sábado, 31 de dezembro de 2016

[RESENHA] John Constantine, Hellblazer - Origens Volume 6: O Homem de Família



O sexto e penúltimo volume da coleção Hellblazer Origens, que reúne as 40 primeiras edições da revista solo do anti-herói aspirante a mago John Constantine, foi um presente da Panini para os fãs por trazer uma coletânea de edições totalmente inéditas aqui nas terras tupiniquins. Este encadernado contém a continuação e conclusão da saga O Homem de Família, uma das melhores histórias da era Jamie Delano.

Desde que deixou de ser coadjuvante nas páginas do Monstro do Pântano para estrear sua própria revista, Constantine já enfrentou demônios, fantasmas e sociedades secretas; porém agora ele se depara com um adversário completamente diferente, o pior que ele já enfrentou até então: o serial killer conhecido como o Homem de Família! Uma infeliz coincidência acabou fazendo com que Constantine descobrisse a identidade do assassino (clique aqui para ler minha resenha sobre o volume anterior, quando este encontro aconteceu), e agora o psicopata irá atrás da família do mago, forçando-o a tomar uma difícil decisão, que poderá condenar ainda mais a sua alma.

Constantine Pondera Sobre seu Adversário

Delano aproveita o tema "família" para continuar expandindo a construção de John Constantine enquanto personagem, ao revelar mais detalhes sobre sua infância, a morte da mãe, sua relação conturbada com o pai, e seus primeiros passos dentro do universo obscuro da magia. Ele também deixa o caminho preparado para outros roteiristas ao mostrar que a sobrinha de Constantine, Gemma Masters, também possui a propensão para o sobrenatural.

O roteirista também faz um bom trabalho ao traçar o perfil do assassino em série conhecido como Homem de Família. Desde a primeira edição ele não faz mistério sobre a identidade do psicopata; é impressionante o fato de que o assassino mais procurado do país seja um simpático idoso que passa seus dias em uma casa de repouso, onde ninguém suspeita de suas verdadeiras intenções. Em concordância com o que se sabe hoje a partir de estudos psicológicos realizados em assassinos em série, o autor aborda os traumas da infância de Samuel Morris, como possível fonte de seus distúrbios psicológicos, e expõe o desprezo pelas outras pessoas e pela sociedade que ele nutre em seus pensamentos, ocultos pela máscara de cidadão de bem.

Também vale a pensa ressaltar que os eventos de O Homem de Família reverberam em outra HQ da Vertigo: Sandman, na edição Os Colecionadores. Nesta história acontece uma convenção de assassinos em série da qual o Homem de Família é o convidado de honra, mas os eventos de Hellblazer fazem com que este seja substituído pelo Coríntio, um dos pesadelos fugitivos de Morfeus. Minha resenha sobre este arco pode ser acessada aqui.

Constrantine Enfrenta o Cão

Além do arco O Homem de Família, este encadernado ainda contém algumas histórias curtas, como Novos Truques, na qual Constantine precisará impedir que o mundo seja dominado por um buldogue! A melhor parte da história é a forma que ele emprega para derrotar o demônio canino, utilizando nada mais do que pura astúcia (e algum conhecimento sobre o comportamento de cães!). Em Os Domingos São Diferentes Jamie Delano deixa mais uma vez seus ideais políticos transparecerem em seus roteiros, ao fazer uma crítica ácida ao modo como o capitalismo se apropriou dos ideais das décadas de 60 e 70, como a defesa pelo meio ambiente, a sustentabilidade e a globalização.

Finalmente, O Bicho Papão traz um prelúdio para a última história de Delano à frente dos roteiros de Hellblazer, que será finalizada no próximo volume. Nesta história vemos um John Constantine prestes a sucumbir ante os terríveis acontecimentos de sua vida, entre a morte de amigos e decisões cruéis que precisara tomar. Neste caminho onde a depressão e atitudes inconsequentes e autodestrutivas assombram a consciência do mago, ele irá se deparar com a ajuda de antigas aliadas para encarar a verdadeira razão pela qual sua vida é uma grande história de horror, mas isso fica para a próxima resenha.

Este volume teve a participação de diversos artistas dentre os quais Ron Tiner, Steve Pugh e Sean Phillips, e ainda conta com um material exclusivo em que são apresentados diversos ancestrais de John Constantine, os quais  já apareceram em algumas histórias, até mesmo de outros títulos, como é o caso de Johanna Constantine, em Sandman. Para quem se interessou por esta leitura, a HQ tema desta resenha foi publicada pela Panini Comics. Boa leitura!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

[RESENHA] Preacher #4: Histórias Antigas



O quarto volume de Preacher, série visceral de autoria de Garth Ennis e Steve Dillon, que narra as aventuras do pastor Jesse Custer em sua busca nada convencional pelo Divino, dá uma pausa na trama principal para apresentar as histórias de origem de dois importantes personagens da saga: o Santo dos Assassinos e o Cara de Cu. A história do Santo se prova importante pelos eventos que ocorrem nos próximos volumes da saga, porém a do Cara de Cu serve apenas para saciar a curiosidade dos leitores e, de quebra, vender mais revistas. Para finalizar, este encadernado ainda conta com uma aventura solo de Jody e T.C. - os canalhas responsáveis pela criação de Jesse em Angelville -, e esta é ainda mais dispensável que a anterior.

Mas o que realmente mais desanima neste volume é a arte, devido à total ausência de Steve Dillon, cujos desenhos já são a marca registrada da série. Estes três especiais contam com a participação dos artistas convidados Steve Pugh, Carlos Ezquerra e Richard Case; em todos eles a arte é nada mais do que competente, e não deixa a desejar, porém ler Preacher sem os desenhos de Steve Dillon não é a mesma coisa.

No especial O Santo dos Assassinos, Garth Ennis declara todo o seu amor pelo gênero do Western, ao finalmente poder contar uma história que se passa no tempo das diligências. Embora irlandês, o autor cresceu vendo filmes de faroeste, e a série Preacher é repleta de referências a este tão famoso estilo, como por exemplo a figura de John Wayne, uma espécie de amigo imaginário de Jesse que age como um tipo de conselheiro para o reverendo. Para quem não sabe, John Wayne, também conhecido como o Duque, foi um reverenciado ator que protagonizou diversos filmes de faroeste, dentre eles Bravura Indômita, Rio Vermelho e Os Comancheros.

O Santo dos Assassinos

A história do Santo, contudo, não acrescenta quase nada ao gênero, sendo, por outro lado, um grande clichê: tem o matador sem coração que encontra o verdadeiro amor; a gangue de malfeitores liderada por um bandido vil e sem escrúpulos; a pacata cidade que acaba se tornando palco de um banho de sangue. O que diferencia esta história das demais é justamente o fator sobrenatural: quando morre, o assassino faz um pacto com o Anjo da Morte para dar cabo de sua vingança contra aqueles que o prejudicaram.

