quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Guia de Leitura Batman



Olá, Cavaleiros e Cavaleiras da Nona Arte!

Este é um guia de leitura que eu preparei com o objetivo de organizar minhas resenhas das histórias do Morcegão, tentando seguir o mais fielmente possível a ordem cronológica dos eventos que marcaram a trajetória do Batman nos quadrinhos. Acredito que isto irá facilitar muito a vida daqueles que pretendem começar a ler as HQ's do Batman, mas não tem ideia de por onde começar.

Não pretendo publicar todas as histórias existentes do Batman, longe disso, e nem seria produtivo tentar tal façanha. Mas vou colocar aqui os principais arcos que, na minha humilde opinião, são essenciais para o entendimento da história do Cavaleiro das Trevas como um todo. Conhecendo este material será possível ler qualquer HQ do Batman lançada atualmente sem ficar perdido em meio às tantas referências a personagens, lugares e fatos que exigem enorme conhecimento prévio. Pode ser que um ou outro detalhe fique de fora, mas o principal é que todos os eventos que marcaram a carreira do Maior Detetive do Mundo estarão presentes aqui.


Para quem não conhece muito da trajetória do Batman nos quadrinhos, suas histórias geralmente são divididas em arcos, que são basicamente grandes sagas que abrangem um número variado de edições tanto da revista principal - Batman -, como também de outros títulos como Detective Comics, Lendas do Cavaleiro das Trevas e A Sombra do Batman; estas histórias muitas vezes se estendem também para as páginas das revistas solo dos "associados" do Morcego, como Robin, Batgirl, Asa Noturna e Mulher Gato. Isso dificultava muito a vida dos leitores, que precisavam ficar garimpando diversas HQs para montar uma única saga. Felizmente, hoje as grandes editoras que publicam essas revistas estão lançando cada vez mais encadernados reunindo estes arcos em um ou mais volumes. 

Além dos arcos regulares, também existem as Graphic Novels, histórias fechadas que normalmente se passam em realidades alternativas, cujos eventos não afetam a cronologia normal do personagem. Com isso, os autores acabam ganhando mais liberdade criativa e não raras vezes presenteiam os fãs com verdadeiros clássicos da nona arte, como O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, ou Asilo Arkham, de Grant Morrison. Estas Graphic Novels e muitas outras também terão seu espaço aqui neste guia, no seu devido tempo.

Agora, sem mais delongas, apresento-lhes o meu Guia de Leitura do Batman!

0.
Crise nas Infinitas Terras (em breve)

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2016/09/resenha-batman-morte-em-familia.html

Ano de Publicação: 1985-86
Roteirista: Marv Wolfman
Arte: George Pérez

1.
Batman: Ano Um


Ano de Publicação: 1987
Roteirista: Frank Miller
Arte: David Mazzucchelli

2.
O Homem Que Ri



Ano de Publicação: 2005
Roteirista: Ed Brubaker
Arte: Doug Mahnke

3.
Um Conto de Batman: Veneno




Ano de Publicação: 1991
Roteirista: Dennis O'Neil
Arte: Trevor Von Eeden, Russel Braun

4.
O Longo Dia das Bruxas

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2016/06/batman-o-longo-dia-das-bruxas.html

Ano de Publicação: 1996-97
Roteirista: Jeph Loeb
Arte: Tim Sale

5.
Vitória Sombria

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2016/07/resenha-batman-vitoria-sombria.html

Ano de Publicação: 1999-2000
Roteirista: Jeph Loeb
Arte: Tim Sale

6.
Contos do Demônio



Ano de Publicação: 1971-1980
Roteirista: Dennis O'Neil
Arte: Bob Brown, Neal Adams, Irv Novick, Michael Golden, Don Newton 

7.
A Piada Mortal

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2016/08/resenha-batman-piada-mortal.html

Ano de Publicação: 1988
Roteirista: Alan Moore
Arte: Brian Bolland

8.
Morte em Família

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2016/09/resenha-batman-morte-em-familia.html

