segunda-feira, 16 de outubro de 2017

RESENHA | Os Supremos - Volume 1


A chegada do ano 2000 encontrou o mercado de quadrinhos em crise, devido às quedas sucessivas de vendas registradas nos anos anteriores, e a editora que mais sofreu com esta crise foi a Marvel Comics, que no final da década de 90 encontrava-se a beira da falência. Os motivos dessa crise foram vários: os leitores da época simplesmente se cansaram das imensas e complicadas sagas que dominavam as publicações dos anos 90 (como estamos falando da Marvel, cito como único exemplo a Saga do Clone do Homem Aranha), a ideia de personagens coloridos e com nomes espalhafatosos já não era mais tão atrativa, os roteiristas sofriam da falta de ideias originais, e imaginavam que apenas violência exagerada associada a traços absurdos seriam o suficiente para prender os leitores. Somando-se a estes fatores uma enorme bagagem cronológica que era necessário absorver para entender tudo que estava acontecendo com a miríade de super heróis que vovoavam as HQ's, chegou-se à fórmula perfeita para uma debandada de leitores para outras mídias. No meu caso, na época com 11-12 anos, os filmes das franquias Harry Potter e O Senhor dos Anéis, e animes como Dragon Ball Z eram muito mais interessantes do que quadrinhos.

Era consenso na Casa das Ideias que a solução para este problema passava por uma "volta às origens" de seus principais personagens, porém um reboot como o que a DC empreendera no final da década de 80 com a Crise nas Infinitas Terras estava fora de questão: um evento desta magnitude na Marvel poderia trazer mais problemas do que soluções; além disso, a própria Marvel já havia tentado algo parecido com o crossover Heróis Renascem, que se tornara um verdadeiro desastre e só piorara a situação da editora. Foi então que o advogado Bill Jemas propôs a criação de um novo selo, que mostraria os principais personagens da Marvel nos seus primeiros anos, mas com as histórias contextualizadas para o início do ano 2000. Esta foi a gênese do Universo Ultimate, que nasceu com a publicação de Homem Aranha Ultimate, escrita pelo então novato Brian Michael Bendis. Depois do Teioso, os X-Men também receberam uma versão Ultimate, mas ainda faltava entrar neste bolo os Heróis Mais Poderosos da Terra. Para escrever e desenhar a versão Ultimate dos Vingadores foram convocados Mark Millar e Bryan Hitch, que acabavam de encerrar sua passagem pela HQ Authority, da Wildstorm, e o que eles fizeram... bem, eles simplesmente presentearam os fãs de quadrinhos com uma das melhores obras da década de 2000!

Os Supremos

A tarefa de contar a história do primeiro encontro dos Vingadores não era nada fácil. Como juntar um grupo de heróis tão diferentes entre si em uma narrativa coerente e convincente, capaz de agradar aos exigentes leitores do Novo Milênio? Mark Millar manteve alguns dos elementos mais clássicos da história dos Vingadores, como o Capitão América ter permanecido congelado desde a 2ª Guerra Mundial, porém todo o resto foi alterado, e a organização de espionagem S.H.I.E.L.D. teve um papel central na reunião dos heróis, em especial Nick Fury, que no Universo Ultimate teve sua etnia alterada para se parecer com o ator Samuel L. Jackson (sim, o ator já estava escalado para viver o diretor da S.H.I.E.L.D. antes mesmo que o Universo Marvel nos Cinemas fosse criado!). Fury reúne os Vingadores, que aqui recebem o nome nada modesto de Os Supremos, como uma carta na manga dos governo dos EUA contra ameaças que as forças armadas comuns não fossem capaz de lidar (mutantes, seres humanos aprimorados, alienígenas, etc.). Millar aproveita o contexto histórico da época - as intervenções militares dos EUA no Oriente Médio após os atentados de 11 de Setembro - para introduzir a ideia das "pessoas de destruição em massa", uma nova modalidade de arma utilizada pelo Tio Sam para intimidar seus inimigos, e o autor não poupa críticas à política de guerra implementada por George W. Bush. 