A História de Você-Sabe-Quem mostra a motivação para a tentativa de suicídio fracassada que fez com que o adolescente Eugene Root conseguisse as grotescas cicatrizes que lhe garantiram a famosa alcunha de Cara de Cu. É aquela conhecida história do adolescente que se sente incompreendido, que sofre nas mãos de um pai violento e uma mãe ausente, e na escola ainda tem que lidar com buyling. Todas essas desventuras - as quais a maioria de nós, nascidos nas décadas de 80 e 90, já passamos - faz com que o jovem tome uma decisão errada que irá afetar toda sua vida.

Garth Ennis usa este roteiro para tratar sobre a influência que os ídolos modernos exercem sobre seus fãs, tanto através de sua música como principalmente através de seu comportamento. As referências ao Nirvana e seu vocalista Kurt Cobain, que cometeu suicídio em 1994, estão por toda parte. O autor voltaria a abordar este tema mais para a frente, no arco do Cara de Cu da série regular. Embora seja um personagem predominantemente de alívio cômico na série regular, este especial sobre o Cara de Cu possui uma pesada carga dramática ao abordar a questão do suicídio entre jovens.


Eugene Root, Antes de se Tornar o Cara de Cu

Por último, Os Bons Camaradas nos mostra a dupla Jody e T.C. cruzando o caminho de um policial e uma advogada que estão fugindo de uma gangue. A trama segue o velho clichê dos filmes de ação dos anos 90, porém temperada com cenas de violência explícita e o humor negro de Garth Ennis. Vale a leitura apenas como diversão, mas não acrescenta em nada à história original.

Então é isso, meninos e meninas. Espero que tenham gostado desta resenha, nos vemos por aqui numa próxima postagem. Lembrando que Preacher Vol. 4 foi publicado no Brasil em capa dura pela Panini Books. Boa leitura!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

[RESENHA] Homem Animal - Fase Grant Morrison


Antes de 1988, o Homem Animal era um personagem do terceiro escalão da DC Comics, fadado ao esquecimento, tanto que o primeiro supergrupo do qual ele fez parte foi o dos Heróis Esquecidos! A  aventura de maior destaque de Buddy Baker, alter-ego do herói capaz de absorver as habilidades de animais próximos, havia sido uma curta participação no megaevento Crise nas Infinitas Terras, e ainda assim, passou quase despercebido. Após a grande Crise que reformulou o universo compartilhado da DC Comics, alguns personagens de menor destaque da editora foram entregues a roteiristas lá do Velho Mundo, como foi o caso do Monstro do Pântano, cujas histórias passaram a ser escritas pelo inglês Alan Moore, e Sandman, que sob o gênio de Neil Gaiman tornou-se um grande sucesso de crítica e vendas. A então editora Karen Berger escalou o escocês Grant Morrison para os roteiros de Homem Animal, e deu carta branca para ele fazer o que quiser com o personagem. O que ele fez deixou os fãs de quadrinhos de queixo caído.

Morrison satiriza a condição do Homem Animal, apresentando-o em sua primeira edição como ele realmente era visto pelos leitores: um herói de quinta categoria. Casado e com um casal de filhos pequenos, o aspirante a herói trabalha como dublê de filmes, mas praticamente depende da esposa, que é desenhista de storyboards. O autor dá bastante destaque para este lado mais "família" do Homem Animal, e desde o começo agrada ao não apelar para aquele velho tabu dos quadrinhos de que um super herói não pode ter uma família. É até interessante notar a cumplicidade entre Buddy e Ellen quando vemos o herói exercitando as suas habilidades com a ajuda da esposa.

Além do uniforme, a principal mudança estabelecida por Morrison foi o tom da HQ: as histórias do Homem Animal passaram a abordar temáticas sociais sérias, principalmente no que tange aos maus tratos sofridos pelos animais. Morrison, que é vegetariano e faz parte de grupos de defesa dos animais, teve a brilhante sacada de usar um super herói cujos poderes advém do mundo animal para levantar a bandeira da causa para os leitores da revista. Assim, o Homem Animal se tornou vegetariano e passou a participar ativamente de grupos de defesas dos animais. Três histórias se destacam neste sentido: o primeiro arco, que vai até a edição 4, no qual ele aborda as atrocidades cometidas a animais em testes de laboratórios; Entre o Demônio e o Azul Profundo do Mar, na qual ele expõe o brutal costume dos habitantes das ilhas Faroé, na Dinamarca, de assassinar centenas de golfinhos quando eles passam pelas ilhas no verão (existe um vídeo no YouTube que mostra como é este festival, mas já aviso que as cenas são fortíssima); e por último há O Evangelho Segundo o Coiote.


O Evangelho Segundo o Coiote é uma história emblemática na qual Morrison dá aos leitores uma pequena dica da direção que seus roteiros irão tomar daqui para a frente. Esta é uma obra espetacular, repleta de metalinguagem e que nos leva a refletir sobre como a violência se torna cada dia mais banal. Uma prova disso é a forma como tratamos com tranquilidade nossos filhos (e nós quando éramos crianças) assistirem a animais digladiando-se uns com os outros em desenhos animados aparentemente inocentes, como Tom e Jerry, Papa-Léguas, Looney Tunes, dentre outros. O Coiote da história é nada mais nada menos do que uma sátira ao personagem da Looney Tunes, que tenta de toda forma capturar o Papa-Léguas, mas sempre acaba se dando mal. Na trama de Morrison, o Coiote se cansa de tanta violência e procura seu Criador, um homem misterioso segurando um pincel. O Criador aceita a súplica por paz do Coiote, mas o condena a viver no "mundo real" (mais tarde você irá entender porque usei aspas), onde ele recebe um novo corpo. Só que esta nova existência para o Coiote é ainda pior que a anterior, pois, para que haja paz em seu mundo, ele precisa sofrer, e a primeira coisa que lhe acontece ao reencarnar no mundo real é ser atropelado por um caminhão. Só que, assim como nos desenhos, ele nunca morre, mesmo sofrendo os piores tipos de morte, e sempre ressuscita; a analogia com Jesus Cristo, que se sacrificou para salvar a humanidade de seus pecados, é bem evidente. Morrison faz um paralelo sutil entre a realidade do mundo animado do Coiote e a nossa realidade quando vemos o destino da moça apresentada no inicio da história, e a sanha assassina que move o caminhoneiro, que culpa o Coiote por suas desventuras. Assim como no mundo dos desenhos, a principal força que move o nosso mundo é a violência.

O Coiote

No epílogo de O Evangelho Segundo o Coiote temos um vislumbre de uma mão segurando um pincel pintando o sangue do Coiote, enquanto o Homem Animal observa a cena silenciosamente. Com isso já podemos perceber que Grant Morrison pretende extrapolar a barreira que separa o leitor de suas histórias, o mundo dos quadrinhos do mundo real, o Homem Animal do seu "Criador". De fato, toda a trama construída desde O Evangelho Segundo o Coiote culmina no inusitado encontro entre criatura e criador, que acontece apenas na edição 26, mas é justamente o caminho que o autor usa para chegar até este clímax (ou anticlímax, para alguns), é que causa tantos problemas.

