segunda-feira, 23 de outubro de 2017

RESENHA | John Constantine, Hellblazer - Infernal Volume 2: Sangue Real


Quem acompanha a revista Hellblazer desde a fase capitaneada por Jamie Delano até as primeiras edições da fase Garth Ennis já percebeu que a vida de John Constantine não é um mar de rosas; na verdade, dizer isto seria até generosidade demais: a verdade é que a vida de John Constantine é uma m&rd@! Todos aqueles que se consideram seus amigos acabam morrendo, as mulheres que ele namora ou encontram o mesmo fim ou o abandonam, e toda vez que ele pensa que vai sossegar e viver o resto de sua vida em paz, alguma assombração, demônio ou entidade sobrenatural aparece para virar sua vida de ponta cabeça. Mas agora as coisas parecem finalmente estar se acertando. Ele se livrou de um câncer de pulmão, colocou o Primeiro dos Caídos em cheque-mate e de quebra ganhou o coração da bela irlandesa Kit Ryan. Pelo menos por algumas edições, Constantine está feliz.

Na trama principal deste encadernado - o segundo volume da coleção da Panini Comics que compila toda a fase de Garth Ennis à frente da revista Hellbalzer - um importante membro da família real britânica é possuído por um demônio chamado Calibraxis, e começa a assassinar pessoas aleatoriamente e de forma brutal. Por razões legais óbvias, em nenhum momento o nome do personagem é revelado, mas pelas pistas deixadas pelo autor trata-se do príncipe Charles. Para quem não vive no Reino Unido ou não é fã de carteirinha da prole da Rainha Elisabeth II, fica meio difícil pescar as referências, porém com um pouco de pesquisa dá para entender algumas coisas (segue aqui um pequeno guia da realeza londrina). Constantine é então chamado para resolver o caso e salvar a imagem do distinto príncipe, mas é claro que ele irá resolver tudo nos seus termos.

O Príncipe Possuído

Durante a investigação, Constantine acaba descobrindo uma informação chocante: o demônio que possuiu o príncipe é o mesmo que, um século atrás, deixou um rastro de sangue pela velha Londres ao possuir o corpo do assassino conhecido como Jack, o Estripador. A maioria das críticas na Internet sobre esta história a colocam em um patamar inferior aos outros arcos de Garth Ennis, e o principal motivo foi o autor dar uma versão simplista para a história do assassino serial mais famoso do mundo, principalmente se comparada à obra consagrada de Allan Moore sobre o tema, Do Inferno. Em primeiro lugar, é até covardia querer comparar uma história de Garth Ennis com um enredo escrito pelo mago dos quadrinhos, já que o estilo de ambos é muito diferente. Em segundo lugar, a referência a Jack, o Estripador é feita apenas para fisgar a atenção do leitor e nada mais; não tem nenhuma importância real para a trama, e se fosse omitida da história faria muito pouca diferença no resultado final. O único objetivo de Sangue Real é achincalhar com os governantes do Reino Unido, e por meio disso fazer uma crítica social. Isto o irlandês faz muito bem.

Deixando de lado as polêmicas, esta não é a melhor história de Garth Ennis, mas também não é a pior. Seu enredo é mediano, a conclusão do arco segue a mesma linha das histórias do maior mago e vigarista do mundo, com ele resolvendo o caso utilizando mais astúcia do que magia propriamente dita. Já a explicação das circunstâncias da possessão do príncipe e as motivações do verdadeiro vilão da história deixaram um pouco a desejar.

Esta obra possui alguns marcos dignos de nota. Foi nela que Constantine e Kit Ryan começaram a morar juntos, sob a condição de que J. C. não a envolveria em seus problemas místicos (alguém aqui ainda acha que isso não vai acontecer?). O personagem Nigel Archer, um jornalista revolucionário de esquerda com poderes sobrenaturais e que constantemente se envolve nas tramas de Constantine, é introduzido neste arco. E na edição #52 o ilustrador Glenn Fabry fez a sua estreia desenhando as capas de Hellblazer, numa relação que perdurou por dezenas de edições.

