segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Arqueiro Verde: Fase Mike Grell - Contos do Dragão




A maxissaga Crise nas Infinitas Terras trouxe grandes mudanças para vários títulos da DC Comics. A origem dos dois maiores heróis da editora - Superman e Batman - foi recontada por John Byrne e Frank Miller, nas aclamadas Homem de Aço e Ano Um, assim como a Mulher Maravilha recebeu uma nova interpretação nos roteiros de George Pérez. Mas poucos heróis tiveram tantas mudanças (a maioria delas para melhor) como o Arqueiro Verde, durante a fase em que o roteirista Mike Grell esteve à frente do título. E não foram apenas mudanças no uniforme do personagem ou em sua cidade de atuação. A própria personalidade do herói sofreu algumas mudanças profundas: aquele senso de humor cômico e infantil das histórias clássicas foi substituído por um humor mais soturno, à medida que ele passou a se preocupar com questões como o peso da idade e seu desejo de ter filhos. Outro fato que contribuiu para isso foi sua decisão de cruzar a linha proibida e matar seus inimigos. Esta decisão trouxe sérias consequências psicológicas para o personagem e para a própria revista, que teve sua classificação indicativa elevada para leitores adultos, o que afastou o personagem do restante do Universo DC. Mike Grell também incorporou elementos mais realísticos em seus roteiros, colocando Oliver Queen para enfrentar criminosos do mundo real, como assassinos, traficantes de drogas e pedófilos ao invés de supervilões fantasiados, e passou a  abordar com frequência temas políticos delicados, como escândalos internacionais em que os EUA estiveram envolvidos no final da década de 1980.

O Arqueiro Verde se Torna um Assassino

A minissérie Os Caçadores foi o ponto de partida para todas essas mudanças (você pode ler a minha resenha sobre esta HQ clicando aqui), e seu sucesso colocou Mike Grell à frente do título pelas 80 edições seguintes, nas quais ele aprofundou e consolidou várias dessas transformações. Uma personagem que ele criou especificamente para Os Caçadores e que recorrentemente aparecia na vida do Arqueiro Verde foi Shado, uma arqueira japonesa que trabalhava para a Yakusa (uma espécie de máfia japonesa). Como um fã declarado de mangás e animes japoneses, e um admirador da cultura desse país, sou suspeito ao afirmar que os melhores arcos desta fase são justamente aqueles em que o Arqueiro é obrigado a trabalhar ao lado ou contra Shado. Eu os chamei aqui de Contos do Dragão, embora este não seja o nome oficial (embora daria um bom nome para um encadernado reunindo essas histórias). O primeiro deles é A Dança dos Dragões, que pode ser considerado uma continuação para Os Caçadores, uma vez que aborda as consequências dessa história tanto para Shado como para o Arqueiro Verde. Depois vem Sangue do Dragão, que mostra o fruto da relação entre o Arqueiro Esmeralda e Shado, e por fim A Saga do Arqueiro Negro, uma excelente narrativa em que Oliver Queen é incriminado e somente Shado poderá ajuda-lo a provar sua inocência.

# A Dança dos Dragões (Arqueiro Verde V2 09-12)

"Tente pensar no arco como uma mulher. Ele responde melhor se tentar conhece-lo em vez de simplesmente curvá-lo a sua vontade."

