sexta-feira, 23 de setembro de 2016

[RESENHA] Batman - Morte em Família



A trajetória de Bruce Wayne, alter-ego do Batman (ou seria o contrário?), tem sido marcada por tragédias. Logo nos primeiros anos atuando como vigilante em Gotham City, seu melhor amigo, o promotor público Harvey Dent, teve o rosto e a sanidade desfigurados por ácido, e se transformou naquilo que ele mais odiava: um chefão do crime apelidado de Duas-Caras. Anos depois, o criminoso lunático conhecido como Coringa deixou sua parceira Batgirl paraplégica na historia A Piada Mortal. Mas nenhuma tragédia afetou tanto o Cavaleiro das Trevas como o assassinato de seu parceiro Robin, também pelas mãos do Coringa, fato este que repercute até hoje nas histórias do herói.

Antes de falar sobre esta história, darei uma breve explicação sobre quem é o Robin, pois existem muitas pessoas que não sabem que o manto do herói já foi usado por várias pessoas diferentes, inclusive uma mulher! O primeiro Robin foi Dick Grayson, artista de circo que, assim como Bruce Wayne, testemunhou a morte dos pais. O garoto foi adotado pelo milionário e logo passou a atuar como seu parceiro no combate ao crime, tendo sido apelidado de Menino Prodígio. Mas os anos se passaram e a relação entre Bruce e Dick se desgastou até o ponto em que o rapaz decidiu atuar em carreira solo, abandonando o manto do Robin e assumindo a identidade de Asa Noturna. O substituto de Dick foi um jovem chamado Jason Todd, que o Batman surpreendeu tentando roubar os pneus do Batmóvel. O menino também havia passado por uma perda em sua família: a mãe morrera em um leito de hospital e o pai era um criminoso que trabalhava para o Duas-Caras. Foi este Robin que teve a vida ceifada cruelmente pelo Palhaço do Crime nesta histórica HQ de autoria do lendário roteirista Jim Starlin e desenhada pelo inesquecível Jim Aparo.

Batman Conhece Jason Todd

A verdade é que Jason Todd teve mais fama na morte do que em vida: muitos leitores da HQ do Batman odiavam o segundo Robin, e com razão, pois o garoto era um verdadeiro pé no saco, sempre se rebelando contra as ordens do Batman e agindo com impulsividade. Nesta época o editor da revista do Cruzado de Capa, Dennis O'Neil, decidiu pôr em prática a ideia de lançar uma história em que os fãs decidiriam o destino de um personagem, através de um número telefônico. Adivinhem quem foi o escolhido para ir para a berlinda? Pois é, o chato do Jason Todd. Assim, Jim Aparo foi convidado para escrever o roteiro da minissérie em 4 partes, publicada entre os números 426 a 429 da revista Batman. A decisão por matar Jason foi apertada: 5.343 votos a favor da morte do Robin contra 5.271 votos contra. No entanto, o resultado poderia ter sido diferente, pois anos depois O'Neil revelaria que centenas de votos a favor da morte foram creditados a uma única pessoa. Há quem diga também que a ideia de matar o Robin teria sido inspirada pela famosa Graphic Novel de Frank Miller, O Cavaleiro das Trevas, lançada dois anos antes, na qual o parceiro do Batman também havia sido assassinado pelo Coringa (recentemente foi lançada uma prequel mostrando como Robin foi morto no universo criado por Miller, mas não chega nem perto da história contada por Jim Starlin). 

Anúncio com as Duas Opções de Final

O enredo de Morte em Família é bem simples e repleto de circunstâncias, coincidências e golpes de sorte (e de azar!) que só poderiam existir em uma história de quadrinhos com a ingenuidade da década de 1980, mas rende uma leitura bem divertida. Jason Todd descobre que sua mãe verdadeira ainda está viva, porém ele não tem certeza de sua identidade, apenas que pode ser uma entre três mulheres. Por coincidência as três estão morando em países do Oriente Médio e da África, e para piorar o Coringa também está indo para lá a fim de vender um míssil nuclear a terroristas islâmicos (nem me pergunte como um bandido comum de Gotham City pôs as mãos em uma ogiva nuclear e ainda conseguiu sair com ela dos EUA). Desta forma, é inevitável que os caminhos de Batman, Robin e Coringa se cruzem.

