Esta é uma resenha muito especial, pois vou falar sobre um livro do qual particularmente eu gosto muito: Jurassic Park, ou, em português, Parque dos Dinossauros. Como fiz questão de frisar no título desta postagem, estou me referindo à obra literária escrita pelo mestre da ficção científica Michael Crichton, e não ao filme homônimo dirigido por Steven Spielberg que fez tanto sucesso na década de 1990, ainda que algumas comparações entre ambas as obras sejam inevitáveis.
Além da inquestionável qualidade narrativa de Crichton, este livro tem um lugar especial em minha estante devido ao fato de falar sobre essas criaturas incríveis que viveram e caminharam bem aí onde você está sentado há milhões e milhões de anos atrás, e sobre as quais sabemos tão pouco, na verdade apenas aquilo que é possível deduzir analisando seus esqueletos fossilizados, que foi praticamente a única evidência que restou deles após a grande extinção que os varreu da face da Terra e possibilitou que nós, seres humanos, pudéssemos nos tornar a raça dominante do planeta.
Desde que foram descobertos os primeiros fósseis de dinossauros, os assim chamados "Lagartos Terríveis" têm cativado a imaginação das pessoas, principalmente das crianças. E foi justamente quando eu ainda era um pequeno infante que me apaixonei pelos dinossauros, graças à influência de um amiguinho de escola, o Diego Ramalho - que hoje é professor de filosofia e não deve mais lembrar o que é um Parassaurolofo. Naquela época o filme de Spielberg tinha acabado de ser lançado e até hoje não esqueço o momento de espanto e encantamento que foi ver (na enorme tela de 14 polegadas da minha TV de tubos catódicos) o grande tiranossauro fazer picadinho de um jipe com duas crianças presas dentro da cabine do veículo. Como praticamente toda criança inocente dos anos 90 eu achava realmente que se tratava de um dinossauro de verdade, e fiquei triste quando minha mãe me explicou que aquilo na verdade era um grande boneco.
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Escavação de um Esqueleto de Dinossauro |
Anos depois descobri que o filme, que eu vira dezenas de vezes, era na verdade baseado em um livro, e que o escritor deste livro também havia escrito o roteiro do filme. Ainda assim, por algum motivo (talvez porque quando me tornei adolescente, imbuído de novos interesses, me afastei da maioria das minhas paixões da infância) demorei bastante tempo para ler o livro. Então, quando a Editora Aleph lançou esta bela edição cuja capa encabeça esta postagem, vi a excelente oportunidade de finalmente conhecer a história que deu origem ao filme. E que grata surpresa, pois, apesar de ter uma trama similar, as duas obras não poderiam ser mais diferentes!
A maior parte da história se passa na Ilha Nublar, localizada na Costa Rica, onde uma empresa de bioengenharia chamada Ingen construiu um parque semelhante a um zoológico que possibilitaria aos visitantes entrarem em contato com dinossauros reais, trazidos de volta à vida graças a avançadíssimas técnicas de clonagem. Michael Crichton utiliza a mesma fórmula empregada por ele em Westworld, filme de 1973 roteirizado e dirigido pelo escritor, no qual visitantes de um parque temático, pelo preço certo, podiam ter a sensação de voltar no tempo ao interagir com robôs customizados de caubóis, cavaleiros medievais e gladiadores romanos. Em ambas as obras, um mal funcionamento no parque faz com que as principais atrações saiam de controle e comecem a atacar os visitantes.
Embora esta seja basicamente uma história de aventura, com alguns traços de suspense e terror (Crichton não poupa o leitor com descrições de cenas de evisceração e desmembramentos), o lado da ficção científica - com ênfase no termo "científica" - não é deixado de lado. Uma das características mais marcantes dos livros de Crichton, e que está bastante presente em Jurassic Park, é o uso da ficção para demonstrar para o leitor alguma teoria científica de ponta. Quem ganha espaço nas páginas de Jurassic Park é a Teoria do Caos*, e o porta-voz de Crichton é o personagem Ian Malcolm, um matemático excêntrico que, mesmo cercado por um bando de velociraptores sanguinários encontra tempo para esmiuçar os seus postulados.
Ian Malcolm é contratado pela Ingen para, por meio de seus complicados cálculos, testar a viabilidade da atração turística. No entanto, as equações de Malcolm só mostraram que o parque estava fadado ao fracasso desde o início, por um simples motivo: os cientistas e engenheiros da Ingen estavam lidando com um sistema genuinamente complexo, e, portanto, imprevisível, como se fosse um sistema simples. Qualquer empreendimento que lide com seres vivos já é bastante complexo, ainda mais em se tratando de criaturas extintas há 65 milhões de anos.