Quem já leu as histórias de Morrison está acostumado com seu estilo narrativo nem um pouco convencional. Muitas vezes, após terminar de ler uma história escrita pelo escocês, não é incomum que o leitor fique sem entender nada, como se tivesse deixado alguma informação crucial para trás. Os roteiros de Morrison costumam ser bastante complexos - complexos até demais -, ele não entrega nada "mastigadinho": muitas vezes é preciso reler tudo para começar a entender. Para piorar, seus roteiros geralmente não são lineares, ou seja, você se depara com alguma cena completamente fora de contexto, que só fará sentido algumas edições à frente.

Assim, conforme as edições vão passando, vemos pouco a pouco as peças do quebra cabeças se unindo, e todos os eventos aparentemente desconexos que foram apresentados conduzem o Homem Animal até a pior e mais dramática experiência já vivida pelo personagem. Diante da catástrofe que se abate sobre o herói, o vemos em uma busca enlouquecida por vingança, e depois, quando ele percebe que esta não tem sabor qualquer, por respostas. Morrison destrincha ainda mais suas habilidades metalinguísticas quando nos apresenta o Limbo, o mundo para onde vão os personagens descartados, e quando vemos os personagens apagados da linha do tempo da DC Comics com a Crise tentando voltar à existência. A cena mais emblemática deste momento é quando vemos as várias versões do Asilo Arkham sobrepondo-se umas às outras. Não é coincidência que tal evento ocorra justamente nas dependências do famoso sanatório das histórias do Batman, um local onde as fronteiras entre o real e do imaginário se confundem, e que foi o palco de outra obra elogiadíssima de Grant Morrison: Asilo Arkham - Uma Séria Casa em um Sério Mundo.

O Homem Animal Encontra seu "Criador" 

O tão aguardado encontro entre o Homem Animal e Grant Morrison é chocante. Eu mesmo só vi outro autor fazer coisa semelhante: Stephen King, que colocou a si mesmo como personagem de sua famosa saga A Torre Negra. Assim como nesta obra, o autor executa um Deus Ex Machina para interferir e mudar o destino de seus personagens. O encontro do Homem Animal com seu roteirista é exatamente o que imaginamos que seria o nosso com nosso Criador. Ele obtém finalmente as respostas que tanto queria para a loucura que tem sido sua vida, embora essas respostas não sejam as que ele imaginava. É impossível não fazer uma analogia ente o que acontece em Homem Animal 26 e nossas próprias vidas: será que nós somos apenas personagens em uma história? Seriam nossas tragédias apenas um forma de entretenimento para seres superiores? Existe realmente o livre arbítrio, ou todas as nossas ações já foram pré-determinadas por nosso Criador? O autor ainda aproveita para fazer uma crítica ao gosto das pessoas por violência como forma de entretenimento, usando o próprio título do Homem Animal como exemplo, no qual ele utilizara cenas de violência para atrair o leitor, sem as quais ninguém jamais se interessaria pelos temas mais importantes abordados por ele, como a causa dos animais.

Independentemente do gosto pelos roteiros de Grant Morrison, que, assim como uva passas, ou você ama ou você odeia, é inegável seu talento como escritor, e a profundidade de seus enredos, por mais impenetráveis que eles possam ser. Contudo, eu não poderia finalizar esta resenha sem falar da arte que permeia as páginas de Homem Animal. Por quase todas as edições os desenhos ficaram a cargo dos artistas Chas Truog e Doug Hazlewood, e eles desempenharam este papel com absoluta competência. Seus desenhos são limpos e agradáveis de se olhar, e justamente a regularidade dos artistas ao longo das 26 edições colaborou para o sucesso desta obra. Por fim, as belíssimas capas são assinadas por ninguém menos que Brian Bolland, de Batman: A Piada Mortal e Camelot 3000. Aqui no Brasil Homem Animal 1-26 foi publicada pela Panini Comics em três encadernados em capa cartão e papel LWC. Boa leitura!

Capa de O Evangelho Segundo o Coiote

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

[RESENHA] A Roda do Tempo, Livro 1: O Olho do Mundo



A Roda do Tempo é uma série literária escrita pelo autor norte americano Robert Jordan (1948-2007), composta por 14 livros, publicados ao longo de mais de 20 anos, mais uma prequel. Tal como O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, e as Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, A Roda do Tempo é um épico do gênero da alta fantasia, no qual os eventos da trama se passam em um universo fictício, povoado por uma numerosa gama de seres fantásticos, cada qual com sua cultura, história e idioma próprios. Jordan também se inspirou em elementos de diversas religiões, como o Cristianismo e o Hinduísmo, para estabelecer as bases de seu universo, além de recorrer ao monomito de Joseph Campbell como estrutura narrativa para a história do protagonista Rand al'Thor.

Como acontece com diversas sagas, sejam elas de fantasia ou ficção científica, que se estendem por muitos anos, tomando grande parte da vida de seu criador, A Roda do Tempo correu o risco de ficar inacabada quando Robert Jordan faleceu, vítima de uma doença cardíaca, antes da publicação do 12º livro da série. Para alívio dos fãs a obra foi terminada por Brandon Sanderson (autor da trilogia Mistborn), apontado pela própria viúva de Jordan como o mais capacitado para levar a cabo esta grande missão, utilizando-se como base as anotações de Jordan.

A Roda do Tempo intimida os leitores iniciantes por vários motivos. O primeiro deles é o tamanho da obra, que, como já mencionei, é composta por 14 livros, o que não seria um problema tão grande se eles não tivessem mais de 500 páginas cada um, com alguns beirando as mil páginas. O que faz com que os livros sejam tão extensos é o nível de detalhamento que Jordan impõe ao enredo, descrevendo à exaustão cada detalhe dos vários e peculiares lugares percorridos pelos personagens, da aparência das pessoas e criaturas que eles encontram, bem como das roupas que estão vestindo, e até mesmo de cada refeição feita por eles. De certa forma isso enriquece a leitura, mas por outro lado pode cansar o leitor mais casual que quer apenas se divertir com uma aventura que não precise consumir diversas horas só para atravessar um capítulo do livro. Por fim, outro aspecto da obra, pelo menos no primeiro livro, que pode afastar novos leitores é a sensação de deja vu que se tem ao ler alguns trechos, uma vez que muito do que é mostrado já foi abordado em outras obras de fantasia. A Jornada do Herói pode ser claramente identificada na aventura de Rand al'Thor: o jovem pastor que vive tranquilamente em um vilarejo isolado e pacato precisa deixar a paz da sua vila para entrar em uma aventura na qual irá passar pelas mais difíceis agruras, da qual depende o destino de todo o mundo. Aqui está presente a figura o Escolhido, tão presente na literatura moderna, indo desde o rei Arthur Pendragon até Bilbo e Frodo Bolseiro, Harry Potter e Neo (Matrix). Em todos esses casos, o Escolhido conta com a ajuda de um poderoso e sábio mentor, que irá ajudá-lo a superar seus medos e ensiná-lo a usar o poder que ele está destinado a possuir para derrotar a figura do Mal.

