segunda-feira, 18 de julho de 2016

[RESENHA] REINO DO AMANHÃ

Reino do Amanhã

Por algum motivo, as histórias regulares do Superman não costumam me agradar muito, salvo algumas exceções, como o arco de histórias que marcou a passagem de Geoff Johns (Brainiac, O Último Filho) nos roteiros da mensal do azulão. As melhores histórias do Superman encontram-se nas Graphic Novels, e entre estas há muitas sobre as quais eu gostaria de falar aqui, mas me decidi por Reino do Amanhã, por ser uma história que mergulha fundo na personalidade do herói. Muitos irão argumentar que esta não é uma história unicamente do Superman, pois ele divide espaço em suas páginas com diversos outros heróis do primeiro escalão da editora; entretanto, o Homem de Aço é o personagem central da trama, e tudo gira em torno de suas escolhas e ações.

Além do roteiro espetacular de Mark Waid, o que chama a atenção logo de cara nesta GN é a arte do lendário Alex Ross. O artista norte americano possui uma característica peculiar em seus desenhos: retratar os cenários e personagens da forma mais realista possível, como se suas ilustrações fossem fotografias, mas sem deixar de lado as características básicas que os identificam como pertencentes ao universo dos quadrinhos.

Espectro e Norman McCay

O leitor acompanha o desenrolar dos acontecimentos a partir do ponto de vista do pastor Norman McCay, o qual, guiado pelo anjo vingador Espectro, observa a tudo sob a ótica das profecias apocalípticas que aparecem para ele em sonhos. E assim, na companhia destes dois inusitados indivíduos, somos levados até o que parece ser uma típica fazenda do meio-oeste americano para descobrir que o maior herói do planeta desistiu de lutar pela humanidade para viver uma vida (quase) normal de fazendeiro. A desistência do Superman, contudo, ocasionou a ruptura da Liga da Justiça, de modo que os antigos heróis que a compunham desapareceram ou passaram a atuar na clandestinidade. O vácuo deixado por eles foi preenchido por uma nova geração de indivíduos superpoderosos, os quais não podem nem ser considerados super heróis: impulsivos, imaturos e violentos, eles digladiam-se uns contra os outros sem se importar com a vida de inocentes pegos no fogo cruzado.

A Nova Geração de Meta Humanos

Após uma desastrosa intervenção desses pretensos heróis liderados pelo impetuoso Magog - levando a uma tragédia nuclear que varreu do mapa o estado do Kansas -, Superman decide voltar de seu exílio autoimposto, e consegue reunir a maioria de seus antigos companheiros da Liga com o objetivo de forçar os meta humanos a se sujeitarem às leis. Esta não será uma missão nada fácil: sendo um super herói das "antigas", movido por um forte senso moral e ético, o Superman é considerado antiquado pela nova geração, pouco acostumada a ter alguém que lhes diga o que fazer. Ele acredita fortemente que conseguirá trazer paz ao mundo usando apenas a diplomacia, mas não tarda a perceber que seus métodos são pouco eficazes no mundo atual.

O resultado disso é que, pela primeira vez vemos o Superman indeciso, angustiado por não saber qual a melhor atitude a ser tomada, e acaba deixando suas decisões serem influenciadas pela Mulher Maravilha, que aqui reprisa o papel desempenhado no Cavaleiro das Trevas de Frank Miller - o da guerreira endurecida pelas batalhas e com um forte sentimento de superioridade em relação aos mais fracos. Além disso, ele passa a sofrer resistência de alguns heróis liderados pelo Batman, que não concorda com as atitudes quase fascistas do Superman. O kriptoniano chega ao ponto de criar uma penitenciária para trancafiar aqueles heróis que insistem em permanecer à sombra da lei (outro roteirista, provavelmente inspirado por Waid, viria a utilizar esta mesma ideia na aclamada Guerra Civil, da Marvel).

Superman

Reino do Amanhã apresenta um claro conflito de gerações, confrontando-nos com duas visões completamente opostas acerca desses personagens que consideramos ícones da cultura nerd: o herói clássico, aqui representado pela primeira geração de heróis, representada pelo Superman, que por anos serviram como inspiração para toda uma geração, mas que com o tempo foram se tornando antiquados e obsoletos, transformando-se por fim em meras marcas a serem comercializadas pelo mercado capitalista; e o herói moderno, representado pelos novos meta humanos, cuja única função é promover um entretenimento barato para a geração atual, acostumada com soluções rápidas e debates superficiais.

É inegável que, conforme o tempo avança, é preciso atualizar alguns aspectos dos personagens dos quadrinhos para evitar que fiquem ultrapassados, e fazer com que agradem aos novos fãs, mas este é um processo delicado, já que, se feito às pressas ou de forma drástica, pode acabar pervertendo as características essenciais de alguns personagens, e com isso afastando os leitores mais antigos. A DC Comics conseguiu cumprir esta função com relativo sucesso no final da década de 1980, com a Crise nas Infinitas Terras, porém, pouco mais de 20 anos depois veio outro reboot, e foi aí que as coisas desandaram. Na famigerada fase dos Novos 52 vários personagens sofreram mudanças para se adaptar aos novos tempos, e o que mais sofreu com estas mudanças foi justamente o Superman. Estas mudanças vão além de simples alterações no uniforme (a cueca por cima da calça finalmente desapareceu), alcançando a própria personalidade do herói, que deixou de ser o "escoteiro" e líder nato da Liga da Justiça para figurar como um jovem imaturo, cabeça quente e às vezes até mesmo violento. Essas mudanças acabaram refletindo na representação do personagem nas telonas: o Homem de Aço de Henry Cavill é sisudo e amargurado, não se importando de destruir completamente a cidade que tomou como lar para derrotar um oponente, ao custo da vida de milhares de inocentes.

Heroísmo em Conflito

Acho que é essa uma das principais mensagens que Mark Waid tenta passar com Reino do Amanhã, de que os super heróis precisam se adaptar para sobreviver aos novos tempos, porém sem jamais perder aquilo que é a sua essência mais pura: o senso de justiça que equilibra a balança de poder entre os mais fortes e os mais fracos, e o amor incondicional pela vida.

Se gostou desta resenha e é fã de boas histórias em quadrinhos, esta Graphic Novel não pode faltar na sua prateleira. Ela foi publicada aqui no Brasil pela Panini Books numa Edição Definitiva lindíssima, com 336 páginas e logicamente em capa dura. Boa leitura!


Capa da Edição Definitiva de Reino do Amanhã

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