
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Elektra |
Demolidor por Frank Miller e Klaus Janson - Volume 1 é um encadernado indispensável para os fãs do Demolidor, uma rara oportunidade para ter na coleção uma das melhores fases deste personagem, uma vez que estas histórias não eram publicadas há muito tempo. Embora algumas delas deixem a desejar, principalmente por ainda trazerem resquícios de uma época mais fanfarrona dos quadrinhos, talvez por isso mesmo tenham sido mantidas no encadernado, para o que o leitor perceba o quão importante foi a contribuição de Frank Miller, não apenas para o Demolidor, mas para os quadrinhos como um todo.
Boa leitura!
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Capa do Volume 1 |