Coringa Negociando com Terroristas

Para variar, a mãe verdadeira de Jason acaba sendo a última da lista do rapaz; após derrotarem um bando de terroristas no Líbano e enfrentarem a mortífera assassina de aluguel Lady Shiva, a dupla dinâmica encontra a mãe do Robin vivendo na Etiópia, onde trabalha como médica. Mais uma vez o destino (ou a caneta do roteirista) entra em ação, pois o Coringa estava chantageando a mulher para contrabandear um carregamento de remédios, ao mesmo tempo em que ele planeja acabar com a fome no país ao substituir os remédios pelo seu letal gás do riso. Jason Todd descobre o esquema, mas acaba sendo traído pela própria mãe, que também já vinha desviando medicamentos para benefício próprio. Assim se dá a icônica cena em que o Coringa espanca o menino quase até a morte usando um pé de cabra, e depois o deixa para morrer na explosão que destrói o galpão onde os remédios eram armazenados. Esse é o resultado de arrastar menores de idade para lutar contra criminosos insanos, Batman!

Jason Todd é Espancado 

A explosão do galpão acontece na edição 428, a penúltima da minissérie, mas a morte do Robin só é revelada na última edição, quando sai o resultado da votação. Alguns anos mais tarde, na minissérie Sob O Capuz, foi revelada a página desenhada por Jim Aparo que seria publicada se Jason tivesse sobrevivido à bomba.

É de se imaginar que o Batman fica completamente transtornado com a morte de seu parceiro, e decide até mesmo violar seu sagrado juramento de não matar e acabar de vez com a vida do Coringa. No entanto, o Palhaço do Crime foi mais esperto, e obteve imunidade diplomática ao se tornar embaixador do Irã na ONU (sim, meus amigos, só mesmo nos anos 80 um absurdo desses seria possível!). Por fim, é claro que o Coringa é derrotado - embora não morto - graças à ajuda de um importante aliado do Homem Morcego. 

O Discreto Funeral de Jason Todd

A morte de Jason Todd teve tanto impacto nas histórias do Batman que saiu das páginas das HQs para as outras mídias, como os games da franquia Arkham e até mesmo no universo cinematográfico da DC, onde pudemos ver no filme Batman vs Superman: A Origem da Justiça, em destaque na batcaverna, o uniforme de Robin com uma mensagem irônica do Coringa, sugerindo que o parceiro do Batman interpretado por Ben Affleck também teria sido morto pelo Palhaço.

Embora Morte em Família não seja uma das melhores histórias do Batman, é uma das mais importantes do cânone do Cavaleiro das Trevas, por trazer consequências que reverberam até os dias atuais. O antagonismo entre Batman e o Coringa transcendeu o escopo do herói versus vilão para assumir um tom mais pessoal. Toda vez que os dois se enfrentaram a partir de então o duelo entre eles passou a trazer uma pesada carga emocional e psicológica, e passamos a nos perguntar o que o Coringa poderia fazer desta vez para machucar o Batman. E o Morcego de Gotham passou a ser retratado como um herói mais sombrio e amargurado, devido ao sentimento de culpa que ele passou a nutrir por achar que teria errado ao escolher Jason como parceiro. Isto não o impediu, no entanto, de adotar um terceiro Robin - Tim Drake - cujas habilidades dedutivas excepcionais o levaram a descobrir sozinho a identidade tanto do Batman como do antigo Robin. Ainda assim, não foi fácil para o rapaz conquistar o direito de sair para combater o crime ao lado do Batman, que ainda estava receoso em permitir que outra pessoa se colocasse em risco em sua cruzada.

Página do Final Alternativo de Morte em Família 

Esta HQ pode ser encontrada no mercado tanto na versão publicada pela Panini, como também na edição 11 da coleção de Graphic Novels DC da Eaglemoss. Ah, e eu não poderia terminar esta resenha sem elogiar a arte nostálgica e "alegre" de Jim Aparo, que deixou uma marca inconfundível e única na forma de desenhar tanto o Batman como o Coringa.

Boa leitura!

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