Em O Olho do Mundo, porta de entrada para o universo de A Roda do Tempo, o Escolhido é Rand - o Dragão Renascido -, alguém que pode tanto salvar o mundo como levá-lo à ruína. A responsável por guiá-lo em sua jornada é Moiraine, uma mulher que pertence à ordem das Aes Sedai, que são mulheres capazes de canalizar o Poder Único, a manifestação da magia no universo de Jordan. Ela e seu Guardião Lan precisam escoltar Rand e seus amigos Mat e Perrin - além das jovens Egwene e Ninaeve e o menestrel Thom Merrilin - da aldeia de Campo de Emond até a cidade de Tar Valon, sede da ordem das Aes Sedai, pois eles estão sendo caçados por criaturas maléficas enviadas pelo principal antagonista da série, Ba'alzamon, também conhecido como o Tenebroso ou Sh'aytan. Esta primeira parte do livro possui praticamente a mesma estrutura narrativa de A Sociedade do Anel: os jovens de Campo de Emond podem ser comparados aos hobbits do Condado (em ambos os casos, inclusive, eles cultivam e comercializam uma erva usada para fumo); Moiraine encarna a figura de Gandanf; e Lan, assim como sua contraparte Aragorn, é o herdeiro de um reino que optou por viver como um guerreiro solitário. Eles estão a todo tempo fugindo de Trollocs, criaturas bestiais lideradas pelos Myrdraal, cavaleiros encapuzados vestidos de preto que instilam o pavor em suas presas (qualquer semelhança com os Nazgul não é mera coincidência).

Após a separação do grupo em Shadar Logoth a trama diverge da estrutura de O Senhor dos Anéis, e é a partir daí que para mim a história começa a ficar mais interessante, com destaque para as aventuras vividas por Perrin e Egwene com os Latoreiros, os fanáticos religiosos Mantos Brancos, e o Amigo dos Lobos Elyas. Dentre os viajantes de Campo de Emond Perrin é o personagem mais bem desenvolvido neste livro, principalmente após ele descobrir suas recém adquiridas habilidades. Ao contrário de Perrin, durante praticamente todo o livro Rand permanece da mesma forma, recusando-se a aceitar sua verdadeira origem e acrescentando muito pouco à história, de modo que chega a ser estranho que os outros o enxerguem como uma espécie de líder. Mat, que surge como um alívio cômico no começo da história, após Shadar Logoth se torna um companeheiro de viagem insuportável e ranzinza, embora haja um motivo para isso, mas também, pelo menos neste livro, não acrescenta muito. Com isso, o protagonismo acaba recaindo sobre Moiraine, a qual não tem pudor em utilizar seu vasto arsenal mágico contra os adversários que os perseguem, e é a responsável pelas cenas mais empolgantes do livro. Ao contrário de outras obras de fantasia, nas quais a magia é quase sempre empregada como um último recurso e muitas vezes de maneira velada, em O Olho do Mundo seu uso é liberado, não sendo poucas as vezes em que nos sentimos estar dentro de um jogo de RPG.

Para explicar a magia de seu universo Jordan utiliza de forma inteligente a metalinguagem, como no caso da própria Roda do Tempo que dá nome à série, e a forma como ela tece o Padrão das Eras. Outro exemplo é a divisão do Poder Único em saidin e saidar, suas metades masculina e feminina, respectivamente. Cada sexo possui mais familiaridade com um tipo de poder do que outro; por exemplo: enquanto homens são mais hábeis com fogo e terra, mulheres controlam melhor a água e o ar, e isso tem muito a ver com a diferença entre ambos. Normalmente, homens são mais violentos e sedentos por poder do que as mulheres, enquanto estas últimas são moldadas desde cedo para o cuidado e a cura. No entanto, não existem mais Aes Sedai homens, e os poucos que aparecem são caçados pelas Aes Sedai mulheres, devido à loucura que lhes acomete. Esta loucura advém da mácula que Ba'alzamon colocou na metade masculina do Poder Único. Isso enfraqueceu muito as Aes Sedai, pois as grandes obras mágicas, como é o caso do Olho do Mundo, precisam ser feitas com saidin e saidar juntas.

Conforme a história vai se aproximando de sua conclusão, dá para perceber claramente que a trama começa a ficar mais corrida, como se o autor tivesse percebido que enrolara demais ou tenha ficado cansado de escrever, de modo que alguns acontecimentos acabam carecendo de mais explicações, como é o caso do objeto que dá nome ao livro. Confesso que quando terminei de ler os três últimos capítulos minha primeira reação foi: "Tá, mas o que era esse tal Olho do Mundo afinal de contas, e por que era tão importante para dar nome ao livro, se o autor só gastou algumas poucas linhas para falar sobre ele?" Só depois de ler novamente a parte final do livro que entendi o que aconteceu a Rand no Olho do Mundo, embora a explicação tenha ficado implícita.

Embora sejam claras as inspirações em outras obras de fantasia e o velho apego ao maniqueísmo que dominou as obras literárias do século XX, A Roda do Tempo ainda é, por si só, uma grande representante do gênero da fantasia, tendo acrescentado, em igual medida, muita coisa nova e interessante para o gênero. O primeiro livro deixa muito em aberto, e muitas possibilidades a serem exploradas, principalmente devido aos três artefatos encontrados no Olho do Mundo, os quais, com certeza, serão abordados nas próximas edições. A Roda do Tempo está sendo publicada aqui no Brasil pela Editora Intrínseca, e até a data desta presente postagem encontra-se no quinto volume. Boa Leitura!

sábado, 3 de dezembro de 2016

Séries Vertiginosas: Fringe



Após a decepção com a season finale de Lost, confesso que fiquei com um pé atrás quando foi anunciada a nova produção de J. J. Abrams: Fringe. No entanto, carente como estava de uma boa série de ficção científica, resolvi arriscar, e numa tarde despretensiosa assisti ao episódio piloto. A partir de então só parei no último episódio, em 2013, após 6 temporadas e exatos 100 episódios.

Criada por J. J. Abrams em parceira com Alex Kurtzman e Roberto Orci, e exibida na terra do Tio Sam pela Fox (aqui no Brasil ela foi ao ar pelo canal pago Warner Channel), Fringe começou como uma típica série estilo procedural, aquele em que os personagens principais têm que resolver o famoso caso da semana. Bons exemplos deste tipo de série são as de investigação criminal, tais como CSI, NCIS ou Criminal Minds. A diferença é que os casos semanais de Fringe não eram nem um pouco convencionais. Imagine um terrorista que ataca um avião com um vírus capaz de fazer com que a pele de uma pessoa fique translúcida, além de derreter todos os seus órgãos vitais; ou uma substância que, quando aplicada em uma mulher grávida, faz com que o bebê em seu útero cresça a uma velocidade espantosa, até que, em poucas horas, ele seja um velho de mais de 100 anos de idade. São estes tipos de bizarrice que a equipe liderada pela agente Olivia Dunham (Anna Torv) precisam lidar todos os dias. Conforme você vai assistindo a série, logo perceberá que a maioria dos episódios sempre começa com alguém morrendo de uma forma estranha ou nojenta, a segunda opção ocorrendo de forma mais frequente.

