Apesar do Homem de Ferro ser um dos heróis mais famosos da atualidade, graças, em grande parte, à brilhante atuação de Robert Downley Jr. no papel de Tony Stark nos filmes da Marvel, o personagem possui poucas histórias em quadrinhos solo realmente boas, o que não é de espantar já que, até meados da década de 2000, ele era um herói do segundo escalão da Casa das Ideias, conhecido apenas pelo público consumidor de quadrinhos. No entanto, esta condição começou a mudar após o reboot que o Universo Marvel dos quadrinhos sofreu durante a controversa saga Vingadores: A Queda, após a qual todos os principais títulos da editora foram zerados. Extremis foi o primeiro arco da nova fase da revista The Invencible Iron Man (Vol. 4), e durou seis edições que foram publicadas entre os anos de 2006 e 2007. Escrita por Warren Ellis e desenhada pelo bósnio Adi Granov, esta saga teve como objetivo reformular o Homem de Ferro para uma nova geração de leitores, e serviu como principal fonte de inspiração para o roteiro do filme Homem de Ferro, de 2008, que tornou o Vingador Dourado um dos ícones da cultura geek.
A história se inicia quando um cientista da empresa Futurepharm contrabandeia um soro experimental para um grupo terrorista de extrema direita (será coincidência que o soro seja chamado de Extremis?), como forma de testar o experimento em uma cobaia humana. Esta substância, meio biológica meio eletrônica, foi criada com o intuito de emular as características do soro do supersoldado do Capitão América, e tem a capacidade de reescrever a "planta" do corpo humano que existe dentro do cérebro, substituindo-a por uma totalmente nova e aprimorada. Uma das cientistas-chefe deste projeto, a Drª Maya Hansen, antiga colega de Tony Stark, resolve pedir a sua ajuda para solucionar este problema de segurança, fazendo com que o Homem de Ferro entre em rota de colisão com os terroristas.
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A Armadura do Homem de Ferro |
O roteiro de Warren Ellis é simples, porém eficaz em sua proposta de estabelecer um novo status quo para o Homem de Ferro. Ao mesmo tempo em que ele revisa a origem do herói, trazendo-a para um contexto mais atual, o roteirista britânico rompe com o antigo paradigma de que homem e máquina são entidades separadas, ou seja, de que a armadura do Homem de Ferro era apenas uma ferramenta utilizada pelo ser humano que a vestia. De maneira ousada, Warren Ellis elimina este abismo que separava o homem da máquina, fundindo-os em um novo ser humano aprimorado. E o mais interessante é que, ao fazer isso, ele traça um paralelo com a primeira origem do herói: na história de 1963, o fabricante de armas Tony Stark é atingido por estilhaços após a detonação de uma de suas próprias bombas, e para sobreviver ele desenvolve uma armadura que lhe permite ficar vivo; agora, Tony é novamente ferido, desta vez em um combate com o terrorista aprimorado pelo Extremis, e, com a ajuda da Drª Maya, ele utiliza o próprio Extremis para armazenar os circuitos de controle da armadura do Homem de Ferro dentro de seus próprios ossos. De bônus, ele ganha o poder de se comunicar com artefatos eletrônicos com a própria mente. Muita gente torceu o nariz para esta mudança, alegando que Warren Ellis teria ido longe demais ao transformar o Homem de Ferro em um ser humano aprimorado, porém na minha opinião este foi um caminho natural para um personagem cujos poderes dependem de tecnologia em plena era da revolução tecnológica.
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Armadura Original do Homem de Ferro |
Outra característica positiva do enredo de Extremis são os diálogos entre os personagens. Em diversas ocasiões, Warren Ellis suscita o debate sobre o aspecto moral e ético do financiamento militar de descobertas tecnológicas e suas consequências na consciência do protagonista. Duas das cenas mais marcantes desta HQ são a entrevista de Tony Stark a um repórter de documentário e ativista de direitos humanos, que atribui a Stark a responsabilidade pelas mortes de inocentes causadas pelas armas comercializadas por sua empresa, e o diálogo entre Tony e Maya com seu antigo mentor, "Sal" Kennedy, um cientista excêntrico dado ao consumo de cogumelos psicotrópicos e crítico radical de cientistas que vendem sua ética em troca de financiamento para suas pesquisas, ainda que por objetivos nobres. Esta dicotomia presente no caráter de Tony Stark também é aproveitada no roteiro do filme de 2008, e um dos principais fatores motivadores para a construção da armadura do Homem de Ferro, como uma forma do herói compensar as mortes que causou.
A arte de Adi Granov é exuberante em todo o seu realismo. Não poderia haver um ilustrador melhor para uma história do Homem de Ferro. Seu traço e suas cores conferem uma solidez impressionante às armaduras de Tony Stark, e o design das armaduras do Homem de Ferro desenhadas por ele é um dos mais bonitos que já vi até hoje - moderno, mas sem abrir de mão das características clássicas. As cenas de ação também são muito bem trabalhadas, e, embora a violência exacerbada, tão comum aos roteiros de Warren Ellis, esteja presente em seus quadros, é claramente atenuada para adequar a obra à faixa etária dos principais consumidores, através de um uso inteligente de sombras e da mudança na cor do sangue, por exemplo. A arte de Adi Granov chamou a atenção do cineasta John Fraveau, diretor dos dois primeiros filmes do Homem de Ferro, que convidou o desenhista para trabalhar na arte conceitual dos filmes da Marvel.
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A Nova Armadura do Homem de Ferro |
Um roteiro inteligente e corajoso aliado à uma arte impecável faz de Homem de Ferro: Extremis é uma das melhores histórias do Homem de Ferro, superada talvez apenas por Guerra Civil e O Demônio na Garrafa. Ela é um excelente ponto de partida para os novos leitores que querem conhecer mais sobre a trajetória do personagem nos quadrinhos, mas não têm saco para ler todo o material prévio do herói.
Extremis foi publicada recentemente na coleção de capa preta da Salvat, e também pela Panini Comics na coleção Marvel Deluxe, que reúne as principais sagas da Marvel após A Queda em encadernados com excelente acabamento de luxo, de modo que este material está facilmente acessível. Boa leitura!
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Capa da Edição Deluxe de Homem de Ferro: Extremis |
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