segunda-feira, 3 de outubro de 2016

[RESENHA] Batman: O Homem que Ri



Se existe um personagem dos quadrinhos que desperta um grande fascínio e interesse por parte dos leitores, este personagem é o Coringa. Sua popularidade transcende as páginas dos gibis para as mais diversas formas de entretenimento, como o cinema, a TV e os games, atraindo a atenção de pessoas de todas as idades e gêneros. Figurando em diversas listas como o maior vilão de quadrinhos de todos os tempos, o Coringa possui um apelo maior até mesmo do que seu arqui-inimigo: o Batman. Mas afinal, qual seria a razão de tamanho sucesso?

A explicação repousa naquilo que o Coringa representa: ele evoca a ideia de anarquia, de liberdade absoluta de ações e pensamentos, de independência de tudo aquilo que amarra o ser humano e o faz agir de maneira "certinha". O Coringa sempre faz o que quer, quando quer, e suas ações são o completo oposto da ordem e da lógica, que têm controlado o nosso mundo e  regido a humanidade desde que aprendemos a raciocinar. Num mundo em que cada vez há mais regras e leis, é natural que as pessoas se identifiquem com símbolos que os inspirem a pensar de maneira diferente. Logicamente, não estou dizendo que isto seja o ideal - as leis ainda são necessárias no atual estágio evolutivo da raça humana - e o mais surpreendente, e o que me faz gostar tanto destes personagens, é que ele não faz sentido sem seu máximo oposto, o Homem Morcego. O Batman representa o contrário do Coringa: ele é a ordem, a lógica, a justiça. Enquanto um é colorido e dotado de um senso de humor sem limites, o outro é sombrio e soturno, sempre focado em sua missão.

As Várias Encarnações do Coringa

Esta relação quase simbiótica entre o Coringa e o Batman existe desde a criação do vilão, o qual, segundo seus próprios criadores, deveria ser a nêmese perfeita, um vilão capaz de fazer frente ao Maior Detetive do Mundo, porém diferente dos outros gângsters e bandidos da época. A primeira aparição do Coringa nos quadrinhos foi na histórica primeira edição da revista Batman, em abril de 1940, e a autoria de sua criação sempre foi motivo de muita discórdia: Bill Finger e Bob Kane, além de Jerry Robinson, morreram disputando os créditos pela criação do personagem. Uma coisa, porém, é indiscutível: uma das maiores inspirações para seu visual foi o personagem Gwynplaine, interpretado pelo ator Conrad Veidt, do filme O Homem que Ri, de 1928.  No filme, o personagem de Veidt também tem o rosto desfigurado numa aparência de sorriso macabro, mas as semelhanças param por aí: ao contrário do Coringa, Gwynplaine não é um homem mau, sendo apenas alguém que sofre preconceito por sua aparência grotesca, como o Corcunda de NotreDame.

Gwynplaine e o Coringa

Apesar de a origem do Coringa ter sido explicada na aclamada Graphic Novel de Alan Moore A Piada Mortal, o primeiro confronto de verdade entre o Palhaço do Crime e o Cavaleiro das Trevas só havia sido retratado em Batman #1. Décadas se passaram sem que este encontro fosse mostrado sob uma ótica mais moderna e atualizada, até que, em 2005, a DC Comics contratou o excelente roteirista Ed Brubaker (Gotham Central, Capitão América: O Soldado Invernal) para narrar este encontro, e assim nasceu a excelente O Homem que Ri.

Como fez em sua histórica passagem pela HQ do Capitão América, Brubaker cria uma trama nova, porém preservando os principais elementos das histórias clássicas. Ele não hesita em tomar como base o enredo criado por Bob Kane, no qual o Coringa  ameaça matar importantes cidadãos de Gotham City com sua toxina do riso, e desafia as autoridades a detê-lo. Estão lá todos os personagens: o milionário Henry Claridge, primeira vítima do bandido na trama original, assim como Jay Wilde e o juiz Drake. O autor também mostra que o Coringa testou várias versões de sua toxina em uma série de cobaias, antes de usar a versão definitiva em suas vítimas selecionadas. O quadro presente logo nas primeiras páginas em que Gordon descobre um porão repleto de vítimas dos "testes" do Coringa já nos informa que estamos acompanhando uma história de investigação de assassinatos com tons macabros: a inocência do início do século passado ficou para trás.

Batman Descobre a Identidade do Coringa

Brubaker também toma cuidado para situar sua história nos primeiros anos de atuação do Batman, quando o Comissário de Polícia de Gotham City era Peter Grogan (Loeb já havia caído após os eventos de Ano Um) e Gordon era apenas Capitão da força policial. Outra característica que ele "rouba" de Ano Um é o método de contar a história através dos pontos de vista distintos de Batman/Bruce Waye e do Comissário Gordon, porém com menos foco em seus dilemas pessoais.  Além disso, ele faz ligação direta com os acontecimentos de A Piada Mortal, de modo que não demora muito para Batman deduzir que o Coringa e o criminoso vestido como Capuz Vermelho que caiu no tanque de resíduos químicos são a mesma pessoa. Até mesmo a fábrica de produtos químicos ACE desempenha um importante papel na trama de Brubaker.

O Coringa Faz Outra Vítima

Embora seja uma história relativamente curta, contando com apenas 65 páginas, Brubaker dá um aula de como construir um roteiro eficiente e conciso. A trama transcorre de forma dinâmica e repleta de ação, e é impossível fechar a revista antes de chegar à última página. O que a conclusão traz de mais importante é a primeira vez em que o Batman se depara com a decisão crucial ao lidar com um criminoso diferente de todos os quais já havia enfrentado, e que Moore explora mais profundamente em A Piada Mortal: a de matar ou não o Coringa; violar seu juramento sagrado ou viver para sofrer as consequências dos atos do vilão insano.

Quanto à arte de Doug Mankhe, o artista desempenha com competência sua tarefa, porém nada mais que isso. O visual de seu Coringa remete à caracterização cômica das histórias clássicas do vilão, porém dotado de um inconfundível ar de insanidade característico das versões mais atuais.

Embora O Homem Que Ri não possa ser considerada um grande clássico nem a melhor protagonizada pelo Palhaço do Crime, trata-se de uma ótima história de origem deste que é um dos personagens de quadrinhos mais importantes dos últimos anos. Esta HQ faz parte da coleção de Graphic Novels da Eaglemoss, no mesmo encadernado que outra grande história do Coringa (esta sim, um clássico!): Asilo Arkham de Grant Morrison. Boa leitura!

Capa de O Homem que Ri

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