A inspiração em obras como Arquivo X e a própria Lost se faz claramente presente; Fringe parece uma fusão perfeita entre ambas, unindo o lado policial e investigativo da primeira às conspirações e mistérios da segunda. A instigante abertura já indicava quais temas seriam abordados: nanotecnologia, inteligência artificial, animação suspensa, neurociência, hipnose, singularidades, buracos de minhoca. Tudo parte da chamada "Ciência de Borda", a qual engloba teorias que se situam na fronteira entre a ciência e a ficção, entre o real e o fantasioso. Daí o nome da série, já que Fringe em inglês significa borda ou fronteira.

Olivia Dunham

A série acompanha o dia a dia da Divisão Fringe, um ramo do FBI liderado pelo agente Phillip Broyles (Lance Reddick) que investiga estranhos casos que ele classifica como o "Padrão". Nas palavras do próprio Broyles: "alguém está fazendo experiências e usando o mundo como laboratório". A principal agente desta estranha divisão é Olivia Dunham, uma policial obcecada pelo trabalho, pouco vaidosa e com vida social praticamente inexistente. Para resolver os estranhos casos do Padrão ela conta com a ajuda de Walter Bishop, um cientista com transtornos mentais que trabalhou em projetos não convencionais para o governo dos EUA durante a Guerra Fria; e seu filho, Peter Bishop (Joshua Jackson), um jovem inteligente, porém cheio de segredos.

Walter é interpretado pelo brilhante John Noble, famoso pelo seu papel na trilogia O Senhor dos Anéis - onde ele foi Denethor. Ele é dono de uma voz incomparável, a qual é sua marca registrada, e é responsável pela maioria dos alívios cômicos da série. Mas não se engane pensando que seu papel é superficial ou meramente de um coadjuvante; o relacionamento entre os Bishops confere um grande peso dramático à série, sendo um dos principais pilares que sustentam a trama principal. Na verdade, se é que dá para definir um tema principal para esta série, é a questão da paternidade, do amor que um pai sente por um filho e das coisas que ele é capaz de fazer para salvá-lo, nem que isso signifique destruir um Universo inteiro.

Walter e Peter Bishop

Ao longo das duas primeiras temporadas Fringe foi construindo sua própria mitologia, até que a partir de meados da terceira temporada ela começou a abandonar os casos semanais para focar mais nos eventos da história principal. A partir da revelação do aterrador segredo de Walter a série toma um outro rumo, mergulhando de vez no universo Sci Fi. 

Inspirando-se diretamente em obras dos quadrinhos como a Crise nas Infinitas Terras, a série introduziu na TV o conceito dos universos paralelos e dos doppelgangers (sósias de outra dimensão), usados largamente hoje em The Flash e de certa forma em Stranger Things. E as semelhanças com a recente série da Netflix não param por aí: foi em Fringe que vi pela primeira vez os experimentos em tanques de privação, e o uso de substância psicotrópicas em crianças para lhes conferir poderes telecinéticos. Outra ideia interessante dos criadores, e que foi muito bem desenvolvida, foram os transmorfos (shapeshifters), seres híbridos humano/máquina capazes de assumir a forma de outras pessoas (como a Mística dos X-Men). A tese da viagem no tempo também não fica de fora (afinal estamos falando de uma série de ficção científica aqui), ficando a cargo dos misteriosos Observadores, claramente inspirados nos Eternos do livro O Fim da Eternidade, de Isaac Asimov. A série também aborda a teoria dos Primeiros Homens (First People) e da Máquina do Juízo Final (Vacuum), que é um dos maiores mistérios da trama, e que possui uma solução bastante simples e inteligente.

Setembro, um dos Observadores

O que não falta em Fringe são referências à cultura pop moderna, desde menções a personagens dos quadrinhos, filmes e artistas da música, até a participação de verdadeiros ícones da ficção cietífica, como Christopher Lloyd - o Dr. Brown de De Volta para o Futuro e Leonard Nimoy - o eterno Spock da série Star Trek. Também é possível encontrar dezenas de easter eggs escondidos pela série, como quando vemos no universo paralelo dois Observadores deixando um cinema, onde estava em cartaz o filme De Volta para o Futuro, estrelado por Eric Stoltz. Stoltz havia sido escalado para interpretar Marty McFly, antes de ser substituído por Michael J. Fox. Aparentemente no outro Universo isso não aconteceu!

Uma outra característica marcante da série é a sua abertura. Na sequência inicial aparecem os nomes das ciências de borda que a série abordará, alternando-se com um conjunto de símbolos (glifos). Estes mesmos símbolos aparecem nos intervalos e ao final de cada episódio, e juntos eles possuem um significado específico que remete à trama abordada no episódio. Estes símbolos podem ser resolvidos usando-se esta tabela. A cor do pano de fundo também tem um importante significado: ela indica em qual universo se passará o episódio (azul para o universo original, vernelho para o alternativo), bem como a época em que ele se passa, como no caso do episódio "Peter" (S02E16), que se passa em 1985. Neste episódio a abertura foi produzida num estilo retrô, remetendo aos anos 80, com direito até aos famosos sintetizadores de som da época. No vídeo abaixo é possível ver todas as aberturas.




A quinta e última temporada de Fringe difere totalmente das outras, e é uma ode à própria mitologia da série. Ela se passa em um futuro distópico, onde os seres humanos vivem oprimidos sob o jugo dos Observadores, e Olivia, Peter e Walter são tratados como verdadeiras lendas. Eles são trazidos de volta à vida por um grupo de rebeldes liderados pela jovem Etta, que é nada mais nada menos do que a filha de Peter e Olivia. Juntos, eles precisam encontrar as várias partes de um elaborado plano que Walter elaborou no passado para destruir os Observadores.

Esta temporada pode ser considerada quase que uma série à parte; como trata apenas da trama principal, não tendo muita encheção de linguiça, é uma temporada curta, com apenas 13 episódios. O dilema moral que Walter enfrentou nas temporadas anteriores passa para Peter, que tem de lidar com a questão da paternidade e da perda. A questão das ciências de borda é aplicada aqui sob outra perspectiva: agora já bastante experientes, os personagens principais utilizarão todas as tecnologias bizarras com as quais lidaram anteriormente em sua batalha contra os Observadores.



Recomendo fortemente esta série para aqueles apaixonados por ficção científica de verdade, aos que acreditam que a ciência e o conhecimento não têm fronteiras, e que a única forma de atravessar esta fronteira é através da experimentação, da coragem de sair da teoria para a prática. Gostaria de poder falar mais sobre Fringe, mas a única forma de saber mais obre este maravilhoso universo é assistindo série, pois deixei muita coisa de fora; para falar sobre tudo seria preciso escrever um livro!

