Desde sua criação pelas mãos da talentosa dupla Dennis O'Neil e Neal Adams na década de 70, pouco se sabia sobre a origem do supervilão e ecoterrorista internacional Ra's al Ghul além das poucas informações colhidas aqui e ali ao longo dos anos, fruto da contribuição de diversos roteiristas, dentre os quais Mike W. Barr, autor das Graphic Novels Filho do Demônio e Noiva do Demônio. No início da década de 90 - exatos 20 anos após a estreia do personagem na revista Batman nº 232 -, a DC Comics decidiu pôr fim a este mistério, e escalou o próprio criador do vilão para nos revelar os principais acontecimentos que levaram Ra's a ser uma das maiores mentes criminosas do mundo e um dos adversários mais notáveis do Homem Morcego.
O enredo de Dennis O'Neil situa o Cavaleiro das Trevas num cenário totalmente diferente do que estamos habituados; as opressivas e claustrofóbicas ruas e becos de Gotham City dão lugar aos amplos e desolados desertos do norte da África, relembrando os primeiros encontros de Batman e Ra's Al Ghul na década de 70. A história começa mostrando um obstinado Batman indo até as últimas consequências para colocar em prática o plano definitivo para derrotar seu mais brilhante adversário, e, para que possa alcançar este objetivo, ele investe uma grande quantia de sua fortuna para descobrir a verdadeira história de Ra's al Ghul. É neste momento que entra em cena Talia, uma mulher dividida entre o amor que sente pelo Cruzado de Capa e a lealdade ao pai. Nesta história ela serve como o elemento narrativo responsável por transportar o leitor para o passado, na época das Cruzadas, até um reino atualmente esquecido onde vivia um prodigioso médico cujo maior objetivo era vencer a Morte. Ele consegue realizar seu objetivo ao estudar as miraculosas propriedades de um banho químico, mas esta vitória lhe custa aquilo que ele mais amava.
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O Poço de Lázaro |
Dennis O'Neil nos entrega uma história de origem completa, amarrando todas as pontas soltas deixadas por ele mesmo e diversos outros escritores ao longo das décadas sobre a história desde importante vilão do Universo DC. Indo desde a explicação para o nome escolhido por ele, até os mistérios que pairam sobre a natureza mística/científica do Poço de Lázaro, não há pergunta que não seja respondida. O verdadeiro foco deste conto, porém, é dissecar todos os eventos que contribuíram para a transformação de um homem comum no líder da maior organização terrorista da Terra. Ao longo das páginas acompanhamos a transformação do médico bom e piedoso, que utiliza seus conhecimentos científicos para aliviar a dor do povo oprimido, em um líder cruel e insensível, capaz de utilizar estes mesmos conhecimentos para forjar a primeira arma biológica de que se tem notícia. O catalisador para esta transformação, assim como foi no caso do Batman, é a perda de um ente querido, mas no caso de Ra's al Ghul a dor da perda removeu de sua alma praticamente todo o traço de humanidade, haja vista a cena em que ele ordena a destruição de toda uma civilização - não apenas de seus edifícios e pessoas, mas de toda e qualquer lembrança e registro histórico de que aquele povo um dia existiu. É como se o Batman, por causa do assassinato de seus pais, resolvesse extirpar o crime de Gotham varrendo a cidade do mapa.
A relação antagônica entre Ra's al Ghul e Batman também é trabalhada neste roteiro; desde o início, o grande confronto entre o Cabeça do Demônio e o Detetive, que é o clímax desta Graphic Novel, é antecipada e até mesmo prevista nos sonhos e visões que Ra's tem sempre que está próximo a um dos lugares sagrados onde são escavados os Poços. Ele julga a criatura monstruosa, coincidentemente parecida com um Morcego, como a personificação de sua morte, a grande inimiga que é o objetivo de sua vida derrotar. Não é por acaso que a "última" batalha entre ele e o Detetive seja travada diante de um Poço de Lázaro.
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Batman vs. Ra's al Ghul |
Como não é só de um excelente roteiro que se faz uma Graphic Novel de qualidade, o que mais chama atenção neste conto é a arte empregada por Norm Breyfogle, toda feita em tinta, que nos presenteia com a história mais "colorida" do Homem Morcego. Suas cores vivas e vibrantes, repletas de vermelhos, laranjas e verdes, quase nos fazem sentir o calor escaldante dos desertos da terra natal de Ra's e o fedor dos tóxicos utilizados no Poço de Lázaro.
Esta é uma obra que realmente vale a pena ler, principalmente para aqueles que querem conhecer mais sobre este que é um dos principais vilões do Universo do Morcego da atualidade. Nos últimos anos pudemos ver a popularidade de Ra's al Ghul crescer exponencialmente devido a ele ter sido escolhido como o principal vilão do filme Batman Begins - o primeiro da "Trilogia Nolan" -, e também por participações nos jogos da franquia Arkham e nas animações da Warner. Esta HQ ajuda a estabelecer as principais bases que constituem o entendimento das ações e motivações de Ra's al Ghul em todas essas mídias, tendo em vista que em todas estas adaptações sua essência têm permanecido a mesma. O Nascimento do Demônio fecha um conjunto de três histórias intitulada "Trilogia do Demônio", e aqui no Brasil ela foi publicada, juntamente com os outros dois volumes, nas edições de número 15 e 16 da coleção de Graphic Novels da Eaglemoss, em formato de luxo. Boa Leitura!
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