Capa da Edição #52, por Glenn Fabry

Se a trama principal não agrada a todos os gostos, uma coisa é incontestável: é nas histórias curtas que este encadernado realmente brilha. Logo na primeira edição somos apresentados ao "Senhor da Dança", o espírito (irlandês, é claro) da farra. Ele está deprimido porque acredita que desde a chegada do cristianismo os homens pararam comemorar sua data (por acaso, o Natal) como antes, em meio a banquetes, danças, surubas, etc, mas Constantine mostra para ele que nem tudo está perdido, e que o espírito irlandês ainda está muito vivo em alguns lugares. Foi nesta edição que o desenhista Steve Dillon fez sua estreia em Hellblazer.

A edição seguinte é talvez a melhor deste volume. Nela somos apresentados ao Rei dos Vampiros, que pretende transformar Constantine num bebedor de sangue. Ela é a melhor história deste encadernado simplesmente pela sua conclusão, bem a la Constantine, que pode ser comparada à conclusão do arco Hábitos Perigosos, já que ele derrota o Rei dos Vampiros utilizando toda sua malandragem e astúcia, escapando ileso de ser devorado vivo por um bando de mortos-vivos. E possível notar que Garth Ennis faz algumas referências à Brigada dos Encapotados, um grupo de magos e ocultistas que se reune pela primeira vez na HQ Os Livros da Magia, escrita por Neil Gayman em 1991.

A terceira e última edição curta é Conte até 10, uma espécie de horror psicológico protagonizado por Constantine, e que se passa dentro de uma lavanderia à noite. Esta edição foi escrita por um tal de John Smith, um pseudônimo bastante comum utilizado por escritores ingleses que não querem ser reconhecidos em determinada obra, e se passa em um período não definido da cronologia do anti-herói. Em suma, é uma história tapa buraco.

John Constantine, Hellblazer -  Infernal Volume 2 reúne as edições #49 a #55 da revista Hellblazer, publicadas nos EUA em 1992, em um encadernado com capa cartão e papel  LWC, com roteiros de Garth Ennis e John Smith, e desenhos de William Simpson, Sean Philips e Steve Dillon.

Espero que tenham gostado desta resenha. Para acessar minhas análises dos outros volumes, clique aqui. Boa leitura! 

Capa de Hellblazer - Infernal Vol. 2

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

RESENHA | Os Supremos - Volume 1


A chegada do ano 2000 encontrou o mercado de quadrinhos em crise, devido às quedas sucessivas de vendas registradas nos anos anteriores, e a editora que mais sofreu com esta crise foi a Marvel Comics, que no final da década de 90 encontrava-se a beira da falência. Os motivos dessa crise foram vários: os leitores da época simplesmente se cansaram das imensas e complicadas sagas que dominavam as publicações dos anos 90 (como estamos falando da Marvel, cito como único exemplo a Saga do Clone do Homem Aranha), a ideia de personagens coloridos e com nomes espalhafatosos já não era mais tão atrativa, os roteiristas sofriam da falta de ideias originais, e imaginavam que apenas violência exagerada associada a traços absurdos seriam o suficiente para prender os leitores. Somando-se a estes fatores uma enorme bagagem cronológica que era necessário absorver para entender tudo que estava acontecendo com a miríade de super heróis que vovoavam as HQ's, chegou-se à fórmula perfeita para uma debandada de leitores para outras mídias. No meu caso, na época com 11-12 anos, os filmes das franquias Harry Potter e O Senhor dos Anéis, e animes como Dragon Ball Z eram muito mais interessantes do que quadrinhos.

Era consenso na Casa das Ideias que a solução para este problema passava por uma "volta às origens" de seus principais personagens, porém um reboot como o que a DC empreendera no final da década de 80 com a Crise nas Infinitas Terras estava fora de questão: um evento desta magnitude na Marvel poderia trazer mais problemas do que soluções; além disso, a própria Marvel já havia tentado algo parecido com o crossover Heróis Renascem, que se tornara um verdadeiro desastre e só piorara a situação da editora. Foi então que o advogado Bill Jemas propôs a criação de um novo selo, que mostraria os principais personagens da Marvel nos seus primeiros anos, mas com as histórias contextualizadas para o início do ano 2000. Esta foi a gênese do Universo Ultimate, que nasceu com a publicação de Homem Aranha Ultimate, escrita pelo então novato Brian Michael Bendis. Depois do Teioso, os X-Men também receberam uma versão Ultimate, mas ainda faltava entrar neste bolo os Heróis Mais Poderosos da Terra. Para escrever e desenhar a versão Ultimate dos Vingadores foram convocados Mark Millar e Bryan Hitch, que acabavam de encerrar sua passagem pela HQ Authority, da Wildstorm, e o que eles fizeram... bem, eles simplesmente presentearam os fãs de quadrinhos com uma das melhores obras da década de 2000!