Infelizmente, neste universo a Netflix anda não colocou Fringe em seu catálogo; assim, se você não tiver como viajar para um universo alternativo, só resta vasculhar pela Grande Rede em busca dos episódios. Não posso disponibilizá-los aqui, mas posso dar uma dica de onde achá-los. Este mistério, caro leitor, eu deixo para você desvendar.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Minhas Coleções - Batman Universe: Aliados

A Bat-família

Quem me conhece sabe que eu sou aficionado por miniaturas de super heróis, e que coleciono um número razoavelmente grande delas. Dentre as minhas miniaturas, há aquelas que ocupam lugar de destaque, devido à importância que elas têm para mim, como fã. É claro que, se eu pudesse, e isso quer dizer: se eu tivesse espaço suficiente(!), exibiria todas as minhas miniaturas, bonecos, carrinhos e naves. Contudo, como ainda não alcancei este objetivo - e a cada dia que passa para concretizá-lo eu praticamente precisarei inaugurar um museu - só posso tirar algumas da caixa por vez.

Mas essa regra não se aplica às miniaturas sobre as quais vou falar nesta postagem; pois estas estão sempre em exibição. E por que elas ocupam um lugar tão especial na minha coleção? Porque elas são, na verdade, uma coleção à parte; são o motivo pelo qual eu assinei esta coleção, são as miniaturas que integram o Universo do Batman!

Como eu já mencionei, estas miniaturas constituem uma coleção dentro da coleção, já que elas têm em comum o fato de serem personagens que integram o vasto universo do Morcego. Só a Galeria de Vilões do Batman tem provavelmente umas 20 miniaturas, e olha que vários vilões ficaram de fora! Tanto que eu tive que dividir esta postagem em duas para falar de todas as miniaturas do Batverse.

Nesta primeira postagem, irei falar sobre os aliados do Batman, aqueles considerados sua Batfamília. Tais personagens dividem os fãs: há aqueles, como eu, que preferem as histórias solo do Morcegão, onde ele atua sozinho, sem ninguém para atrapalhá-lo ajudá-lo em suas missões. É nessas histórias que ele aparece mais soturno, violento, do jeito que ele foi concebido. Porém há aqueles que acham que a vida do Batman precisa de um pouco de cor, que ele não precisa fazer tudo sozinho, que sua violência precisa ser equilibrada por um fator "emocional". Daí surgiu a ideia de inserir novos personagens para auxiliar o Batman no combate ao crime, com os quais ele viria a desenvolver laços afetivos, paternais ou amorosos. O primeiro a integrar a Batfamília, é óbvio, foi o menino prodígio, o Robin. Mas depois os autores julgaram necessário que houvesse uma figura feminina, e então criaram a Batgirl e a Batwoman. Sem contar a Mulher Gato, que ora aparece como vilã, ora como aliada, e um potencial interesse amoroso do Cruzado de Capa.

Batman On The Roof

A coleção de miniaturas DC conta com 3 edições do Batman: a primeira, com o herói sozinho na pose clássica se ocultando com a capa; uma do Homem Morcego em sua bat-moto; e por fim ele sobre um telhado com uma gárgula, que é a que eu irei mostrar aqui nesta postagem. As duas últimas que eu citei fazem parte das edições especiais, porém a que ele está na motocicleta eu não tenho.

Como podem ver, esta miniatura em que ele está sobre o telhado é bastante emblemática. É uma miniatura grande e com bastante detalhes, mas é lamentável a baixa qualidade da pintura e algumas falhas na montagem da estatueta, o que não é algo fora do comum nos produtos da Eaglemoss, pelo menos aqui no Brasil.

Alguns destes problemas eu consegui ajeitar, usando minhas brilhantes técnicas de pintura; porém acho que realmente dei mole, devia ter feito logo e uma reclamação e pedido a troca imediata, como fiz em outras ocasiões. Dei qualquer jeito, acho que fiz um bom trabalho e esta miniatura consegue representar bem o Homem Morcego dentro da minha coleção.

Robin (Tim Drake)

O Robin que a Eaglemoss tomou como modelo para esta miniatura é o Tim Drake, o terceiro a assumir a identidade do famoso sidequick do Batman. Particularmente eu gosto desa versão do uniforme do menino prodígio, com o uniforme todo vermelho e com detalhes em preto e amarelo. No entanto, acho que a coleção ficaria mais "canônica" se tivessem optado pelo traje original, mas isso é apenas um detalhe. Também ficou muito interessante o bastão removível do Robin, que nesta miniatura é uma peça removível, caso contrário, haveria grande probabilidade de que ele quebraria durante o transporte da miniatura na caixa.

Asa Noturna

O Asa Noturna não poderia ficar de fora desta coleção. Quando se tornou adulto, Dick Grayson - o primeiro Robin - decidiu que era hora de sair da sombra do Morcego e passar a trilhar uma carreira solo. Ele se tornou o Asa Noturna, nome oriundo de um velho combatente do crime do planeta natal do Superman, Krypton. Um fato interessante foi que Dick se livrou da capa, passando a usar um uniforme mais tático. Só que o uniforme do Asa Noturna nem sempre foi este que a Eaglemoss se baseou em sua miniatura; as primeiras versões eram muito, mas muto toscas, até ele mudar para esta versão, que, na minha opinião, é a melhor. Pode-se reparar que ele está portando seus famosos bastões curtos, que são suas principais armas. Também tive que fazer alguns retoques nessa miniatura; não por apresentar algum defeito na pintura, mas porque o tom de azul original era muito escuro, e quase não se discernia os detalhes em azul no seu uniforme. Por isso, apliquei um tom mais parecido com os dos quadrinhos, e achei que o serviço não ficou de todo ruim.

Batgirl (Barbara Gordon)

Barbara Gordon é a filha adotiva do Comissário Gordon e também uma combatente do crime nas horas vagas, usando a alcunha de Batgirl. Ela também tem um forte laço com o primeiro Robin, Dick Grayson, ao lado do qual costumava sair para prender criminosos, até o fatídico dia em que o Coringa a baleou e condenou-a a precisar de uma cadeira de rodas para se locomover. Isso foi o fim de sua carreira como Batgirl e o início de sua fase como a Oráculo. Esta miniatura está bastante fiel à personagem, tirando só o detalhe de ela parecer ter escoliose, de tão inclinada que ficou sua coluna. Tirando esse detalhe, é a uma miniatura bastante bonita.

Mulher Gato

Selina Kyle é a Mulher Gato, uma habilidosa ladra que veste um uniforme baseado nos seus animais favoritos: os gatos. Assim como esses adoráveis bichanos, seu corpo é capaz de fazer as mais impossíveis acrobacias para realizar seus roubos e também fugir, além de possuir garras muito afiadas no caso de precisar contra-atacar. Inicialmente uma vilã, seu senso de moral é muito volúvel, e não são poucas as ocasiões em que ela passa para o lado do Batman, só para depois decepcioná-lo ao voltar para o crime. Selina é o mais perto que o Batman já chegou de ter uma relação realmente amorosa, ao ponto dele chegar a revelar sua verdadeira identidade para ela.