Arqueiro Verde e Shado Compartilhando o Arco

Este arco começa com Shado retornando ao Japão para prestar contas ao seu Oyabun (espécie de “Godfather” da máfia japonesa) sobre a missão nos EUA, que era matar um grupo de homens que haviam trazido desonra para sua família e para a organização. No entanto, uma das vítimas não fora morta pelas mãos dela: o Arqueiro Verde matou um dos homens quando surpreendeu-o torturando sua namorada, a Canário Negro. Por causa desta falha, o chefão condenou Shado a ter um polegar decepado, o que a impossibilitaria de usar um arco pelo resto da vida, mas seu mestre a ajudou a escapar antes que isso acontecesse, perdendo a vida no processo. Como vingança, Shado matou o Oyabun, tornando-se um alvo para toda a Yakusa, cujo código de honra não permitiria que ela continuasse viva. Do outro lado do Pacífico, o Arqueiro Verde é chantageado por um agente da CIA para localizar um mapa da época da Segunda Guerra Mundial que continha a localização de um tesouro enterrado nas Filipinas, e que encontrava-se de posse da Yakusa até ser roubado por Shado. Dessa forma os caminhos do Arqueiro Verde e da talentosa arqueira se cruzam mais uma vez, e ele terá que decidir se vai entrega-la às autoridades ou ajuda-la escapar da Yakusa.
O relacionamento entre Oliver e Shado é o ponto central desta saga. A mulher exerce uma atração inevitável sobre o Arqueiro, que já tem histórico com mulheres perigosas. Talvez a explicação para isso esteja no fato de os dois terem algumas coisas em comum, como o amor pelo arco e flecha, e ambos já terem tirado vidas com essa arma. É interessante a forma que Grell utiliza para mostrar a comunhão entre eles quando, em determinado momento, a moça permite que ele use seu arco; o arco de Shado é quase como uma continuação de seu corpo, e permitir Oliver tocá-lo é uma forma de permitir que ela a toque.


Shado Vs. Yakusa

As melhores cenas desta saga sem dúvida são as batalhas contra os capangas da Yakusa, geralmente assassinos vestidos como ninjas. Ed Hannigan, que assina a arte, retrata essas batalhas de forma bastante competente, e acompanhar seus quadros é como se estivéssemos assistindo a um filme de ação se desenrolando nas páginas da HQ. Grell explora muito bem a habilidade dos dois personagens com o arco e flecha, e fica muito claro que a opção de não matar ou usar flechas “inofensivas” não seria possível contra tais inimigos. 


#Sangue do Dragão (Arqueiro Verde V2 21-24)

"Uma coisa que o Vietnã provou é que a guerra pode ser um inferno, mas faz um bem danado pros negócios!"

O Filho de Shado É Sequestrado

Um ano após os eventos de A Dança dos Dragões, Shado vive uma vida relativamente tranquila com seu filho bebê (a identidade do pai não é revelada até o capítulo final da saga, mas dá pra ter uma boa ideia de quem seja, não é?). Mas essa tranquilidade é interrompida quando um bando de ninjas da Yakusa ataca sua casa e a captura, juntamente com a criança. Os bandidos, que estão de conluio com um grupo de conspiradores americanos, chantageiam-na para que assassine o presidente dos EUA e impeça um acordo de paz que traria sérios prejuízos para a indústria bélica. Mais uma vez o Arqueio Verde vai em auxílio da bela arqueira para ajuda-la a resgatar seu filho e impedir que ela faça a vontade dos conspiradores. Os desenhos ficam a cargo de Dan Jurgens, que mostra que seu talento não reside só em desenhar heróis musculosos de colante e alienígenas brutamontes e sanguinários.
Desta vez Mike Grell explora o lado assassino de Oliver Queen, que a cada vez que se junta a Shado precisa apelar para este seu lado sombrio. Um momento emblemático é quando o Arqueiro, cercado por um bando de assassinos e sem flechas, abre caminho pelos assassinos com uma metralhadora, chacinando-os sem piedade. Tudo bem que foi uma situação de vida ou morte, mas para mim foi uma decisão questionável, embora corajosa, do roteiro, que fez o personagem se afastar cada vez mais do ideal heroico das histórias clássicas e se aproximar do típico justiceiro sangue frio.


