sexta-feira, 5 de maio de 2017

RESENHA | Mulher Maravilha: Desafio dos Deuses


Dando sequência à publicação da fase de George Pérez à frente da revista da Mulher Maravilha, a Panini Comics lança em terras tupiniquins a revista Lendas dos Universo DC: Mulher Maravilha por George Pérez Vol.2, um encadernado em capa cartão e papel offset que reúne as edições 8-14 da revista Mulher Maravilha Vol. 2, de 1987, compreendendo uma saga pouco conhecida pelos fãs mais jovens da amazona, mas que figura entre os melhores trabalhos do artista em parceria com o roteirista Len Wein. Desafio dos Deuses, além de reintroduzir uma importante vilã da Mulher Maravilha, traz respostas para algumas das perguntas que haviam ficado no ar em Deuses e Mortais, como por exemplo de onde viera a pistola que as amazonas usaram no teste de Diana, e o que havia de tão perigoso por trás da porta de aço dentro da caverna na Ilha Paraíso.

A história começa logo após a conclusão da batalha contra Ares. A edição 8 serve de ligação entre estes eventos e o restante do Universo DC, fazendo menção à saga Lendas, na qual a heroína teve seu primeiro encontro com os membros da Liga da Justiça. A primeira coisa que se nota nesta edição é que os autores fogem do modelo convencional de quadrinhos ao optarem por narrar estes eventos na forma de texto em prosa, sob a perspectiva das quatro principais personagens femininas que dão apoio à Diana no mundo do patriarcado: a professora Julia Kapatelis, a tenente da Força Aérea Americana Etta Candy, a jovem Vanessa Kapatelis, e a publicitária Myndi Mayer. Assim como no arco anterior, Pérez e Wein buscam estabelecer a Mulher Maravilha no mundo real, e para tanto mostram-na se encontrando com figuras como o presidente Ronald Reagan e até com eles próprios, numa divertida quebra da quarta parede. Esta edição também aborda alguns assuntos sérios: machismo e intolerância religiosa são apenas algumas das reações exibidas pelos líderes mundiais em resposta ao surgimento de uma heroína cuja missão é transmitir ao mundo uma mensagem de paz.

A Nova Mulher Leopardo

A edição seguinte mostra a estreia da nova Mulher Leopardo. A vilã, que durante as Eras de Ouro e de Prata dos quadrinhos era representada como uma mulher normal em uma fantasia de leopardo, desta vez se torna literalmente um híbrido humano/felino após um ritual místico realizado em homenagem a um deus planta. Sua nova identidade é Barbara Ann Minerva, uma arqueóloga britânica cuja maior obsessão é se apossar do Laço da Verdade de Diana. Muito mais violenta e sanguinária do que suas versões anteriores, ela se mostra uma oponente capaz de rivalizar com os poderes da Mulher Maravilha, mas infelizmente a batalha entre estas duas grandes inimigas acaba terminando sem uma conclusão, e a Mulher Leopardo não volta a dar as caras neste encadernado.

O famigerado Desafio dos Deuses tem início logo após Diana retornar para Themyscira, após terminado o prazo de seu período no chamado "mundo do patriarcado". No arco anterior Pérez já havia deixado claro que a incursão da Princesa Diana no nosso mundo ainda não era definitiva, e que ela precisaria retornar à sua ilha natal, uma vez que conseguira realizar a impossível tarefa de derrotar o deus Ares. Além disso, as decepções sofridas pela amazona diante da desconfiança e preconceito do restante do mundo em relação aos seus poderes, e da inesperada oposição aos seus ideais de paz só fizeram aumentar sua vontade de voltar para Themyscira. Era preciso, então fornecer as circunstâncias necessárias para fazê-la decidir voltar ao mundo do patriarcado e se tornrar a heroína que todos conhecemos. Estas circunstâncias vêm na forma de um desafio mortal proposto pelos Deuses do Olimpo, do qual dependia a sobrevivência das amazonas.

Mais importante do que os desafios encarados pela heroína nas profundezas subterrâneas da Ilha Paraíso, é o motivo pelo qual ela foi obrigada a enfrentar estas provas. Tudo começa quando Zeus, influenciado pelo sátiro Pan, desce à Terra e  propõe que a Princesa das Amazonas se deite com ele, como prêmio por ela ter derrotado Ares. Não somente isso, ele deseja transformar o reino das amazonas em seu harém pessoal! Repare que os autores repetem a fórmula da eterna luta da mulher contra a dominação masculina, já abordada no arco anterior, apenas substituindo o semideus Héracles, que escravizara e estuprara as amazonas no passado, por seu pai, Zeus.

Zeus Assedia Diana

Mais uma vez George Pérez utiliza o arsenal de personagens da Mitologia Grega, de modo que, em muitos momentos, mais parece que estamos lendo um dos relatos do período clássico ao invés de uma história em quadrinhos. No entanto, se testemunhar a Mulher Maravilha, trajada com seu formidável traje de guerra, travando batalhas épicas contra criaturas como a Equidna, Hidra, Ciclope, Quimera, Minotauro ou o abominável Coto garantem uma excelente diversão, algumas decisões de roteiro deixam a desejar, embora não sejam de total responsabilidade do roteirista. A insistência das grandes editoras em obrigar suas equipes criativas a interromper um planejamento de meses a fim de que possam se envolver nos famosos crossovers (sagas enormes que interligam diversas revistas da editora) acabam tornando algumas histórias confusas e prejudicando o andamento de sagas que poderiam ter sido muito melhores sem essas intromissões. No caso de Desafio dos Deuses, o impacto da saga Millennium no curso geral da história é pequeno, mas a trama envolvendo a verdadeira identidade de Pan acaba sendo broxante e sem sentido, justamente por não ter nada a ver com o enredo desenvolvido até então por George Pérez e Len Wein.

Ainda assim, considero o saldo desta história bastante positivo. O ponto mais alto do enredo se dá na edição 13, intitulada Ecos do Passado, na qual Pérez explica de forma bastante plausível a relação do uniforme da Mulher Maravilha com a bandeira norte-americana, revelando a verdadeira natureza da relação de Diana com o coronel Steve Trevor. Esta relação, contudo, não é de natureza amorosa, tal como era na versão pré-Crise, pois, como visto no final deste arco, Steve começa a namorar Etta Candy, após ela finalmente se declarar para ele.

Mulher Maravilha Enfrenta a Hidra

Desafio dos Deuses é um épico em diversos sentidos: é a história de coragem e determinação de uma heroína que faz de tudo para salvar seu povo, e que no meio do caminho acaba encontrando as respostas sobre qual a sua verdadeira missão no mundo; é também a história de uma rainha e mãe que, diante da decepção com suas divindades - pelas atitudes de Zeus e pela impotência de suas deusas ante os caprichos do deus - se volta contra elas para proteger sua única filha, mesmo que isso signifique ir contra suas próprias irmãs em armas; e é também uma história de redenção, quando um ciclo de ódio entre homens e mulheres é finalmente interrompido, não pela violência, mas através do perdão e do amor.

Esta é a história que George Pérez desejava contar sobre a Mulher Maravilha desde que fora convidado para guiar a reformulação da heroína após o reboot, mas que não podia sem antes apresentar a nova origem da personagem. Embora eu considere Deuses e Mortais melhor que sua sequência, ainda assim Desafio é uma grande HQ, tanto pelo excelente roteiro como pela arte magistral de Pérez, que  se tornou referência para todos aqueles que viriam a trabalhar nas histórias da maior heroína de todos os tempos.

Boa leitura!

Capa do Vol. 2 de Lendas do Universo DC

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