Outro aspecto marcante do roteiro de Mark Millar são seus personagens. Uma das grandes diferenças entre os heróis da Marvel e da DC é que, enquanto na editora das Lendas seus heróis são quase deuses, fazem tudo certo e praticamente não têm defeitos, os heróis da Marvel são mais humanos, passam pelos mesmos problemas e dificuldades que as pessoas comuns, entretanto, mesmo para os padrões da Marvel os Supremos são humanizados ao extremo. O Capitão América é um homem de 80 anos preso no corpo de um jovem de 30, ultraconservador e que resolve aquilo que acha errado com os punhos; o Gigante e a Vespa possuem problemas sérios de relacionamento (uma das cenas mais polêmicas da HQ foi protagonizada pelo casal); o Hulk é um monstro no sentido mais literal, perverso, depravado e assassino; e Tony Stark... este continua sendo um bêbado, mas um bêbado divertido. Apesar das mudanças citadas, estes personagens mantiveram a essência de suas contrapartes do universo regular, o que não se pode falar do Thor. O Deus do Trovão foi o que sofreu alterações mais profundas em Os Supremos. Em nenhum momento da história fica claro se ele é de fato um deus ou apenas um hippie maluco com superpoderes (esta questão só seria respondida no segundo volume). Pelo menos ele continua sendo um dos personagens mais badass do supergrupo. 

O Hulk

A arte de Bryan Hitch é simplesmente sensacional, e casa perfeitamente com o roteiro de Mark Millar. Seus desenhos são bastante detalhistas, suas cenas de ação são nada menos que cinematográficas. Ele manda muito bem nas expressões faciais dos personagens que desenha, conseguindo transparecer os sentimentos de cada um, o que é muito bom para uma história que carece dos chamados balões de pensamento. Muitos personagens retratados na trama são baseados em pessoas reais, já que ele utilizou muitas fotografias para desenhar. O artista também pesquisou muito para que tudo soasse extremamente real, principalmente nas cenas que se passavam no período da 2ª Guerra. 

Não considero que Os Supremos tenham revolucionado o gênero das histórias de equipes de super heróis (esta HQ não faz nada que Watchmen ou The Authority não tenham feito: humanizar personagens, desconstruir o conceito do herói perfeito, mostrar os heróis sendo autoritários e violentos, etc.), mas foi uma HQ que elevou os principais heróis da Marvel a um novo patamar, e deixou um importante legado. O principal foi ter sido a semente para o Universo Cinematográfico da Marvel. Se você ler esta HQ e compará-la com o filme Os Vingadores, de 2012, perceberá que os roteiristas praticamente adaptaram o primeiro volume de Os Supremos no primeiro filme da franquia. E o motivo disso é bastante simples: o roteiro de Mark Millar é realista ao ponto de consideramos possível a existência de um grupo assim, mas também espalhafatoso como qualquer história de super-heróis.

Os Supremos - Volume 1 foi concebido como uma minissérie em 13 edições, e saiu na coleção de Graphic Novels de capa preta da Salvat em duas edições que compilaram os dois arcos da trama. Se você é um apenas um leitor que vai consumir esta história, se divertir com ela e depois seguir em frente, a coleção da Salvat está de bom tamanho. Mas se você for, além de leitor de quadrinhos, um colecionador exigente, que se preocupa com a qualidade e o acabamento do material, aí eu recomendo a Edição Definitiva da Panini, que está belíssima (e dependendo da promoção que você pegar sai até mais barato comprar a Edição Definitiva do que os dois volumes da Salvat).Seja qual for a sua escolha, saiba que terá em mãos uma HQ de qualidade, daqueles poucos tipos em que roteiro e arte se combinam para produzir uma verdadeira obra de arte. Boa leitura!

Capa da Edição Definitiva de Os Supremos Vol. 1

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