Arqueiro Verde Usa uma Arma de Fogo 

Mike Grell, conhecido por ser um ferrenho crítico da Guerra do Vietnã, aproveita para fazer uma crítica à política armamentista dos Estados Unidos, sugerindo que os políticos incentivam, e até provocam, as guerras para poder beneficiar os empresários da indústria bélica, que são os que mais se beneficiam com a guerra, a despeito de tantos jovens que perdem as vidas nos conflitos, de ambos os lados. Quem não lembra da Guerra do Iraque, na qual os EUA e a Inglaterra alegaram ter provas de que Sadan Russen possuía armas químicas para poder invadir o país, mas depois ficou claro que o verdadeiro alvo das grandes potências era na verdade o petróleo do Iraque, que passou a ser explorado por empresas ocidentais.
# Saga do Arqueiro Negro (Arqueiro Verde V2 35-38)

"Cada vez que entra na vida dele, você a muda de algum modo. Quase o mata, mas quando o chama, ele deixa tudo. Porque compartilha algo tão simples como um pau e uma corda. E agora parece que há algo mais que eu jamais compartilharei."

Oliver Queen É Preso

Ao contrário das duas sagas anteriores, nesta trama é Shado quem vem em auxílio de Oliver, quando ele é injustamente acusado de terrorismo e se torna alvo de diversas agências do governo e de uma campanha difamatória por parte da mídia. Quem pede a ajuda da arqueira oriental é Dinah Lance, a Canário Negro, que na fase Grell deixou de lado as roupas de látex, e perdeu seu grito do canário. O autor aproveita a ocasião para revelar a questão da paternidade do filho de Shado. Como já havia ficado claro ao final de Sangue do Dragão, o menino realmente é de Oliver, mas não foi concebido com a concordância do Arqueiro. Como assim? Deixa eu explicar...É que Shado havia aproveitado quando ele estava inconsciente se recuperando de um ferimento para se deitar com ele, de modo que ele pensara estar com Dinah. Quem foi que disse que o estupro é exclusividade dos homens?
Como eu já havia mencionado, Mike Grell gosta de situar seus roteiros dentro de eventos históricos, e desta vez ele utiliza a crise entre os EUA e o Panamá envolvendo o famoso canal que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico. Nos anos 80 um ditador panamenho chamado Manuel Noriega havia causado muitos problemas ao Tio Sam, pois o Canal do Panamá, embora muita gente não saiba, é uma peça chave para a economia mundial, por garantir às empresas transportadoras de produtos uma gigantesca economia de tempo e recursos, bem como às Frotas Navais norte-americanas uma rota direta entre os dois Oceanos. Assim, a atitude óbvia dos EUA foi enviar tropas para o pequeno país para assegurar que o canal ficasse sob a tutela americana. O Arqueiro Verde acabou alvo de uma conspiração envolvendo agências americanas com o objetivo de causar uma crise que levasse a população a apoiar a presença das tropas americanas no Panamá.

Arqueiro Verde e Eddie Fyres

Uma vez foragido, Oliver Queen precisou raspar os cabelos e a barba loiros que são sua marca registrada e trocou o verde pelo negro. Ele passou a viver nos subterrâneos, e foi nesse momento que ele conheceu uma ladra de rua sonhadora chamada Marianne, que o ajuda em algumas ocasiões. Na segunda edição Grell faz diferente ao narrar a história do ponto de vista da moça, que enxerga sua vida como uma aventura medieval. A arte desta HQ fica por conta de Mark Jones, e não há muito sobre o que falar sobre ela.
Há muitas outras histórias interessantes nesta fase, porém aqui resolvi falar somente daquelas envolvendo Shado, pois na minha opinião são as melhores. Há ainda uma história solo da arqueira, sobre a qual falarei em outra ocasião, já que estamos tratando aqui sobre o Arqueiro Verde. O run de Mike Grell na minha opinião é a melhor fase do personagem, que incutiu uma maior maturidade nas histórias do herói urbano, trazendo-o mais para perto do leitor de quadrinhos moderno. A decisão de abandonar as flechas especiais e utilizar as flechas convencionais deu mais ênfase à sua habilidade como arqueiro, e conferiu mais realismo às histórias. Esse compromisso com o realismo, no entanto, afastou o personagem do restante do Universo DC, além de provocar uma diminuição da importância da Canário Negro, que, sem seus poderes, acabou reduzida a um par romântico com algumas habilidades de luta.
Boa leitura!


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