Os Supremos

A tarefa de contar a história do primeiro encontro dos Vingadores não era nada fácil. Como juntar um grupo de heróis tão diferentes entre si em uma narrativa coerente e convincente, capaz de agradar aos exigentes leitores do Novo Milênio? Mark Millar manteve alguns dos elementos mais clássicos da história dos Vingadores, como o Capitão América ter permanecido congelado desde a 2ª Guerra Mundial, porém todo o resto foi alterado, e a organização de espionagem S.H.I.E.L.D. teve um papel central na reunião dos heróis, em especial Nick Fury, que no Universo Ultimate teve sua etnia alterada para se parecer com o ator Samuel L. Jackson (sim, o ator já estava escalado para viver o diretor da S.H.I.E.L.D. antes mesmo que o Universo Marvel nos Cinemas fosse criado!). Fury reúne os Vingadores, que aqui recebem o nome nada modesto de Os Supremos, como uma carta na manga dos governo dos EUA contra ameaças que as forças armadas comuns não fossem capaz de lidar (mutantes, seres humanos aprimorados, alienígenas, etc.). Millar aproveita o contexto histórico da época - as intervenções militares dos EUA no Oriente Médio após os atentados de 11 de Setembro - para introduzir a ideia das "pessoas de destruição em massa", uma nova modalidade de arma utilizada pelo Tio Sam para intimidar seus inimigos, e o autor não poupa críticas à política de guerra implementada por George W. Bush. 

Outro aspecto marcante do roteiro de Mark Millar são seus personagens. Uma das grandes diferenças entre os heróis da Marvel e da DC é que, enquanto na editora das Lendas seus heróis são quase deuses, fazem tudo certo e praticamente não têm defeitos, os heróis da Marvel são mais humanos, passam pelos mesmos problemas e dificuldades que as pessoas comuns, entretanto, mesmo para os padrões da Marvel os Supremos são humanizados ao extremo. O Capitão América é um homem de 80 anos preso no corpo de um jovem de 30, ultraconservador e que resolve aquilo que acha errado com os punhos; o Gigante e a Vespa possuem problemas sérios de relacionamento (uma das cenas mais polêmicas da HQ foi protagonizada pelo casal); o Hulk é um monstro no sentido mais literal, perverso, depravado e assassino; e Tony Stark... este continua sendo um bêbado, mas um bêbado divertido. Apesar das mudanças citadas, estes personagens mantiveram a essência de suas contrapartes do universo regular, o que não se pode falar do Thor. O Deus do Trovão foi o que sofreu alterações mais profundas em Os Supremos. Em nenhum momento da história fica claro se ele é de fato um deus ou apenas um hippie maluco com superpoderes (esta questão só seria respondida no segundo volume). Pelo menos ele continua sendo um dos personagens mais badass do supergrupo. 

O Hulk

A arte de Bryan Hitch é simplesmente sensacional, e casa perfeitamente com o roteiro de Mark Millar. Seus desenhos são bastante detalhistas, suas cenas de ação são nada menos que cinematográficas. Ele manda muito bem nas expressões faciais dos personagens que desenha, conseguindo transparecer os sentimentos de cada um, o que é muito bom para uma história que carece dos chamados balões de pensamento. Muitos personagens retratados na trama são baseados em pessoas reais, já que ele utilizou muitas fotografias para desenhar. O artista também pesquisou muito para que tudo soasse extremamente real, principalmente nas cenas que se passavam no período da 2ª Guerra. 

Não considero que Os Supremos tenham revolucionado o gênero das histórias de equipes de super heróis (esta HQ não faz nada que Watchmen ou The Authority não tenham feito: humanizar personagens, desconstruir o conceito do herói perfeito, mostrar os heróis sendo autoritários e violentos, etc.), mas foi uma HQ que elevou os principais heróis da Marvel a um novo patamar, e deixou um importante legado. O principal foi ter sido a semente para o Universo Cinematográfico da Marvel. Se você ler esta HQ e compará-la com o filme Os Vingadores, de 2012, perceberá que os roteiristas praticamente adaptaram o primeiro volume de Os Supremos no primeiro filme da franquia. E o motivo disso é bastante simples: o roteiro de Mark Millar é realista ao ponto de consideramos possível a existência de um grupo assim, mas também espalhafatoso como qualquer história de super-heróis.