A miniatura da mulher gato está bastante fiel aos quadrinhos, inclusive no detalhe dos olhos verdes. A Eaglemoss optou por retratá-la usando o famoso traje de látex brilhante, ao invés do uniforme clássico roxo, que eu acho horrível. Ela está portando seu inseparável chicote, que é seu acessório mais clássico.

Azrael

Azrael é um personagem fruto dos anos 90. Foi criado antes da mega saga A Queda do Morcego, e sua verdadeira identidade é Jean-Paul Valley. Azrael é um assassino da Ordem de São Dumas, e sofreu lavagem cerebral dos fanáticos religiosos da ordem para obter as habilidades necessárias para o trabalho. Após uma rusga com o Cruzado de Capa, Azrael passou para o lado do bem, e chegou até a assumir o Manto do Morcego quando Bruce Wayne teve a coluna fraturada por Bane, mas a experiência não deu muito certo (nem para ele, nem para os fãs). Quanto à miniatura que o representa, não tenho muito o que falar sobre ela, a não ser o fato de que está bastante bem feita.

Capuz Vermelho

Nenhuma morte nos quadrinhos é definitiva, e cedo ou tarde algum personagem morto acaba voltando miraculosamente à vida. Foi o caso de Jason Todd, o segundo a ocupar o posto de Robin. Ele foi assassinado pelo Coringa na minissérie Uma Morte em Família, e após algumas décadas no limbo retornou após os eventos de Crise Infinita. Mas ele voltou mudado, e iniciou uma cruzada criminosa ao assumir a alcunha de Capuz Vermelho. Ele declarou guerra aos chefões do crime de Gotham, em especial o Máscara Negra. Mas ele não era totalmente mal: sua visão de bem é que era um tanto quanto distorcida. De certa forma, ele se via como um combatente do crime ao eliminar seus rivais e manter sob rédeas curtas os que sobraram, além de proibir que drogas fossem vendidas a crianças. É claro que suas ações o colocaram em rota de colisão com seu antigo mentor, e não demorou muito para que se enfrentassem. Com o tempo, Jason passou para o lado dos mocinhos, mas sempre como um anti-herói, assim como a Mulher Gato.

A miniatura do Capuz Vermelho está bem bacana e fiel ao personagem. Ele foi representado usando suas duas pistolas automáticas, mostrando que ele não está para brincadeira.

Caçadora

Helena Bartinelli é outra personagem que teve bastante dificuldade para se integrar à bat-família, pois, assim como o Capuz Vermelho, ela não levava muita fé na regra sagrada de não matar instituída por Batman. Apesar de ser filha de um mafioso, o objetivo de Helena é destruir o crime organizado em Gotham City. Para isso ela se vestiu como a Caçadora e utilizou o treinamento que recebeu de seu tio para combater o crime.

A miniatura da Caçadora está muito bem feita e fiel, retratado-a com o uniforme novo que ela recebeu durante a saga Silêncio, empunhando suas principais armas, duas bestas. Esta é, sem dúvida, uma das miniaturas mais bonitas da coleção e uma de minhas preferidas.


Batgirl (Cassandra Cain)
Cassandra Cain é uma verdadeira arma viva; filha de dois dos maiores assassinos do Universo DC - Lady Shiva e David Cain - desde criança foi treinada em artes marciais, porém durante os eventos catastróficos da megassaga Terra de Ninguém ela se tornou pupila do Batman e assumiu a identidade da Batgirl, usando o uniforme que pode ser observado na miniatura acima. Interessante ressaltar que a primeira pessoa que usou este uniforme foi a Caçadora, mas o Batman não permitiu que ela fosse a Batgirl por não a considerar digna. Esta miniatura está bem legal também, com destaque para a pose que ela faz, com o batarangue em uma das mãos enquanto segura a enorme capa com a outra. O capuz totalmente fechado também passa um aspecto bem sombrio a ela. 

Batwoman
Uma personagem da era pré-crise, recentemente a Batwoman retornou ao universo do Morcego agora com a identidade de Kate Kane, uma filha de militares que perdeu a mãe e a irmã gêmea durante um ataque. Ela foi expulsa do exército por ser gay, e foi treinada pelo próprio pai para se tornar uma combatente do crime. Moradora de Gotham, era óbvio que ela herdaria o manto do morcego. Na versão pós-Flashpoint Kate Kane é parente da mãe de Bruce Wayne, portanto seria uma prima do Homem Morcego. 

Tive bastante problemas com essa miniatura, pois quando a recebi vi que ela veio com vários defeitos, mas desta vez não dei mole e logo pedi a troca! Esta miniatura está lá na rabeira da coleção, e é possível perceber que as últimas receberam um tratamento mais desleixado pela editora com relação à qualidade do material e ao próprio molde em si. Mas até que essa não é uma das piores. Ela retrata a Batwoman com sua capa esvoaçando, e a tinta preta brilhante emula com sucesso o látex preto do uniforme da moça, e sua pele extremamente pálida também é retratada fielmente. Só o batarangues que deixam a desejar, parecendo qualquer coisa disforme, menos uma lâmina afiada.

Os Aliados do Batman

Então é isso, pessoal. Espero que tenham gostado. Na próxima postagem mostrarei minhas miniaturas dos vilões do Batman, só não decidi que se farei isso em uma ou duas postagens, pois, como já havia dito, a galeria de vilões do Cavaleiro das Trevas é muito extensa. Para quem se interessou, ainda dá tempo de adquirir várias dessas miniaturas, através do site da Eaglemoss, Até a próxima! 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

[RESENHA] John Constantine, Hellblazer - Origens Volume 5: Histórias Raras




Histórias Raras introduz uma pausa na história principal que o roteirista Jamie Delano vinha tecendo desde a edição 1 da revista solo do mago mais trambiqueiro da Vertigo; após a inédita (no Brasil) edição anual de Hellblazer e o primeiro capítulo da próxima grande saga de Constantine - O Homem de Família -, Delano tira uma breve folga  para reorganizar as ideias e é substituído temporariamente por ninguém menos do que Neil Gaiman (Sandman) e Grant Morrison (Homem Animal), dois gênios das HQs que dispensam apresentações. Os artistas que participam desta sobra são David Lloyd, Ron Tiner, Bryan Talbot e Dave McKean, que ilustra a edição roteirizada por Neil Gaiman. Para quem não sabe, Dave McKean é o artista por trás das capas de Hellblazer e Sandman, e também trabalhou com Morrison ilustrando a famosa Graphic Novel do Batman Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo.
 
