terça-feira, 9 de maio de 2017

RESENHA | A Torre Negra, Livro 3: As Terras Devastadas


As Terras Devastadas é o terceiro volume de A Torre Negra, série antológica do aclamado escritor norte-americano Stephen King. Famoso por escrever livros de suspense e terror, como Carrie, O Iluminado e It, A Coisa, King mostra toda sua versatilidade ao se aventurar nas misteriosas paragens do Mundo Médio, onde fantasia e ficção científica se confundem em meio à jornada de Roland Dechain, o Último Pistoleiro, e seus companheiros rumo à mítica Torre Negra, nexo de todo o tempo e espaço.

No primeiro volume, intitulado O Pistoleiro, acompanhamos a perseguição de Roland ao enigmático Homem de Preto, conhecemos um pouco de seu passado no extinto reino de Gilead, e também aprendemos uma lição muito importante, a mais importante que há para saber sobre o pistoleiro: ele não deixará nada nem ninguém ficar entre ele e sua preciosa Torre. Essa lição é aprendida da forma mais trágica possível, quando Roland é obrigado a escolher entre a vida do menino Jake Chambers e a Torre Negra. Roland escolhe a Torre, obviamente, sacrificando a vida de seu filho simbólico, tal como Abraão fizera com Isaque. Ao morrer pela segunda vez (a entrada de Jake no Mundo Médio se dera através de sua morte na Nova York do nosso mundo), o garoto profere as palavras que viriam a ditar o tom da próxima fase da aventura do pistoleiro:


"Vá então, há outros mundos além deste!" 

Na fronteira do seu mundo conhecido, Roland se depara com três portas que se abrem para a Nova York do nosso mundo, cada uma para uma diferente época. Assim começa A Escolha dos Três, segundo volume da série, que trata do recrutamento do ka-tet de Roland, aqueles que estavam predestinados a compartilhar seu destino: Eddie Dean, um viciado em heroína da década de 80; e Susannah Holmes, uma ativista dos direitos dos negros paraplégica da década de 60, a qual também sofre de um distúrbio mental que a faz alternar entre duas personalidades completamente opostas entre si. O terceiro indivíduo que Roland deveria recrutar era Jack Mort, um psicopata que já havia cruzado os caminhos de Jake e Susannah, mas devido à sua natureza maligna Roland o deixou para morrer nos mesmos trilhos do trem que amputara as pernas de Susannah. Este ato, contudo, teve lá suas consequências, pois, com a morte de Mort (o trocadilho foi inevitável), quem seria o terceiro integrante da equipe de Roland? É esta pergunta que este terceiro volume se propõe a resolver, entre outras questões.

As Terras Devastadas começa com Roland e seu ka-tet tentando descobrir uma forma de encontrar Jake e levá-lo para o Mundo Médio. O leitor poderia então se perguntar: "Ué, mas Jake nao havia morrido no primeiro livro?" A resposta é sim, e não! Confuso? Calma que eu explico: Roland matara Jack Mort antes dele assassinar Jake no nosso mundo, e isso acabou criando um bizarro paradoxo temporal, no qual o menino estava vivo (e assim contrariando os eventos de O Pistoleiro) e morto ao mesmo tempo. Agora imagine uma pessoa que está viva, mas cuja mente tenta a todo custo se convencer de que está morta. Esta é a situação de Jake, e a única forma de corrigir este problema é levando-o para o mundo de Roland. Esta travessia é feita no melhor estilo Stephen King, que invoca seus talentos como escritor de histórias de terror para levar os nervos do leitor ao limite, utilizando um recurso que ele já havia usado em It, A Coisa, e que aqui funciona igualmente bem: uma Casa Mal Assombrada. No caso de Jake, porém, seu problema não está no que reside dentro da Mansão, e sim na Mansão propriamente dita. A passagem que narra o retorno de Jake ao Mundo Médio é uma das mais emocionantes e tensas de toda a série, e é também a origem de um dos maiores problemas de Roland; este desdobramento, entretanto, fica para outra resenha.

A Passagem de Jake

Além do retorno de Jake, King finalmente decide fornecer para seus ávidos leitores um pouco mais de informação sobre a Torre Negra. A mais importante delas é sobre os Feixes de Luz, que são doze feixes de energia que sustentam a Torre Negra e que se conectam com os Doze Portais, cada um deles protegido por um dos Doze Guardiões. Como estão ligados à Torre, estes feixes oferecem um caminho, um ponto de partida para a jornada em direção à Torre Negra, que finalmente tem seu início no portal do Urso, após Roland e seu ka-tet derrotarem o gigantesco urso ciborgue Shardik. Eles iniciam a viagem a partir do portal do Urso em direção ao portal da Tartaruga, e aqui é importante ressaltar a associação que King faz com a grande tartaruga que aparece no final de It, A Coisa, pois, como já foi mencionado na resenha de O Pistoleiro, esta série de livros trás diversas menções e referências a elementos de outras obras do autor, estabelecendo uma espécie de "Universo Compartilhado Stephen King".

