sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
[RESENHA] A Roda do Tempo, Livro 1: O Olho do Mundo
A Roda do Tempo é uma série literária escrita pelo autor norte americano Robert Jordan (1948-2007), composta por 14 livros, publicados ao longo de mais de 20 anos, mais uma prequel. Tal como O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, e as Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, A Roda do Tempo é um épico do gênero da alta fantasia, no qual os eventos da trama se passam em um universo fictício, povoado por uma numerosa gama de seres fantásticos, cada qual com sua cultura, história e idioma próprios. Jordan também se inspirou em elementos de diversas religiões, como o Cristianismo e o Hinduísmo, para estabelecer as bases de seu universo, além de recorrer ao monomito de Joseph Campbell como estrutura narrativa para a história do protagonista Rand al'Thor.
Como acontece com diversas sagas, sejam elas de fantasia ou ficção científica, que se estendem por muitos anos, tomando grande parte da vida de seu criador, A Roda do Tempo correu o risco de ficar inacabada quando Robert Jordan faleceu, vítima de uma doença cardíaca, antes da publicação do 12º livro da série. Para alívio dos fãs a obra foi terminada por Brandon Sanderson (autor da trilogia Mistborn), apontado pela própria viúva de Jordan como o mais capacitado para levar a cabo esta grande missão, utilizando-se como base as anotações de Jordan.
A Roda do Tempo intimida os leitores iniciantes por vários motivos. O primeiro deles é o tamanho da obra, que, como já mencionei, é composta por 14 livros, o que não seria um problema tão grande se eles não tivessem mais de 500 páginas cada um, com alguns beirando as mil páginas. O que faz com que os livros sejam tão extensos é o nível de detalhamento que Jordan impõe ao enredo, descrevendo à exaustão cada detalhe dos vários e peculiares lugares percorridos pelos personagens, da aparência das pessoas e criaturas que eles encontram, bem como das roupas que estão vestindo, e até mesmo de cada refeição feita por eles. De certa forma isso enriquece a leitura, mas por outro lado pode cansar o leitor mais casual que quer apenas se divertir com uma aventura que não precise consumir diversas horas só para atravessar um capítulo do livro. Por fim, outro aspecto da obra, pelo menos no primeiro livro, que pode afastar novos leitores é a sensação de deja vu que se tem ao ler alguns trechos, uma vez que muito do que é mostrado já foi abordado em outras obras de fantasia. A Jornada do Herói pode ser claramente identificada na aventura de Rand al'Thor: o jovem pastor que vive tranquilamente em um vilarejo isolado e pacato precisa deixar a paz da sua vila para entrar em uma aventura na qual irá passar pelas mais difíceis agruras, da qual depende o destino de todo o mundo. Aqui está presente a figura o Escolhido, tão presente na literatura moderna, indo desde o rei Arthur Pendragon até Bilbo e Frodo Bolseiro, Harry Potter e Neo (Matrix). Em todos esses casos, o Escolhido conta com a ajuda de um poderoso e sábio mentor, que irá ajudá-lo a superar seus medos e ensiná-lo a usar o poder que ele está destinado a possuir para derrotar a figura do Mal.
Em O Olho do Mundo, porta de entrada para o universo de A Roda do Tempo, o Escolhido é Rand - o Dragão Renascido -, alguém que pode tanto salvar o mundo como levá-lo à ruína. A responsável por guiá-lo em sua jornada é Moiraine, uma mulher que pertence à ordem das Aes Sedai, que são mulheres capazes de canalizar o Poder Único, a manifestação da magia no universo de Jordan. Ela e seu Guardião Lan precisam escoltar Rand e seus amigos Mat e Perrin - além das jovens Egwene e Ninaeve e o menestrel Thom Merrilin - da aldeia de Campo de Emond até a cidade de Tar Valon, sede da ordem das Aes Sedai, pois eles estão sendo caçados por criaturas maléficas enviadas pelo principal antagonista da série, Ba'alzamon, também conhecido como o Tenebroso ou Sh'aytan. Esta primeira parte do livro possui praticamente a mesma estrutura narrativa de A Sociedade do Anel: os jovens de Campo de Emond podem ser comparados aos hobbits do Condado (em ambos os casos, inclusive, eles cultivam e comercializam uma erva usada para fumo); Moiraine encarna a figura de Gandanf; e Lan, assim como sua contraparte Aragorn, é o herdeiro de um reino que optou por viver como um guerreiro solitário. Eles estão a todo tempo fugindo de Trollocs, criaturas bestiais lideradas pelos Myrdraal, cavaleiros encapuzados vestidos de preto que instilam o pavor em suas presas (qualquer semelhança com os Nazgul não é mera coincidência).