Os Supremos - Volume 1 foi concebido como uma minissérie em 13 edições, e saiu na coleção de Graphic Novels de capa preta da Salvat em duas edições que compilaram os dois arcos da trama. Se você é um apenas um leitor que vai consumir esta história, se divertir com ela e depois seguir em frente, a coleção da Salvat está de bom tamanho. Mas se você for, além de leitor de quadrinhos, um colecionador exigente, que se preocupa com a qualidade e o acabamento do material, aí eu recomendo a Edição Definitiva da Panini, que está belíssima (e dependendo da promoção que você pegar sai até mais barato comprar a Edição Definitiva do que os dois volumes da Salvat).Seja qual for a sua escolha, saiba que terá em mãos uma HQ de qualidade, daqueles poucos tipos em que roteiro e arte se combinam para produzir uma verdadeira obra de arte. Boa leitura!

Capa da Edição Definitiva de Os Supremos Vol. 1

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

RESENHA | Homem de Ferro: Extremis


Apesar do Homem de Ferro ser um dos heróis mais famosos da atualidade, graças, em grande parte, à brilhante atuação de Robert Downley Jr. no papel de Tony Stark nos filmes da Marvel, o personagem possui poucas histórias em quadrinhos solo realmente boas, o que não é de espantar já que, até meados da década de 2000, ele era um herói do segundo escalão da Casa das Ideias, conhecido apenas pelo público consumidor de quadrinhos. No entanto, esta condição começou a mudar após o reboot que o Universo Marvel dos quadrinhos sofreu durante a controversa saga Vingadores: A Queda, após a qual todos os principais títulos da editora foram zerados. Extremis foi o primeiro arco da nova fase da revista The Invencible Iron Man (Vol. 4), e durou seis edições que foram publicadas entre os anos de 2006 e 2007. Escrita por Warren Ellis e desenhada pelo bósnio Adi Granov, esta saga teve como objetivo reformular o Homem de Ferro para uma nova geração de leitores, e serviu como principal fonte de inspiração para o roteiro do filme Homem de Ferro, de 2008, que tornou o Vingador Dourado um dos ícones da cultura geek.

A história se inicia quando um cientista da empresa Futurepharm contrabandeia um soro experimental para um grupo terrorista de extrema direita (será coincidência que o soro seja chamado de Extremis?), como forma de testar o experimento em uma cobaia humana. Esta substância, meio biológica meio eletrônica, foi criada com o intuito de emular as características do soro do supersoldado do Capitão América, e tem a capacidade de reescrever a "planta" do corpo humano que existe dentro do cérebro, substituindo-a por uma totalmente nova e aprimorada. Uma das cientistas-chefe deste projeto, a Drª Maya Hansen, antiga colega de Tony Stark, resolve pedir a sua ajuda para solucionar este problema de segurança, fazendo com que o Homem de Ferro entre em rota de colisão com os terroristas.

A Armadura do Homem de Ferro

O roteiro de Warren Ellis é simples, porém eficaz em sua proposta de estabelecer um novo status quo para o Homem de Ferro. Ao mesmo tempo em que ele revisa a origem do herói, trazendo-a para um contexto mais atual, o roteirista britânico rompe com o antigo paradigma de que homem e máquina são entidades separadas, ou seja, de que a armadura do Homem de Ferro era apenas uma ferramenta utilizada pelo ser humano que a vestia. De maneira ousada, Warren Ellis elimina este abismo que separava o homem da máquina, fundindo-os em um novo ser humano aprimorado. E o mais interessante é que, ao fazer isso, ele traça um paralelo com a primeira origem do herói: na história de 1963, o fabricante de armas Tony Stark é atingido por estilhaços após a detonação de uma de suas próprias bombas, e para sobreviver ele desenvolve uma armadura que lhe permite ficar vivo; agora, Tony é novamente ferido, desta vez em um combate com o terrorista aprimorado pelo Extremis, e, com a ajuda da Drª Maya, ele utiliza o próprio Extremis para armazenar os circuitos de controle da armadura do Homem de Ferro dentro de seus próprios ossos. De bônus, ele ganha o poder de se comunicar com artefatos eletrônicos com a própria mente. Muita gente torceu o nariz para esta mudança, alegando que Warren Ellis teria ido longe demais ao transformar o Homem de Ferro em um ser humano aprimorado, porém na minha opinião este foi um caminho natural para um personagem cujos poderes dependem de tecnologia em plena era da revolução tecnológica.