O fundador da Ingen e idealizador do projeto do Parque dos Dinossauros, John Hammond, ignora completamente os alertas de Malcoln, em parte porque acredita em sua visão, e também porque precisa tornar o empreendimento lucrativo para seus investidores, sem os quais jamais poderia ter construído o parque. Quem está acostumado com o filme de Spielberg praticamente não reconhecerá aquele velhinho simpático do filme no John Hammond obcecado e sem escrúpulos do livro, de modo que até o carinho pelos netos, Lex e Tim, não passa de puro fingimento, um papel interpretado por ele para convencer os investidores de que o parque é seguro.
É claro que em um dado momento as coisas acabam saindo de controle; porém antes do caos se instaurar já haviam aparecido sinais de que alguma coisa estava errada com a ilha: acidentes durante construção, avistamentos de répteis estranhos no continente, ataques a crianças e idosos. Tudo isso faz com que os investidores enviem um grupo de inspetores de última hora para avaliar as instalações do parque. Este grupo é composto por Alan Grant, um renomado paleontólogo que assume o protagonismo da trama; Ellie Sattler, uma jovem paleobotânica e estagiária de Alan; Donald Genaro, um advogado que representa os investidores; e por último Ian Malcolm.
É quando este grupo está fazendo uma excursão pelo parque que os sistemas de controle sofrem uma pane geral, e todos os dinossauros escapam da ilha. Eles então precisam lutar pela sobrevivência, enquanto os técnicos e engenheiros no prédio de controle tentam reiniciar os sistemas. O enredo aqui é bem parecido com o filme, só que mais rico em detalhes. Há ainda diversas passagens que não foram inseridas na produção cinematográfica, mas apareceram em suas sequências, embora em circunstâncias diferentes, como a cena do aviário. O filme também ignora completamente a questão da fuga dos dinossauros para o continente, o que no livro adquire um status de missão principal.
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A famosa Cena do Tiranossauro |
O livro é dividido em blocos de capítulos representando cada uma das iterações que levam até o caos absoluto, e cada divisão é marcada por um interlúdio onde aparecem trechos da teoria de Malcolm e o desenho de um fractal, que são figuras ligadas à Teoria de Caos. Basicamente, um fractal é uma figura geométrica que tem uma interessante característica: cada parte que compõe a figura possui a forma da própria figura, como um floco de neve (clique aqui para saber mais). As primeiras imagens, bastante simples, ainda não nos possibilitam enxergar o todo, embora já possamos deduzir alguns de seus contornos; conforme as iterações vão avançando, ou seja, o sistema vai rumando ao caos, as figuras vão ficando mais elaboradas e podemos enxergar o problema em toda sua complexidade. Da mesma forma a trama vai progredindo, primeiro com sinais de que os dinossauros fugiram ao controle, até o momento em que eles dominam toda a ilha.
Esta edição da Aleph está bem bonita, feita com muito capricho para os fãs mais exigentes. As páginas possuem as bordas tingidas de vermelho vivo, fazendo alusão a sangue. As páginas iniciais são preenchidas com belíssimas ilustrações que remetem ao filme de Spielberg, como as ondulações na água denotando o famoso "tremor de impacto" que indica a aproximação de um T-Rex e o mosquito preso dentro do âmbar. Só senti falta de um pequeno detalhe, que é um mapa da Ilha Nublar com suas principais instalações. Na continuação, O Mundo Perdido, a editora corrige essa falha, apresentando um mapa da Ilha Sorna. Esta é, sem dúvida, uma excelente pedida para os fãs da franquia Jurassic Park que desejam conhecer este universo mais profundamente, sob o olhar de seu criador, além de ser recomendadíssimo para aqueles que gostam de uma ficção científica bem contada e plausível.
Para quem não conhece, Michael Crichton (1942-2008) é um escritor estadunidense de thrillers tecnológicos e também de obras de não ficção. Ficou famoso por ser o criador da série ER - Plantão Médico, e por livros como Jurassic Park, O Enigma de Andromeda, Congo e Presa, muitos do quais adaptados para o cinema. Ele teve até mesmo um dinossauro baseado com seu nome: Crichtonsaurus bohlini.
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Velociraptor Segundo as Teorias Mais Recentes |
*A Teoria do Caos começou a ganhar força na década de 60, quando Edward Lorentz divulgou sua teoria do "Efeito Borboleta": o bater das asas de uma borboleta em Tóquio pode causar uma tempestade em Nova York. Exageros à parte, a Teoria do Caos é um ramo muito importante da matemática que se propõe a estudar sistemas complexos, aqueles com um grande número de variáveis e iterações, muitas vezes representados por equações não-lineares. Uma característica fundamental desses sistemas é sua alta sensibilidade às condições iniciais. Foi estudado que, ao tentar representar matematicamente a formação de uma simples nuvem, uma alteração de 0,0000001% em uma das variáveis no início da formação pode gerar uma alteração gigantesca e completamente imprevisível no resultado final.
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