segunda-feira, 12 de setembro de 2016

[RESENHA] Preacher #3: Orgulho Americano

Jesse Chega a Masada, Sede do Graal

Reza a lenda que o santo Graal foi o cálice que Jesus de Nazaré usou na Última Ceia com seus apóstolos, na noite antes de ser crucificado, e que por conter o "sangue" de Cristo seria dotado de incríveis poderes místicos. Em 1996, antes de Dan Brown lançar seu polêmico livro O Código DaVinci, Garth Ennis, roteirista de quadrinhos irlandês, publicava sua também polêmica obra Preacher, em parceria com o britânico Steve Dillon, pela DC/Vertigo. Nela o Graal é retratado como uma organização secreta cuja missão é proteger os descendentes de Cristo - o qual teria sido casado com Maria Madalena - e garantir que o mundo tenha um novo messias. Como na lenda, o Graal guarda o "sangue" de Cordeiro, mas de forma metafórica.

No volume anterior (clique aqui para ler a resenha), fomos apresentados a Herr Starr, um alemão com um visual ameaçador e estranhos hábitos sexuais, que é o segundo em comando no Graal, abaixo apenas do Grande Pai, D'Aronique. De alguma forma ele descobriu que Jesse Custer - o pregador que dá nome à HQ -, divide a sua alma com a entidade Gênesis, que lhe confere o poder de obrigar qualquer pessoa a fazer o que ele ordenar, literalmente. Para Herr Starr, Jesse apareceu na hora certa, pois ele planeja substituir o messias do Graal pelo seu próprio messias, e com isso dar um "golpe" no Grande Pai e assumir seu posto (mais ou menos o que aconteceu no Brasil recentemente). O problema é que ele acaba sequestrando Cassidy, o vampiro irlandês que é mais chegado a álcool do que a sangue e companheiro de bebedeiras de Jesse, que agora precisa invadir a sede do Graal na França para resgatar seu amigo. O que nenhum deles sabe, contudo, é que o Santo dos Assassinos também está indo para lá, afim de resolver de uma vez por todas sua pendenga com Jesse Custer.

Santo dos Assassinos

O ritmo frenético do roteiro e a ação hollywoodiana dos dois volumes anteriores continua presente aqui, com os caminhos dos personagens - cada um com sua própria missão e motivação - convergindo para um clímax repleto de violência escancarada, tripas esvoaçantes e muito, mas muito sangue (cortesia do Santo!). Tudo isso realçado pela brilhante arte de Steve Dillon, que consegue imprimir o ritmo dos roteiros em seus desenhos simples e limpos, agradáveis de se olhar. O talento de Dillon reside principalmente na forma como retrata seus personagens; seu forte não é o desenho de grandes planos e cenários repletos de detalhes, mas em desenhar pessoas e expressões, e acredito ser por isso que sua parceira com Garth Ennis tenha sido tão duradoura.

O irlandês, a propósito, continua sendo um especialista em criar personagens bizarros e únicos, na maioria das vezes com algum tipo de deformidade física, desvios de caráter ou hábitos para lá de estranhos, ou tudo isso junto! Se antes ele nos fez odiar Marie D'Angelle com todas as nossas forças, o Grande Pai D'Aronique nos causa apenas asco. Como uma paródia à figura da própria igreja cristã atual, o líder do Graal é uma figura obesa, inchada e maliciosa que precisa ser carregada pelos seus serviçais enquanto exibe uma falsa aparência de santidade. Já o messias que ele protege a sete chaves não passa de um moleque deficiente mental, fruto de séculos de cruzamentos de membros da mesma família, com o intuito de manter a linhagem "pura". É impossível não cair na gargalhada com a história do mafioso italiano que teve o pinto capado, e que agora se dedica a torturar Cassidy de todas as maneiras imagináveis, inclusive dando um tiro de calibre 12 na pemba do vampiro?

Cassidy Sendo Torturado

Além da guerra contra o Graal, Jesse Custer vive uma delicada guerra interna: embora sua namorada Tulipa já tenha se provado várias vezes em batalha, inclusive salvando-o dos homens do Graal já por duas vezes, o reverendo insiste em não levá-la na missão de resgate de Cassidy. É claro que a mulher fica puta e o acusa de machismo, alegando que ele quer mantê-la longe do perigo apenas por ela ser uma mulher, e nisso ela tem uma dose de razão. No entanto, a motivação real de Jesse é o medo de perdê-la de novo: não esqueçamos que ele a viu levar um tiro na cabeça durante o encontro deles com a avó de Jesse, e essas lembranças ainda estavam frescas na cabeça do reverendo, e com isso ele também tem uma dose de razão! É o tipo de discussão em que os dois estão certos e errados, e o reverendo é obrigado a tomar uma decisão pela qual terá que prestar contas nos próximos capítulos. 

No final deste arco descobrimos o segredo que Herr Starr escondida nas profundezas do Graal, que lhe permitia estar sempre um pé a frente até mesmo do Paraíso; também ficamos sabendo mais sobre Gênesis e as circunstâncias de seu nascimento, e sobre o "romance proibido" vivido por seus pais. No final Jesse e o Santo dos Assassinos fazem um acordo, e Herr Starr consegue cumprir parte de seu intento: se tornar o Grande Pai do Graal. E o que aconteceu com Cassidy? O vampiro consegue escapar da tortura pelas mãos do mafioso italiano eunuco, mas não sem antes ficar cara a cara com o Criador em pessoa.

Grande Pai D'Aronique

Este volume ainda conta a história de origem de Cassidy, na qual Garth Ennis aproveita para contar um pouco da história da Irlanda. Descobrimos que o vampiro beberrão estava presente no Levante da Páscoa, uma rebelião que ocorrera na Páscoa de 1916 e que fora a semente da libertação da República da Irlanda do domínio britânico. O ponto trabalhado por Garth Ennis é que as pobres almas que morreram no levante não passaram de joguetes nas mãos de homens inescrupulosos, que os inflaram com ideais nacionalistas radicais para que servissem de sacrifício para sua ambição de poder. De fato a morte deles permitiu que os republicanos assumissem o poder no futuro, mas a que custo?

Cassidy é Mordido

O irmão de Cassidy descobre o plano do líder da rebelião, Patrick Pearse, e decide fugir de Dublin durante o conflito, mas Cassidy, outrora Proinsias, é mordido por uma estranha criatura da noite que vivia nos charcos e se transforma em um vampiro. Dado como morto, ele decide tentar a vida na América, mais precisamente Nova York, lar de uma grande colônia de irlandeses. Na América vemos como Cassidy faz amizade com um grupo de conterrâneos, com quem aprende que a graça da vida estar em vivê-la da melhor forma possível, aproveitando ao máximo (no caso deles, aproveitar a vida é sinônimo de beber quantas garrafas de uísque for possível!). No entanto, ele acaba percebendo que é um erro criar raízes, uma vez que ele nunca envelhece, e começa uma viagem solitária pelos EUA.

Nesta história o autor lança as bases de uma grande amizade entre Jesse e Cassidy, amizade esta que será posta à prova nos próximos volumes. Mas isto já é tema para outra resenha. Então fique ligado, caro leitor, pois Garth Ennis ainda está só começando, e Preacher ainda vai te surpreender um bocado! 

Esta HQ foi publicada pela Panini Books num encadernado de excelente qualidade (capa dura e papel couchê) e pode ser encontrada em lojas especializadas. Boa leitura!

Capa de Orgulho Americano, por Glenn Fabry

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