Armadura Original do Homem de Ferro

Outra característica positiva do enredo de Extremis são os diálogos entre os personagens. Em diversas ocasiões, Warren Ellis suscita o debate sobre o aspecto moral e ético do financiamento militar de descobertas tecnológicas e suas consequências na consciência do protagonista. Duas das cenas mais marcantes desta HQ são a entrevista de Tony Stark a um repórter de documentário e ativista de direitos humanos, que atribui a Stark a responsabilidade pelas mortes de inocentes causadas pelas armas comercializadas por sua empresa, e o diálogo entre Tony e Maya com seu antigo mentor, "Sal" Kennedy, um cientista excêntrico dado ao consumo de cogumelos psicotrópicos e crítico radical de cientistas que vendem sua ética em troca de financiamento para suas pesquisas, ainda que por objetivos nobres. Esta dicotomia presente no caráter de Tony Stark também é aproveitada no roteiro do filme de 2008, e um dos principais fatores motivadores para a construção da armadura do Homem de Ferro, como uma forma do herói compensar as mortes que causou.

A arte de Adi Granov é exuberante em todo o seu realismo. Não poderia haver um ilustrador melhor para uma história do Homem de Ferro. Seu traço e suas cores conferem uma solidez impressionante às armaduras de Tony Stark, e o design das armaduras do Homem de Ferro desenhadas por ele é um dos mais bonitos que já vi até hoje - moderno, mas sem abrir de mão das características clássicas. As cenas de ação também são muito bem trabalhadas, e, embora a violência exacerbada, tão comum aos roteiros de Warren Ellis, esteja presente em seus quadros, é claramente atenuada para adequar a obra à faixa etária dos principais consumidores, através de um uso inteligente de sombras e da mudança na cor do sangue, por exemplo. A arte de Adi Granov chamou a atenção do cineasta John Fraveau, diretor dos dois primeiros filmes do Homem de Ferro, que convidou o desenhista para trabalhar na arte conceitual dos filmes da Marvel.

A Nova Armadura do Homem de Ferro

Um roteiro inteligente e corajoso aliado à uma arte impecável faz de Homem de Ferro: Extremis é uma das melhores histórias do Homem de Ferro, superada talvez apenas por Guerra Civil e O Demônio na Garrafa. Ela é um excelente ponto de partida para os novos leitores que querem conhecer mais sobre a trajetória do personagem nos quadrinhos, mas não têm saco para ler todo o material prévio do herói.

Extremis foi publicada recentemente na coleção de capa preta da Salvat, e também pela Panini Comics na coleção Marvel Deluxe, que reúne as principais sagas da Marvel após A Queda em encadernados com excelente acabamento de luxo, de modo que este material está facilmente acessível. Boa leitura!

Capa da Edição Deluxe de Homem de Ferro: Extremis

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

RESENHA | Batman: O Legado do Demônio


Gotham quase foi destruída por uma praga, se não fosse pela atuação do Cavaleiro das Trevas e seus ajudantes. No entanto, agora é a humanidade que corre perigo de extinção se uma praga ainda pior for liberada. O responsável, ou melhor, os responsáveis por esta nova epidemia são dois dos mais perigosos inimigos do Batman: Ra's al Ghul, líder supremo da organização criminosa internacional chamada Cabeça do Demônio, e Bane, um brutamontes com intelecto de gênio que ostenta o título de ter sido o único a quebrar o Morcego.