Após a separação do grupo em Shadar Logoth a trama diverge da estrutura de O Senhor dos Anéis, e é a partir daí que para mim a história começa a ficar mais interessante, com destaque para as aventuras vividas por Perrin e Egwene com os Latoreiros, os fanáticos religiosos Mantos Brancos, e o Amigo dos Lobos Elyas. Dentre os viajantes de Campo de Emond Perrin é o personagem mais bem desenvolvido neste livro, principalmente após ele descobrir suas recém adquiridas habilidades. Ao contrário de Perrin, durante praticamente todo o livro Rand permanece da mesma forma, recusando-se a aceitar sua verdadeira origem e acrescentando muito pouco à história, de modo que chega a ser estranho que os outros o enxerguem como uma espécie de líder. Mat, que surge como um alívio cômico no começo da história, após Shadar Logoth se torna um companeheiro de viagem insuportável e ranzinza, embora haja um motivo para isso, mas também, pelo menos neste livro, não acrescenta muito. Com isso, o protagonismo acaba recaindo sobre Moiraine, a qual não tem pudor em utilizar seu vasto arsenal mágico contra os adversários que os perseguem, e é a responsável pelas cenas mais empolgantes do livro. Ao contrário de outras obras de fantasia, nas quais a magia é quase sempre empregada como um último recurso e muitas vezes de maneira velada, em O Olho do Mundo seu uso é liberado, não sendo poucas as vezes em que nos sentimos estar dentro de um jogo de RPG.
Para explicar a magia de seu universo Jordan utiliza de forma inteligente a metalinguagem, como no caso da própria Roda do Tempo que dá nome à série, e a forma como ela tece o Padrão das Eras. Outro exemplo é a divisão do Poder Único em saidin e saidar, suas metades masculina e feminina, respectivamente. Cada sexo possui mais familiaridade com um tipo de poder do que outro; por exemplo: enquanto homens são mais hábeis com fogo e terra, mulheres controlam melhor a água e o ar, e isso tem muito a ver com a diferença entre ambos. Normalmente, homens são mais violentos e sedentos por poder do que as mulheres, enquanto estas últimas são moldadas desde cedo para o cuidado e a cura. No entanto, não existem mais Aes Sedai homens, e os poucos que aparecem são caçados pelas Aes Sedai mulheres, devido à loucura que lhes acomete. Esta loucura advém da mácula que Ba'alzamon colocou na metade masculina do Poder Único. Isso enfraqueceu muito as Aes Sedai, pois as grandes obras mágicas, como é o caso do Olho do Mundo, precisam ser feitas com saidin e saidar juntas.
Conforme a história vai se aproximando de sua conclusão, dá para perceber claramente que a trama começa a ficar mais corrida, como se o autor tivesse percebido que enrolara demais ou tenha ficado cansado de escrever, de modo que alguns acontecimentos acabam carecendo de mais explicações, como é o caso do objeto que dá nome ao livro. Confesso que quando terminei de ler os três últimos capítulos minha primeira reação foi: "Tá, mas o que era esse tal Olho do Mundo afinal de contas, e por que era tão importante para dar nome ao livro, se o autor só gastou algumas poucas linhas para falar sobre ele?" Só depois de ler novamente a parte final do livro que entendi o que aconteceu a Rand no Olho do Mundo, embora a explicação tenha ficado implícita.
Embora sejam claras as inspirações em outras obras de fantasia e o velho apego ao maniqueísmo que dominou as obras literárias do século XX, A Roda do Tempo ainda é, por si só, uma grande representante do gênero da fantasia, tendo acrescentado, em igual medida, muita coisa nova e interessante para o gênero. O primeiro livro deixa muito em aberto, e muitas possibilidades a serem exploradas, principalmente devido aos três artefatos encontrados no Olho do Mundo, os quais, com certeza, serão abordados nas próximas edições. A Roda do Tempo está sendo publicada aqui no Brasil pela Editora Intrínseca, e até a data desta presente postagem encontra-se no quinto volume. Boa Leitura!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário