Não precisa ser um conhecedor profundo do assunto para saber que histórias em quadrinhos - pelo menos os quadrinhos mainstream -, raramente possuem final. Às vezes uma ou outra revista, devido a uma queda nas vendas ou algo que o valha, é descontinuada, e o personagem principal do título é colocado para hibernar; mas em um ano, cinco ou uma década depois, não importa, algum editor resolve que é a hora daquele herói voltar a dar as caras e algum roteirista corajoso é contratado para ressuscitá-lo. Assim sendo, conclusões definitivas em histórias em quadrinhos são praticamente impossíveis de ocorrer, e o motivo disso é puramente comercial: qual empresa deixaria de ganhar dinheiro com personagens como Superman, Batman, Homem Aranha ou Wolverine ao decidir dar um final para suas histórias, um final de verdade, definitivo, como final de novela ou o último episódio de uma série? Mas houve um caso em que os fãs de um famoso super herói puderam finalmente conhecer a história final deste personagem, e, para estes fãs em específico, caso resolvessem parar de ler quadrinhos, as aventuras do herói em questão haviam de fato chegado ao fim. O herói em questão, a propósito, foi o Superman. "Ah, mas as histórias do Superman continuam sendo publicadas até hoje!", alguém poderia argumentar, e com razão. De fato, a revista do Superman nunca foi descontinuada, porém houve um Superman cujas histórias tiveram um final, um Superman que finalmente pôde enfim descansar em paz, porque seus vilões finalmente haviam sido derrotados. Este Superman foi o Superman pré-Crise.
Durante um ano inteiro, de abril de 1985 a março de 1986, um mega evento chacoalhou as fundações do Universo DC: foi a Crise nas Infinitas Terras, que tinha o estoico propósito de reinicializar todos os títulos da editora, de certa forma anulando tudo o que havia acontecido antes e reintroduzindo seus personagens para uma toda uma nova geração de leitores, uma geração mais madura e exigente. O tempo dos enredos inocentes havia acabado; Frank Miller, com seu O Cavaleiro das Trevas, e Alan Moore, com Watchmen, tinham garantido que isso acontecesse. Sendo o Superman o principal herói da DC, ele certamente não ficaria de fora do processo de reestruturação da editora. Mas lembra que eu falei que no mundo dos quadrinhos finais são bastante raros? Pois bem, o editor da revista do Homem de Aço, Julio Schwartz, vislumbrando o fim de uma era, no caso a era do Superman pré-Crise, teve uma brilhante ideia: e se as últimas edições de Superman e Action Comics, as duas revistas nas quais as histórias do herói eram publicadas, narrassem realmente a última aventura do Superman? Esta seria uma oportunidade única de prestar uma homenagem não somente ao personagem, mas a todos aqueles que fizeram parte de sua mitologia: Lois Lane, Perry White, Lana Lang, Jimmy Olsen, Lex Luthor, Brainiac, Bizarro, Krypto, o Supercão, a Legião de Super Heróis, e tantos outros. Com isso em mente, a primeira pessoa que ele cogitou para levar a cabo esta missão foi Jerry Siegel, co-criador do Superman: nada mais justo do que aquele que deu o pontapé inicial fosse quem apagaria as luzes e fecharia a porta. No entanto, por problemas de agenda Jerry não pode fazer parte do projeto, e quem acabou sendo o escolhido para roteirizar a última história do Homem do Amanhã foi um jovem e talentoso britânico que vinha fazendo bastante sucesso na revista do Monstro do Pântano e com a minissérie Watchmen: Alan Moore. Já para a arte desta história nunca houve nenhum outro nome senão o de Curt Swan, desenhista veterano nas revistas do Superman desde a década de 60: até hoje sua versão do herói, que também é considerada a versão definitiva, serve como modelo para inúmeros artistas.
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Clarck Kent é Desmascarado |
Alan Moore desenvolveu um enredo coerente, no qual pôde inserir praticamente todos os principais personagens do universo do Superman, sem, contudo, deixar que qualquer um deles se tornasse redundante ou desnecessário. Todos têm uma função no enredo, assim como todos obtêm algum tipo de conclusão, embora nem todos consigam ter o tão sonhado final feliz. A história já começa nos revelando que o Superman está morto. Há dez anos. Com direito a monumento com estátua na praça e tudo que um finado herói tem direito. Lois Lane, agora Lois Elliot, recebe em sua casa um repórter do Planeta Diário que veio entrevistá-la sobre os últimos dias do Superman. Assim, toda a história do crepúsculo do maior herói do planeta é narrada por Lois; é irônico que a pessoa que escreveu a matéria que apresentou o herói ao mundo tenha que testemunhar sobre sua morte.
Em seus últimos dias, Superman começou a sofrer uma série de ataques coordenados de seus antigos vilões. Bizarro, Metallo, Homem Brinquedo colocaram as pessoas que ele mais amava em risco. Até mesmo a identidade civil do Superman foi revelada ao público. Sem alternativas, ele levou sua família e os amigos mais prezados para sua Fortaleza da Solidão, no Ártico, a qual acabou sendo sitiada por um exército de vilões. A Fortaleza se tornou então o palco de alguns dos momentos mais trágicos desta HQ, e Alan Moore não tem pena do coração do leitor ao matar alguns personagens queridos ao longo da batalha. Se você tem coração mole e adora animaizinhos de estimação, vai derramar rios de lágrimas em determinado momento da trama. Não vou dar spoilers, mas é feio, muito feio...
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Superman Chora |
Superman foi então colocado diante de uma difícil decisão: algo precisava ser feito para impedir que este inimigo ferisse seus amigos, e precisava ser uma solução definitiva. Entre manter seu juramento de nunca matar ou salvar aqueles a quem amava, é claro que o Superman optou pelo caminho do auto sacrifício. É neste ponto que eu percebo o quão bem Alan Moore conseguiu entender o Superman. Diferentemente do Batman, que se esconde por trás do disfarce de Bruce Wayne, Clark Kent é a verdadeira identidade do Superman. Muito mais do que um super herói, o Superman é um símbolo, uma representação de todos os nobres ideais que norteiam a vida de Clark Kent, ideais de justiça, liberdade e retidão de caráter ensinados pelos pais terráqueos. E se ele fizesse qualquer coisa que maculasse estes ideais, então ele não poderia mais ser um símbolo de nada, e não haveria outra escolha senão "matar" o Superman. E é justamente isso o que Clark Kent faz: ele mata o Superman.
É sobre isso que se trata esta história, da morte do Superman, não uma morte física, mas a morte do símbolo.
Se você gostou desta resenha e se interessou por essa história, pode encontrá-la em uma edição de luxo publicada pela Panini (clique aqui para ver esta edição), juntamente com outras duas histórias de Alan Moore para o personagem, dentre as quais a clássica Para o Homem que Tem Tudo, sobre a qual falarei em breve. Boa leitura!
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