Ainda sobre os Feixes de Luz, a tecnologia da qual eles são feitos foi criada pelos habitantes originais do mundo de Roland, chamados Grandes Anciões. Apesar do nome pomposo, todos os sinais deixam claro que estes "seres superiores" eram na verdade seres humanos comuns, porém dotados de um amplo conhecimento tecnológico, que muitas vezes é confundido com magia. Assim como a nossa, a civilização desses Grandes Anciões rumou para um holocausto nuclear, ou algo bem pior do que isso (se é que é possível existir algo pior do que um apocalipse nuclear), mergulhando o mundo de Roland em uma Idade das Trevas sem fim, e transformando-o na terra devastada de que fala o título. Durante todo o livro o autor explicita essa grande mudança pela qual passou o Mundo Médio, seja pelo fato de nenhum relógio funcionar direito naquele mundo, ou por simples abelhas não serem mais capazes de construir uma colmeia. Além disso, as "Terras Devastadas" não podem ser entendidas apenas no sentido literal da expressão: seu significado também abrange as pessoas que vivem nessas terras, a maioria velhos e velhas sem qualquer esperança no mundo em que vivem, cercados por anarquia, maldade e tragédias. No entanto, é nas ruínas da cidade de Lud - e na desolação que jaz além desta - que o ka-tet de Roland finalmente compreende a extensão da desolação que é o mundo de Roland, e o real significado da expressão "o mundo seguiu adiante".

A Torre, os Feixes de Luz e os Doze Portais

Stephen King faz um excelente trabalho no quesito desenvolvimento de personagens. É clara a evolução de Eddie e Susannah entre os segundo e o terceiro livros. Eddie, já livre da influência da heroína, da qual era prisioneiro, agora precisa lidar com outro tipo de grilhão: a sombra representada pelo finado Henry, seu irmão mais velho, o qual dedicara toda sua vida a sabotar Eddie, de forma a disfarçar sua própria inaptidão. Os constantes abusos e humilhações deixaram sequelas na personalidade de Eddie, que tornou-se incapaz de reconhecer seu próprio valor. Mas a busca pela Torre não permite dúvidas, e é o amor de Susannah que possibilita o nova-iorquino a superar este obstáculo. Já Susannah, que representa a síntese de suas outras duas personalidades - Odetta Holmes e Detta Walker -, mostra-se cada vez mais uma mulher ímpar ao conseguir usar com sabedoria os melhores atributos de cada uma: a ternura e compaixão de Odetta, e, quando preciso, a tenacidade de Detta.

Roland, por sua vez, precisa reaprender a ter amigos. É sabido que ele já fez parte de outro ka-tet, formado por seus amigos da infância, e que em algum momento de sua busca pela Torre eles foram mortos. Agora ele precisa transformar Eddie e Susannah em pistoleiros, e os dois parecem ter nascido para o ofício. Mas enquanto Susannah demonstra ser uma aluna promissora, é com Eddie, e sua aparente incapacidade de levar as coisas a sério, que Roland tem mais problemas. Quanto a Jake, o menino enxerga Roland como um pai substituto, e não parece guardar mágoas por ter sido abandonado no passado, principalmente depois que Roland recebe a chance de se redimir por este pecado. Há ainda um quinto personagem que se junta ao ka-tet de Roland, antes da chegada a Lud: o mascote Oi. Oi é um zé-trapalhão, uma mistura de cachorro com guaxinim dotado de uma pequena dose de inteligência, a qual, aliada a um profundo afeto por Jake, lhe permite realizar os feitos mais heroicos. Ele é o responsável pelas cenas mais engraçadas e também pelas mais emocionantes do livro, e sem dúvida merece o título de personagem mais carismático da trama.

Jake e Oi

No que diz respeito a vilões, As Terras Devastadas não deixa a desejar. Em Lud somos apresentados a Gasher e ao Homem do Tique-Taque, que conseguem fazer com que o leitor tenha medo pela vida dos protagonistas, uma vez que são personagens completamente imprevisíveis e sem qualquer escrúpulo. Além destes há também a aparição de uma misteriosa entidade, um homem apelidado de Estranho Sem Idade, alguém sobre o qual o Homem de Preto alertara Roland. Este indivíduo, que aparentemente possui poderes mágicos, guarda uma certa semelhança com o principal antagonista do livro A Dança da Morte, também de King. Mas quem rouba a cena mesmo é a inteligência artificial encarnada na forma de um trem de monotrilho chamado Blaine. Ardiloso, insuportavelmente convencido e com tendências suicidas, este peculiar personagem é uma mistura de HAL 9000 com o dragão Smaug e Gollum. Blaine. Ele representa a única esperança de Roland de alcançar a Torre e também sua maior ameaça, já que sua compulsão charadas do tipo "O que é o que é?" o levará a fazer de tudo para participar de uma última competição de enigmas antes de finalmente atingir a "clareira no final do caminho".

Personagens bem construídos, uma boa ambientação, focada na mitologia em torno dos Feixes de Luz e da Torre Negra, cenas de ação frenéticas e bem orquestradas, e vilões realmente ameaçadores fazem de As Terras Devastadas o melhor livro da série A Torre Negra até agora. Se este livro tem um defeito, é o seu final. Não que seja um final ruim, até porque, não há um final. Stephen King proporcionou um dos cliffhangers mais angustiantes do mundo da literatura, quando resolveu encerrar o livro bem quando a competição de enigmas tem seu início. A diferença de tempo entre o lançamento do terceiro e do quarto volumes foi de 6 anos, então imagino a angústia dos leitores d'A Torre Negra que tiveram que esperar todos este tempo para saber como Roland e seu ka-tet escaparam da morte certa. Como todos os livros desta série já foram publicados, então os novos leitores não precisarão passar por isso, o que ameniza um pouco esta decisão do escritor.

Para esta resenha utilizei a edição publicada pela editora Suma de Letras, cuja capa encabeça esta postagem, e encontra-se disponível nas principais livrarias do país em versão física e digital. Boa leitura, e até a próxima resenha!

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