O Legado do Demônio foi um crossover publicado nas revistas Batman, Detective Comics, Shadow of the Bat, Catwoman e Robin, no ano de 1996, e foi uma continuação direta do arco Contágio. Como é característica dessas sagas que se espalham por vários títulos, diversos roteiristas e desenhistas colaboraram para esta história, mas neste caso quem mais se destacou foi o roteirista Chuck Dixon. Independentemente da qualidade de seus enredos, é impressionante a quantidade de títulos que ele capitaneou naquela época, todos ligados ao universo do Batman. Dos cinco títulos listados acima, ele esteve à frente de três. Já com relação à arte, nenhum nome desponta, mas isso já era esperado, já que a arte não costumava ser um dos pontos fortes dos quadrinhos publicados durante a década conhecida como a Idade das Trevas dos Quadrinhos. Os desenhos variam de ruim a regular, dependendo do título e do artista envolvido.

A Roda das Pragas

O roteiro, embora não proporcione nenhuma reviravolta impressionante ou traga uma ideia ousada ou revolucionária, cumpre bem sua função, que é divertir o leitor com uma boa história de aventura. A trama gira em torno da missão do Batman e seus dois principais discípulos, Robin e Asa Noturna, de impedir que os asseclas de Ra's al Ghul liberem um vírus mortal em 4 grandes cidades do mundo. O objetivo do vilão continua o mesmo: provocar a morte de grande parte da humanidade afim de tornar a vida no planeta sustentável, e garantir que sua descendência governe os que restarem. Só que desta vez ele escolheu outra pessoa para desposar sua filha Talia: o vilão Bane, que faz sua primeira aparição após o arco A Queda do Morcego.

Os roteiristas tentam resgatar o clima "Indiana Jones" dos primeiros encontros do Batman com Ra's al Ghul, com os espaços enclausurados e chuvosos da grande metrópole sendo substituídos por paisagens mais abertas e quentes dos desertos africanos. Até mesmo a cena do Batman lutando sem camisa (e de capuz!) travando uma batalha de espadas contra seu nêmese é reproduzida novamente na terceira edição do crossover, remetendo ao primeiro confronto entre os adversários lá em Batman #244, de 1972. Mas falta um pouco de bom senso aos roteiristas quando tentam empurrar goela abaixo dos leitores da virada do milênio, muito mais exigentes do que aqueles da década de 70, que uma civilização anterior a dos egípcios seria capaz de criar um dispositivo que manipulasse DNA para criar diversos tipos de vírus.

Bane

Batman: O Legado do Demônio com certeza não é um arco obrigatório nem um grande clássico do Homem Morcego, mas recomendo sua leitura para entender a cronologia de suas publicações. É o típico feijão com arroz do bem contra o mal, sem compromisso com arte ou roteiros inovadores, mas com a vantagem de ver o Batman e sua equipe enfrentarem dois dos vilões formidáveis de sua galeria. Esta história também funciona como a conclusão do arco Contágio, além de ter ganhado uma prequel em 4 edições intitulada Bane do Demônio, na qual Chuck Dixon narra como Bane e Ra's al Ghul se tornaram aliados. Boa leitura!  

Capa de Detective Comics #700

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

RESENHA | Batman: Contágio


O Batman já enfrentou todo tipo de ameaça - assassinos psicopatas, monstros horripilantes, policiais corruptos e organizações criminosas são apenas alguns exemplos da escória com a qual ele tem que lidar todas as noites para proteger seu lar, Gotham City, porém em março de 1996 o Cavaleiro das Trevas se viu diante de um inimigo contra o qual suas habilidades marciais, batarangues e demais aparatos tecnológicos eram completamente ineficazes, um adversário ao mesmo tempo invisível e mortal, que não poderia ser aterrorizado, ameaçado ou persuadido: o vírus Ebola Golfo-A, mais conhecido como o Esmagador. Gotham City foi vítima de uma praga sem precedentes, e o Cruzado Encapuzado precisou de toda ajuda possível para impedir que sua amada cidade se transformasse em um gigantesco cemitério.

Em se tratando de um crossover, tática comercial bastante comum no mundo dos quadrinhos para aumentar os lucros das editoras, a história se desenrola por diversos títulos ligados ao BatverseRobinMulher GatoAzraelDetective ComicsShadow of the Bat e a própria revista Batman. Diversos escritores colaboraram para a construção do enredo, como Alan Grant, Chuck Dixon e Dennis O'Neil. Apesar de original em uma história em quadrinhos, o roteiro de Contágio não apresenta nada de novo, ostentando todos os elementos já bastante manjados de uma trama sobre epidemias: a corrida contra o tempo em busca de uma cura, que provavelmente se encontra no sangue de um paciente imune; o desespero das pessoas cujos entes queridos contraíram o vírus; além de revoltas, saques, secreções, pústulas e muito, muito sangue. Apesar disso, a história não chega a ser necessariamente ruim, e tem lá seus pontos positivos. O que torna Contágio um arco geralmente desprezado pelos fãs é sua arte.

