O Justiceiro (Punisher, no original) é um dos meus personagens favoritos da Marvel Comics, atrás apenas do Demolidor. Ele não é um herói no sentido estrito da palavra, afinal, não é comum ver heróis estourando o crânio de criminosos com uma escopeta, mas possui um senso moral bastante claro: infligiu a lei ou se associou com criminosos, então é vala. Simples assim - sem julgamento, sem apelação, sem segundas chances. O motivo para isso, é claro, encontra-se por trás de uma tragédia pessoal: Frank Castle, alter-ego do Justiceiro, era um ex-fuzileiro norte americano que lutou na Guerra do Vietnã e que, após voltar do conflito, viu sua esposa e filhos serem brutalmente assassinados diante de seus olhos, pegos no fogo cruzado entre duas gangues rivais. A partir de então ele passou a viver em uma constante guerra de um homem só contra todo tipo de crime, guerra esta que só acabará no dia em que ele morrer, e talvez nem assim (já explico).
O Justiceiro estreou nos quadrinhos em meados da década de 70, inicialmente como um vilão do Homem Aranha, mas depois assumiu o status de anti-herói, aparecendo de vez em quando nas páginas do Cabeça de Teia. Só em 1986 o Justiceiro ganharia uma revista própria e teria seu verdadeiro nome revelado. Ele passou por vários roteiristas, teve boas e más fases, a pior delas quando ele morre e se transforma em uma espécie de anjo vingador matador de demônios. Que fase hein! Mas então, em meados dos anos 2000, o escritor irlandês Garth Ennis (Hellblazer, Preacher) recebeu a incunbência de tocar a revista do Justiceiro. E não poderia haver casamento mais perfeito entre escritor e personagem: o estilo de escrita de Ennis, com toda sua violência, personagens bizarros e situações inusitadas, tudo isso misturado com críticas políticas ácidas à sociedade moderna, combinaram perfeitamente bem com as histórias do Justiceiro. Para ficar ainda melhor, o escritor também ficou responsável pelas histórias do anti-herói no selo MAX da Marvel, voltado para o público adulto. Neste selo, todos os limites criativos foram removidos e Garth Ennis pôde levar o Justiceiro ao limite. Justiceiro - No Princípio, lançado em 2018 pela Panini Comics, é um encadernado de luxo de reúne os dois primeiros arcos desta série, mais a minissérie especial Born.
![]() |
Capitão Frank Castle no Vietnã |
Em Born (Agosto/2003) acompanhamos o capitão Frank Castle já no final da Guerra do Vietnã. Ele é retratado como um viciado em combate, alguém que não aceita que o conflito está no fim, simplesmente porque quer continuar apertando o gatilho. Esta história também levanta uma pergunta muito interessante sobre a origem do Justiceiro: será que ele se tornou quem é por causa do assassinato de sua familía, ou esta tragédia teria sido apenas o catalisador para o desejo pela violência que já existia antes?
A arte de Born ficou a cargo de Darick Robertson, que retrata de forma fidedigna os cenários tropicais do Vietnã e as cenas de combate na selva, recheadas de violência explícita.
Após um breve texto explicando o contexto do período da Guerra Vietnã em que Born se passa, e que agrega bastante valor a este volume da Panini, temos os dois primeiros arcos de Justiceiro MAX: No Princípio (edições 1 a 6) e Inferno Irlandês (edições 7 a 12).
![]() |
O Justiceiro |
No Princípio (Março/2004) começa com mais um dia comum de trabalho na vida do Justiceiro: ele invade uma festa de aniversário do chefão da máfia italiana e chacina praticamente todo mundo lá. Ele então acaba virando alvo de um assassino da máfia chamado Nick Cavella e de uma célula da CIA, que para capturá-lo conta com a ajuda de seu antigo ajudante, o hacker conhecido como Micro. Uma das melhores partes deste arco é justamente o intenso diálogo entre Frank e Micro, que Garth Ennis usa para tecer críticas às campanhas militaes americanas pós-11 de Setembro. E, embora seja muito prazeroso assistir (sim, eu leio este quadrinho como se estivesse asssistindo a um filme de ação!) o Justiceiro sentar bala em todo tipo de bandido, o escritor deixa claro que este desejo de sangue e justiça encarnado pelo Justiceiro e que inspira tantos da "nova direita" brasileira, não passa de um instinto natural, uma espécie de alívio ou desejo por compensação diante de tanta dor causada pelo crime, pois este nunca terá fim, já que é uma condição natural da humanidade. Você mata um, e outros dois ocupam seu lugar. E justamente por causa desta guerra sem fim Frank Castle se tornou um homem amargurado, incapaz de viver uma vida de felicidade.
Mas este arco não traz apenas diálogos, senão não estaríamos falando de um enredo assinado por Garth Ennis. Os personagens únicos, como os capangas Caneta e Pitsy, e as cenas absurdas, como quando o agente Roth tem suas bolas literalmente arrancadas, estão lá. Além disso, há muitas, muitas cenas de tiroteio, com direito a tripas e globos oculares voando para todos os lados, tudo isso retratado na arte incrível de Lewis Larosa.
Em Inferno Irlandês (Agosto/2004), Garth Ennis aborda um tema recorrente em suas histórias: as mazelas vividas pelos imigrantes irlandeses na América. Esta história é curiosa porque nela o Justiceiro é um coadjuvante, alguém que caiu de paraquedas no meio de um conflito entre quatro gangues irlandesas da Cozinha do Inferno que estão disputando a herança de um velho chefão do crime. Mais uma vez Ennis surpreende com personagens no mínimo incomuns, como um irlandês negro (os criminosos irlandeses nunca foram muito chegados nos "manos"), uma gangue de piratas do rio e um ex-terrorista que sobreviveu à explosão de uma bomba, mas que ficou com o rosto desfigurado. A arte deste arco ficou com Leandro Fernandez, que faz um excelente trabalho.
![]() |
Justiceiro em Ação |
Justiceiro - No Princípio, apresenta a versão definitiva do Justiceiro, sob o olhar do escritor irlandês Garth Ennis. Com histórias mais "pé no chão" e focadas no mundo real, ainda assim o estilo único do roteirista se destaca, com seu humor ácido e violência gráfica explícita. Esta versão do maior anti-herói da Marvel também serviu de inspiração principal para a série da Netflix estrelada por John Bernthal. Por fim, vale destacar o excelente trabalho realizado pelo capista Tim Bradstreet, que deu uma marca especial à série.
![]() | ||
Capa de Punisher MAX 1 e do Volume 1 da coleção da Panini |
Nenhum comentário:
Postar um comentário