Imagine uma equipe de super-heróis formada por um grande
herói nacional, uma bela e perigosa espiã, um gênio da tecnologia, um cientista
que se transforma em um monstro incontrolável quando está com raiva, e um homem
com um poder incomum e um caráter duvidoso. Se você pensou nos Vingadores, não
poderia estar mais enganado! Estou falando sobre a Liga Extraordinária, criada
pelo mago dos quadrinhos Alan Moore para ser uma espécie de Liga da Justiça da
Era Vitoriana.
Juntamente com o artista Kevin O’Neil, Moore reúne nesta premiada HQ lançada entre os anos 1999 e 2000 pela America’s Best Comics um inusitado grupo de personagens saídos diretamente da literatura fantástica da Inglaterra do século XIX: Allan Quartermain (As Minas do Rei Salomão), Wilhemina Murray (Drácula), Capitão Nemo (As Vinte Mil Léguas Submarinas), Dr. Jackyl/Hyde (O Médico e o Monstro), e Hawley Griffin (O Homem Invisível). Eles são reunidos pelo agente do serviço secreto britânico Campion Bond (ancestral do famoso espião James Bond) a mando de seu chefe, o misterioso Sr. M, para impedir que o criminoso chinês conhecido como Doutor (Fu Manchu) utilize uma revolucionária tecnologia bélica para destruir o Império Britânico.
É impressionante a fidelidade com que Alan Moore
tratou cada um dos personagens, conseguindo realizar a proeza de inseri-los num mesmo universo sem causar estranheza aos leitores de seus livros de origem; o autor demonstra um conhecimento quase enciclopédico acerca de um sem número de obras literárias, das mais famosas e clássicas às mais obscuras, de modo que nos entrega uma Graphic Novel rica em detalhes e repleta de referências. Nem mesmo as datas lhe passam despercebidas: a cronologia dos eventos da HQ segue a mesma linha temporal dos
livros em que se baseia: os eventos de Drácula
e O Homem Invisível se passam em
1897, um ano antes dos eventos de A Liga
Extraordinária. Além disso,
ele emprega vários outros personagens ficcionais como pano de fundo para sua
trama: quando a equipe vai a Paris, encontra-se com o detetive Auguste Dupin,
do famoso conto Os Assassinatos da Rua
Morgue , de Edgar Allan Poe (ele até sugere que Edward Hyde seria o tal
orangotango que teria matado as duas mulheres no conto); e quando os seguimos até o norte de Londres para solucionar o misterioso caso das “concepções
imaculadas” em um instituto correcional para moças, descobrimos que a dona do estabelecimento é a
dominatrix Rosa Coote, que aparece em vários contos sexuais do século XIX, e uma das moças que foram abusadas sexualmente é
Polyanna Whittier, da comédia de Eleanor H. Porter. Estas são apenas algumas referências que eu pude garimpar desta obra, mas há ainda tantas outras que o meu parco conhecimento literário não conseguiu discernir. Sem dúvida, esta HQ é um convite a explorar o magnífico universo dos livros.
O primeiro ato deste volume é empregado para apresentar os
integrantes da liga e estabelecer as relações entre eles, e ver as interações entre personagens tão incomuns é tão
ou mais interessante do que a própria trama em que estão inseridos. Alan Moore utiliza em seu enredo a
mesma fórmula que empregara na premiadíssima Watchmen, mostrando um lado mais
humano – e muito mais sombrio – dos membros do grupo. Um exemplo claro disso é a abordagem que ele faz do famoso explorador colonial Allan Quartermain, considerado o precursor de Indiana Jones. No início da história ele aparece irreconhecível, vivendo em um albergue como um mendigo viciado em ópio, e durante toda a trama acompanhamos a luta do velho herói para se livrar do vício.
A ação segue um ritmo frenético, quase cinematográfico, que é uma característica marcante dos roteiros de Moore. Ele nos conduz através das ruas apertadas do Cairo, passando por Paris, com suas torres de aço e zepelins, até os bairros orientais dominados pelas tríades da velha Londres em plena Revolução Industrial. Tal história, corretamente adaptada, renderia um magnífico filme de ação. Essa ideia não passou despercebida por Hollywood, que se propôs a adaptar a HQ para o cinema, mas conseguiu mais uma vez estragar uma obra já pronta ao tentar americanizar demais a trama (chegando ao ponto de acrescentar um personagem norte-americano à liga) e engarrafa-la dentro dos moldes dos filmes "para a família toda", suprimindo a violência e o viés adulto tão presentes da obra de Moore.
