A Torre Negra é uma das obras mais importantes da carreira do escritor norte-americano Stephen King, por diversas razões: seja pelo tempo que ele levou para pô-la no papel - foram 33 anos entre o primeiro e o último livro -, ou pelo tamanho da obra em si, que conta com 7 volumes e um tie-in, a verdade é que o próprio escritor a considera sua obra prima. Ela é, também, a sua obra mais pessoal: no ano de 1999 Stephen King quase morreu ao ser atropelado por uma minivan enquanto caminhava nos arredores de sua casa de veraneio, e ele resolveu abordar este assunto em um dos livros da Torre Negra, inserindo a si próprio como personagem da obra. Há quem considere esta uma atitude egocêntrica e narcisista, outros até mesmo corajosa, entretanto, polêmicas à parte, a verdade é que ele conseguiu criar um épico de fantasia moderna que arrastou milhões de leitores para se juntar ao último pistoleiro, Roland Deschain, e seu ka-tet (aqueles unidos pelo destino) em sua busca pela famosa Torre Negra. Muitas foram suas inspirações para construir este vasto e complexo universo: o poema inglês Childe Roland to the Dark Tower Came ("Childe Roland à Torre Negra Chegou"), de Robert Browing, é uma delas, assim como as lendas arturianas, o cinema western, O Mágico de Oz, e até mesmo a trilogia O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien - tudo isto em meio a inúmeras referências à cultura pop do século XX. Outro aspecto interessante desta série literária é que ela faz menção a personagens, lugares e até acontecimentos de diversos outros livros de King, criando um espécie de amálgama que une todas as suas obras em único e coeso Multiverso.
Toda grande jornada tem um começo, e o começo da busca de Roland pela Torre Negra se dá em O Pistoleiro, livro escrito em 1970, quando Stephen King tinha apenas 19 anos (grave este número, pois ele tem uma importância cabalística para a série e também para o próprio King) e publicado em cinco partes na revista The Maganize of Fantasy & Science Fiction entre 1978 e 1981. Apenas em 1982 esta história seria publicada como um livro único. Justamente por ter sido escrito bem no início da carreira de Stephen King, uma das peculiaridades deste livro é a forma da escrita de King, que difere bastante de outros trabalhos do autor, de modo que quase não dá para perceber que estamos lendo uma de suas histórias. O próprio autor declara em sua introdução que ele só viria a encontrar a sua "voz" para obra a partir do segundo livro, e é o que realmente acontece: é clara a diferença dos textos de um livro para o outro. No entanto, isto não faz este um livro ruim, apenas diferente.
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Roland e a Torre Negra, pelo Ilustrador Michael Whelan |
A história de O Pistoleiro, bem como grande parte da série A Torre Negra, se passa em um universo alternativo - ou num possível futuro do nosso (isso não fica muito claro) -, em que tudo está em decadência, inclusive a humanidade, a qual perdeu quase toda sua capacidade criativa e tecnológica, provavelmente como consequência de um holocausto nuclear. É o que o protagonista e diversos outros personagens chamam de "o mundo seguiu adiante". No crepúsculo deste mundo prosperou o reino de Gilead, último bastião da humanidade contra o caos e a deterioração que contaminaram o mundo. Este reino era protegido pelos pistoleiros, uma ordem semelhante a dos cavaleiros da Idade Média, porém ao invés de espadas eles portavam pistolas. Mas mesmo Gilead caiu, graças, em grande parte, à atuação do feiticeiro conhecido por vários nomes: Marten, Walter das Sombras, ou, mais comumente, apenas O Homem de Preto. Pouco se sabe sobre ele, apenas que "o homem de preto fugia pelo deserto, e o pistoleiro ia atrás."
É com esta fatídica frase que Stephen King abre o primeiro livro, e ela resume perfeitamente seu enredo: trata-se da perseguição de Roland ao Homem de Preto através de um escaldante deserto e pelos túneis sob as montanhas em busca de respostas acerca da mítica Torre Negra. Stephen King não faz nenhum tipo de introdução inicial sobre o universo de Roland, jogando o leitor diretamente no meio da história, o que causa uma certa confusão no começo. Mas aos poucos as coisas vão se ajustando, as respostas vão vindo e logo, sem perceber, o leitor está completamente envolvido pela busca do pistoleiro, ansiando pelo encontro entre Roland e o Homem de Preto, quando as respostas para várias perguntas são reveladas, e outras tantas perguntas são criadas. O diálogo final entre os dois antagonistas é impressionante, por levantar questões bastante profundas que fazem a pessoa refletir por horas e horas.
A melhor parte desta história, contudo, é a relação entre Roland e o garoto Jake Chambers, personagem introduzido mais ou menos na metade da trama. Ele é a ligação entre o mundo de Roland e o nosso: o menino teria morrido no nosso mundo, na cidade de Nova York, e simplesmente aparecido no deserto que Roland estava atravessando enquanto perseguia o Homem de Preto. Os dois desenvolvem uma relação pai/filho bastante interessante, o que acaba se provando o teste mais difícil que o pistoleiro precisa passar para provar seu comprometimento para com a busca. Stephen King cria a sua própria versão da ponte de Khazad-dûm, propiciando um clímax angustiante para esta primeira aventura de Roland Deschain.
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Roland e Jake Chambers, pelo Ilustrador Michael Whelan |
P.S.: Para quem já concluiu a leitura de toda a saga, recomendo fortemente que a releia desde o princípio, com a certeza de que terá outra visão da história quando já se conhece o final. Isto é mais acentuado ainda no primeiro livro, pois ele contém inúmeras pistas do final da saga, que só quem conhece poderia entendê-las.
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