Hellblazer Anual 1 nos mostra Constantine saindo do sanatório Ravenscar e voltando para a velha Londres, onde tem um encontro com uma misteriosa mulher de cabelos negros. É importante reparar que Ravenscar, mais precisamente o local onde o hospício foi construído, está profundamente ligado a Constantine e à história de sua família, como nos mostra o conto O Santo Sanguinolento. Nele conhecemos um antigo ancestral do mago: Kon-Sten-Tyn, que foi pupilo de Merlin e substituto de Arthur Pendragon como rei da Dumonia (no século XI a Inglaterra ainda não era um único país, sendo dividida em vários reinos). Ravenscar era sua Camelot, e a vida de Kon-Sten-Tyn foi marcada pela longa batalha entre o paganismo e o cristianismo. Seu ódio pelos cristãos era tamanho que ele chegou a oferecer a vida de dois filhos para a Deusa (pelas descrições pode-se supor que a divindade adorada por Kon-Sten-Tyn era a deusa neopagã Ceridwen) a fim de obter mais tempo de vida para se dedicar a esta causa.

Em determinado momento Merlin diz uma frase que resume bem a vida de Kon-Sten-Tyn: “Ravenscar não passa de uma toca inútil, um covil cercado que oferece abrigo vão às bestas do anacronismo. (...) O seu reinado chegou com cinco séculos de atraso.” Kon-Sten-Tyn estava lutando inutilmente contra um poder o qual ele não poderia jamais vencer; ele não percebia que o mundo estava mudando e que, para não ser engolido pelo esquecimento, precisava se adaptar. Este é um conceito interessante, pois pode ser aplicado em diversas situações da vida humana. Muitas pessoas ficam presas às regras e costumes de determinada época, e suas mentes não evoluem junto com o mundo, de modo que não percebem as mudanças pelas quais ele passou.

Assim como o distante ancestral, Constantine também tem sua dose de anacronismo, que pode ser percebido em seu encontro com Martin Peters, antigo colega músico que atendia pelo nome de Destructo Vermin Gobsmack. Nas décadas de 60-70, Martin havia lutado contra o "sistema" junto com Constantine; mas enquanto o mago permaneceu fiel às suas ideias, Martin agora trabalhava para o governo, apoiando Margareth Tatcher e a guerra contra a Argentina pelas Ilhas Falklands. Este encontro leva à segunda parte deste anual: o videoclipe “Venus in the Hardsell”, ou Vênus do Varejo, como ficou traduzido aqui no Brasil o clipe do maior sucesso da banda punk de Constantine, a Membrana Mucosa.

Por que eu gastaria diversas linhas para falar sobre este clipe quando você mesmo pode assisti-lo, na interpretação da banda britânica Spiderlegs:


A participação de Jamie Delano neste encadernado se encerra com a abertura da saga O Homem de Família, na qual Constantine irá enfrentar um inimigo para o qual ele não está preparado: um homem comum. Comum no sentido de que ele não possui poderes sobrenaturais, embora o Homem de Família não possa ser considerado nem um pouco normal: ele é um serial killer! E não um serial killer qualquer, tampouco; ele é conhecido e reverenciado entre os próprios assassinos, chegando a ser mencionado na HQ Sandman, no arco Casa de Bonecas, onde é retratada uma convenção inédita entre assassinos seriais na qual o Homem de Família seria o convidado de honra.

Neste primeiro capítulo somos apresentados a este cruel e sádico assassino e seu modus operandi: o cara simplesmente gosta de assassinar famílias inteiras, de preferência aquelas aparentemente felizes, do tipo de comercial de margarina. A história parte do ponto em que parou no último volume, quando Constantine vai até a casa de um velho conhecido, Jerry O’Flyn, em busca de dinheiro, mas ele acaba descobrindo uma estranha ligação entre o excêntrico negociante e o Homem de Família, e meio sem querer acaba descobrindo a identidade do serial killer, e isso colocará a sua vida e de sua família em um perigo. No entanto, isto já é assunto para o próximo volume!

Constantine Descobre o Segredo de Jerry

As duas edições seguintes compõem um conto escrito pelo escocês Grant Morrison, no qual o mago visita uma velha amiga do sanatório Ravenscar numa pequena cidade inglesa chamada Thursdyke, onde os moradores resolvem organizar uma festa de Carnaval para esquecer dos problemas financeiros que a cidade vem passando. A história tem como tema principal a instalação de uma base nuclear nas proximidades da cidade, bem como o dilema moral enfrentado por seus habitantes: de um lado os riscos inerentes de se viver tão perto de uma base de mísseis nucleares americanos em solo britânico, de outro o tão esperado desenvolvimento econômico que a base poderia proporcionar para a cidade. Uma parte das habitantes é a favor da base, enquanto que outra é contra, e todas essas tensões afloram durante a tal festa de carnaval, que acaba se transformando em um verdadeiro show de horrores quando um cientista da base resolve testar um novo tipo de armamento: uma arma psíquica. Morrison se aproveita da mesma ideia utilizada por Delano em a Máquina do Medo, embora sua trama seja mais concisa e não se perca em meio a tantas reviravoltas desnecessárias.

Os desenhos pigmentados de David Lloyd casam perfeitamente com o clima da história, e Morrison consegue utilizar com eficiência o potencial da narrativa gráfica para impactar o leitor, fazendo uso de diversos recursos visuais, como as máscaras dos aldeões enlouquecidos (o pai descontente com a dedicação exclusiva da esposa ao bebê utiliza uma máscara grotesca de criança ao assassinar a mulher e o filho) e o mitra usado pelo padre da aldeia em formato de ogiva atômica. As três esferas da base de Flyindales estão sempre referenciadas na história, e podem ser vistas nas bolas de bilhar em uma mesa de sinuca e até nos três globos oculares que um homem arranca de seus cães de estimação usando um garfo. 

A Loucura Atinge os Cidadãos de Thusdyke

Histórias Raras se encerra com uma emocionante história de autoria de Neil Gaiman e desenhada com os traços surreais de Dave McKean, na qual descobrimos que nem todos os fantasmas são malignos; alguns simplesmente querem apenas... um abraço! Como todas as obras de Gaiman para a nona arte, é uma história que transcende o universo dos quadrinhos, possuindo uma elevada carga emocional, pois trata principalmente da forma como o ser humano trata um ao outro. A parte em que o mendigo simplesmente desaparece pois não tem ninguém para aquecê-lo no frio é uma triste metáfora para o isolamento que muitas pessoas se impõem frente à falta de empatia demonstrada pelas pessoas que as cercam, e como isso as faz definhar até o ponto de praticamente "desaparecer".


Um final digno para um excelente encadernado, cujo nível é bastante superior ao de seus antecessores, justamente por contar com as presenças ilustres e de peso de Morrison e Gaiman, que acrescentaram, cada um a sua maneira, uma visão própria a este incrível personagem que é John Constantine. Lembrando que esta obra foi publicada aqui no Brasil pela Panini Books em um encadernado com capa cartão e papel LWC,.

Boa leitura!

Capa do Volume 5