Ao final do segundo ato a trama sofre uma reviravolta quando o verdadeiro vilão é revelado. Não vou dar spoilers sobre sua identidade, apenas que ele vem das histórias do famoso detetive Sherlock Holmes. Inclusive temos um vislumbre de uma das cenas mais icônicas dos livros de Sir Arthur Conan Doyle retratadas neta HQ.
Dizer que o sucesso desta Graphic Novel se deve exclusivamente ao seu roteirista seria no mínimo injusto. Esta obra não seria o que é hoje sem a belíssima contribuição do desenhista Kevin O'Neil, com seus traços exagerados e quase caricatos. Ele consegue retratar com perfeição o universo steampunk concebido por Moore, que pode ser visto na Londres futurista onde o Canal da Mancha é transposto por uma gigantesca ponte ladeada por imponentes esculturas representando o poder e a hegemonia do Império Britânico, ou nas poderosas máquinas voadoras empregadas pelo vilão. Os grandes quadros recheados de detalhes e nuances empregados por O'Neil e onde o colorista Benedict Dimagmaliw nos apresenta um verdadeiro desfile de cores são um espetáculo à parte, e outra característica marcante desta obra prima da nona arte.
Item obrigatório para apreciadores de boas histórias em quadrinhos, A Liga Extraordinária é uma verdadeira aula sobre como fazer histórias de equipes de super-heróis. Quem dera pudéssemos ter mais histórias da Liga da Justiça ou dos Vingadores como esta, menos focadas em espetáculos pirotécnicos cósmicos e personagens extravagantes, e mais propícias a apresentar uma boa trama focada em personagens bem trabalhados e seus problemas internos, sem, contudo, abrir mão da ação e do bom humor.
Esta HQ já foi publicada aqui no Brasil pela Panini Books num encadernado de luxo com 420 páginas recheadas de extras, em capa dura e papel couchê. Boa leitura!
A ação segue um ritmo frenético, quase cinematográfico, que é uma característica marcante dos roteiros de Moore. Ele nos conduz através das ruas apertadas do Cairo, passando por Paris, com suas torres de aço e zepelins, até os bairros orientais dominados pelas tríades da velha Londres em plena Revolução Industrial. Tal história, corretamente adaptada, renderia um magnífico filme de ação. Essa ideia não passou despercebida por Hollywood, que se propôs a adaptar a HQ para o cinema, mas conseguiu mais uma vez estragar uma obra já pronta ao tentar americanizar demais a trama (chegando ao ponto de acrescentar um personagem norte-americano à liga) e engarrafa-la dentro dos moldes dos filmes "para a família toda", suprimindo a violência e o viés adulto tão presentes da obra de Moore.
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A Selvageria de Edward Hyde |
Ao final do segundo ato a trama sofre uma reviravolta quando o verdadeiro vilão é revelado. Não vou dar spoilers sobre sua identidade, apenas que ele vem das histórias do famoso detetive Sherlock Holmes. Inclusive temos um vislumbre de uma das cenas mais icônicas dos livros de Sir Arthur Conan Doyle retratadas neta HQ.
Dizer que o sucesso desta Graphic Novel se deve exclusivamente ao seu roteirista seria no mínimo injusto. Esta obra não seria o que é hoje sem a belíssima contribuição do desenhista Kevin O'Neil, com seus traços exagerados e quase caricatos. Ele consegue retratar com perfeição o universo steampunk concebido por Moore, que pode ser visto na Londres futurista onde o Canal da Mancha é transposto por uma gigantesca ponte ladeada por imponentes esculturas representando o poder e a hegemonia do Império Britânico, ou nas poderosas máquinas voadoras empregadas pelo vilão. Os grandes quadros recheados de detalhes e nuances empregados por O'Neil e onde o colorista Benedict Dimagmaliw nos apresenta um verdadeiro desfile de cores são um espetáculo à parte, e outra característica marcante desta obra prima da nona arte.
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Guerra nos Céus de Londres |
Item obrigatório para apreciadores de boas histórias em quadrinhos, A Liga Extraordinária é uma verdadeira aula sobre como fazer histórias de equipes de super-heróis. Quem dera pudéssemos ter mais histórias da Liga da Justiça ou dos Vingadores como esta, menos focadas em espetáculos pirotécnicos cósmicos e personagens extravagantes, e mais propícias a apresentar uma boa trama focada em personagens bem trabalhados e seus problemas internos, sem, contudo, abrir mão da ação e do bom humor.
Esta HQ já foi publicada aqui no Brasil pela Panini Books num encadernado de luxo com 420 páginas recheadas de extras, em capa dura e papel couchê. Boa leitura!
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Capa de A Liga Extraordinária - Vol. 1 |
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