Batman de Kelley Jones

Não bastasse a saga contar com diversos desenhistas, todos eles são ruins! Não tem nenhum que salva! Todos os desenhistas que colaboraram para Contágio estavam contagiados (perdão pelo trocadilho) pelo vírus que se espalhou a partir da Image Comics e que afetou as grandes editoras nos anos 90. Dentre os vários sintomas desse vírus, o principal era o exagero. Tudo, simplesmente tudo era exagerado nos desenhos da época. Músculos, armas, seios, bundas, tudo era anormalmente grande, nem mesmo as "orelhas" do Batman escaparam. Esta época proporcionou os piores visuais para os vários personagens da DC. O velho uniforme cinza e preto do Batman foi substituído por uma versão totalmente preta, mantendo a famosa elipse amarela, remetendo ao filme interpretado por Michael Keaton, de 1989, que trouxe o Batman de volta para os holofotes. Se fosse só isso não ficaria tão ruim, mas deem uma olhada no Batman desenhado por Kelly Jones, na imagem acima. É simplesmente horrível! Ele mais parece uma gárgula do que um vigilante. E não para por aí: temos o Asa Noturna com rabinho de cavalo estilo Steven Seagal, a Mulher Gato vestindo um uniforme branco pavoroso e um Robin que não sabe se é criança, adolescente ou adulto.

Caso o leitor, assim como aquele que vos escreve, decida ignorar a arte e focar apenas no roteiro, encontrará uma história repleta de altos e baixos: o início é bastante promissor, repleto de ação, e focado principalmente em uma improvável aliança entre o Menino-Prodígio e a Mulher Gato para encontrar um homem que talvez tenha a cura para o Esmagador. Entretanto, a história dá uma esfriada no meio, quando o Batman e seus aliados precisam enfrentar uma multidão revoltosa que se volta contra os ricos e abastados de Gotham, os quais se refugiraram em um imenso condomínio de luxo que mais parece uma fortaleza medieval. A história volta a ganhar ritmo perto do fim, quando alguém próximo ao Batman é infectado pelo vírus, e o desespero do Morcego atinge o ponto máximo após todas as suas tentativas de encontrar uma cura falham. A solução para a crise acaba vindo de um aliado improvável: o ex-assassino da Ordem de São Dumas, Azrael (o mesmo que assumira o manto do Morcego no arco A Queda do Morcego). Aliás, é bom que fique registrado que Contágio é mais uma história dos aliados do Batman, que acaba agindo mais como um coadjuvante. Quem rouba a cena são Robin, Mulher Gato e Azrael, este último protagonizando ótimas cenas de ação com suas espadas flamejantes. Também dão o ar da graça Asa Noturna, Oráculo, Caçadora e o assassino de aluguel Hitman.

Azrael

Não considero Batman: Contágio como uma história indispensável do Batman, sendo recomendada apenas para aqueles que se consideram realmente fãs de carteirinha do Cavaleiro das Trevas e querem entender mais sobre sua trajetória. Ainda assim, esta saga teve sua importância, por ter sido precursora de outra megassaga da DC na década de 90, a Terra de Ninguém, que também tem como tema uma catástrofe natural que se abate sobre Gotham City, só que desta vez mais devastadora e mortal. Além disso, Contágio termina com um gancho para a saga Legado do Demônio, que funciona meio que como uma conclusão para a primeira, já que revela quem foi o responsável pela epidemia do Esmagador (é claro que havia um grande vilão do Batman por traz desta ameaça). Para aqueles que se interessaram em ler esta história, ela não foi republicada no Brasil, e, justamente por sua qualidade dúbia, não está no radar da Panini (e nem dos fãs), portanto só é acessível através de importação ou uma cruzada através de sebos e lojas virtuais especializadas. Espero que tenham gostado da minha resenha, e até a próxima. Boa leitura!

Capa da revista Batman #29