quinta-feira, 8 de setembro de 2016

[RESENHA] John Constantine, Hellblazer - Origens Volume 3: Newcastle & A Máquina do Medo Ato I


Desde que John Constantine apareceu pela primeira vez nas páginas da mensal do Monstro do Pântano, seu passado sempre esteve envolto em uma aura de mistério, principalmente no que diz respeito a uma certa história envolvendo um exorcismo malsucedido na cidade inglesa de Newcastle. Tal fato foi um divisor de águas na vida do mago mais cara de pau dos quadrinhos, quando sua arrogância e desrespeito pela magia o fizeram cometer um erro que custou a alma de uma criança e sua própria sanidade. Neste volume o escritor Jamie Delano finalmente levanta o véu que antes cobria este mistério e surpreende os leitores com uma história macabra e trágica.

Em "Newcastle: Um Gostinho do que Está por Vir", Delano mergulha ainda mais no universo de horror adulto, com uma história envolvendo invocações de demônios, pedofilia e feitiços arcanos. Ele nos apresenta um Constantine jovem e impulsivo, que no final dos anos 70, além de aprendiz das artes místicas, atuava como vocalista da banda de rock new wave Membrana Mucosa, juntamente com seu parceiro Gary Lester - o mesmo viciado em heroína que o anti-herói sacrificou no primeiro volume.

A Verdadeira Forma de Nergal

Delano conduz Constantine ao seu embate final contra Nergal, agora revelado como o mesmo demônio que causara a morte da menina em Newcastle. A forma que o roteirista usa para explicar a derrota do monstro, no entanto, é o que deixa a desejar. Desde o início ele sugere que os eventos de Newcastle foram apenas um aperitivo, um "gostinho do que estava por vir". Mas o que veio depois acabou não atendendo às expectativas: a trama acaba se encerrando rápido demais, e quem lê tem a impressão de um coito interrompido. O campo de batalha não poderia ser mais fora de contexto: ele situa a batalha entre mago e demônio num fictício universo digital!. Numa época em que computadores ainda eram novidade e a grande rede era um universo desconhecido e inexplorado - e justamente por isto cercado de mitos, tal escolha até faria sentido, mas não hoje em dia. O ponto positivo é que mais uma vez ele mostrou que não é preciso ter superpoderes para derrotar um inimigo mais forte, quando se tem astúcia  um pouco de coragem para botar em ação um plano tão mirabolante.


Constantine Desafia Nergal

A 13ª edição, intitulada "Na praia", funciona como um interlúdio entre o arco de Newcastle e a grande saga A Máquina do Medo. Nela o autor critica a política energética baseada em energia nuclear da Inglaterra, devido ao risco a que a população que vive próximo à usinas nucleares está exposta. É preciso lembrar que, apenas dois anos antes desta revista ser publicado, o mundo inteiro havia testemunhado as consequências de um acidente nuclear de grandes proporções em Chernobyl, na Ucrânia. Quase 30 anos depois, o assunto ainda é motivo de muita discussão entre políticos, industriais e ambientalistas, após o acidente na usina de Fukushima, no Japão, forçar diversas nações a repensar suas formas de obtenção de energia.

Na edição seguinte Delano muda completamente o rumo das histórias de Constantine, abandonando por um tempo o sobrenatural e místico para conduzir o leitor em uma trama que mescla espionagem, corporações obscuras, sociedades secretas, teoria da conspiração e alguns elementos paranormais.
Cansado de seu estilo de vida autodestrutivo e fugindo da polícia (o mago acabou levando a culpa pelo assassinato de seus vizinhos pelas mãos de Nergal), Constantine se refugia entre os remanescentes do famoso Comboio da Paz, um grupo de hippies que preferem a liberdade do campo à viver presos em cidades, viajando pelo interior do país de acampamento em acampamento em pequenos comboios de carros, vãs e ônibus. Lá ele conhece alguns personagens interessantes, muitos dos quais voltariam a dar as caras em outras edições: Mercury, uma simpática menina com poderes sensitivos; sua mãe Marj, com quem J.C. acaba se relacionando; e o engraçadíssimo Errol, um negro de cabelos rastafári que mais parece saído das praias da Jamaica, e chegado em dar uns "tapas". Além do modo de vida hippie, é claro que esse povo também é chegado numa magiazinha, senão não seria uma história de Constantine. Delano introduz neste arco conceitos como as Linhas de Ley, supostas correntes de energia que fluem em linha reta entre grandes nexos de poder, marcados geralmente por monumentos megalíticos, como o Stone Henge.

Constantine com os Hippies

Constantine acaba se estabelecendo com o grupo, não apenas como um disfarce para evitar a prisão, mas porque começa a gostar do estilo de vida do grupo. Infelizmente sua alegria dura pouco: durante uma batida da polícia, a jovem Mercury é sequestrada pela misteriosa corporação Geotronik, que planeja usá-la em seu audacioso empreendimento que une magia e tecnologia: a Máquina do Medo. Os misteriosos cientistas da Geotronik estão utilizando os circuitos das linhas de Ley para dispararem descargas de puro medo, e assim matarem literalmente de susto quem eles quiserem! A cena das pessoas no trem dominadas pelo pânico e atacando umas às outras me fez lembrar aquela cena da igreja no filme Kingsman: Serviço Secreto, que utiliza uma ideia parecida, substituindo medo por ódio.

A Cena do Trem

Com quase 20 edições à frente de Hellblazer, Delano continua se provando um excelente roteirista de HQs de terror, um escritor realmente digno de construir sobre as bases lançadas pelo mago dos quadrinhos - Alan Moore. Quanto à arte, só lamento que a DC Comics tenha designado para sua linha adulta desenhistas tão medianos, quando não incompetentes, justamente numa época em que a Vertigo foi responsável pelas melhores e mais criativas histórias da editora. Richard Piers Rayner, que substituiu o competente John Ridgway na edição 10, não convence como desenhista, entregando personagens com formas estranhas, e movimentos e expressões que os assemelham mais a bonecos ou manequins do que a pessoas de verdade. No entanto, há quem aprecie este tipo de arte - o que não é o meu caso -, alegando que ela reflete o conteúdo dos roteiros, que estão sempre beirando o lado mais obscuro e sujo da natureza humana.

Quanto ao encadernado em si, a Panini Comics dividiu a série em 7 encadernados, esfacelando os arcos em vários volumes. A versão americana, por exemplo, compila as 40 edições de Delano mais extras em apenas 4 volumes, de modo que a história de A Máquina do Medo é contada em apenas um encadernado. Mas, como diz o ditado: "para quem não tem nada a metade é o dobro", devemos ficar felizes e satisfeitos por termos a oportunidade de conhecer estas que foram as primeiras histórias de Constantine, sem contar que com menos páginas os encadernados saem mais em conta, o que é um grande alívio em tempos de crise.

Boa leitura!

Capa de Hellblazer Origens Vol. 3

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