Ano de Publicação: 1988-89
Roteirista: Jim Starlin
Arte: Jim Aparo

9.
Trilogia do Demônio - Parte I: O Filho do Demônio



Ano de Publicação: 1987
Roteirista: Mike W. Barr
Arte: Jerry Bingham

10.
Trilogia do Demônio - Parte II: A Noiva do Demônio



Ano de Publicação: 1990
Roteirista: Mike W. Barr
Arte: Tom Grindberg

11.
Trilogia do Demônio - Parte III: O Nascimento do Demônio



Ano de Publicação: 1992
Roteirista: Dennis O'Neil
Arte: Norm Breyfogle

12.
A Queda do Morcego



Ano de Publicação: 1993-94
Roteirista: Chuck Dixon, Alan Grant, Doug Moench
Arte: DIVERSOS

 13.
Contágio

 

Ano de Publicação: 1996
Roteirista: Chuck Dixon, Alan Grant, Doung Moench
Arte: DIVERSOS

14.
O Legado do Demônio

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2017/10/resenha-batman-o-legado-do-demonio.html

Ano de Publicação: 1996
Roteirista: Chuck Dixon, Alan Grant, Doung Moench
Arte: DIVERSOS

15.
Cataclismo

https://cavaleirosdanonaarte.blogspot.com.br/2018/04/batman-cataclismo-e-terra-de-ningem.html

Ano de Publicação: 1998
Roteiristas: Chuck Dixon, Alan Grant, Doug Moench
Arte: DIVERSOS


16.
Terra de Ninguém



Ano de Publicação: 1999
Roteiristas: Greg Rucka, Cuck Dixon, Jordan B. Gorfinkel, Paul Dini, e outros
Arte: DIVERSOS

17.
Bruce Wayne: Assassino? (Em breve)



Ano de Publicação: 2002
Roteiristas: Ed Brubaker, Greg Rucka, Kelley Puckett, Devin Grayson e Chuck Dixon
Arte: DIVERSOS

18.
Bruce Wayne: Fugitivo (Em breve)

 

Ano de Publicação: 2002
Roteiristas: Ed Brubaker, Greg Rucka, Geoff Johns, Devin Grayson e Kelley Puckett
Arte: DIVERSOS

17.
Silêncio



Ano de Publicação: 2002-2003
Roteirista: Jeph Loeb
Arte: Jim Lee

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

[RESENHA] Batman - Morte em Família



A trajetória de Bruce Wayne, alter-ego do Batman (ou seria o contrário?), tem sido marcada por tragédias. Logo nos primeiros anos atuando como vigilante em Gotham City, seu melhor amigo, o promotor público Harvey Dent, teve o rosto e a sanidade desfigurados por ácido, e se transformou naquilo que ele mais odiava: um chefão do crime apelidado de Duas-Caras. Anos depois, o criminoso lunático conhecido como Coringa deixou sua parceira Batgirl paraplégica na historia A Piada Mortal. Mas nenhuma tragédia afetou tanto o Cavaleiro das Trevas como o assassinato de seu parceiro Robin, também pelas mãos do Coringa, fato este que repercute até hoje nas histórias do herói.

Antes de falar sobre esta história, darei uma breve explicação sobre quem é o Robin, pois existem muitas pessoas que não sabem que o manto do herói já foi usado por várias pessoas diferentes, inclusive uma mulher! O primeiro Robin foi Dick Grayson, artista de circo que, assim como Bruce Wayne, testemunhou a morte dos pais. O garoto foi adotado pelo milionário e logo passou a atuar como seu parceiro no combate ao crime, tendo sido apelidado de Menino Prodígio. Mas os anos se passaram e a relação entre Bruce e Dick se desgastou até o ponto em que o rapaz decidiu atuar em carreira solo, abandonando o manto do Robin e assumindo a identidade de Asa Noturna. O substituto de Dick foi um jovem chamado Jason Todd, que o Batman surpreendeu tentando roubar os pneus do Batmóvel. O menino também havia passado por uma perda em sua família: a mãe morrera em um leito de hospital e o pai era um criminoso que trabalhava para o Duas-Caras. Foi este Robin que teve a vida ceifada cruelmente pelo Palhaço do Crime nesta histórica HQ de autoria do lendário roteirista Jim Starlin e desenhada pelo inesquecível Jim Aparo.

Batman Conhece Jason Todd

A verdade é que Jason Todd teve mais fama na morte do que em vida: muitos leitores da HQ do Batman odiavam o segundo Robin, e com razão, pois o garoto era um verdadeiro pé no saco, sempre se rebelando contra as ordens do Batman e agindo com impulsividade. Nesta época o editor da revista do Cruzado de Capa, Dennis O'Neil, decidiu pôr em prática a ideia de lançar uma história em que os fãs decidiriam o destino de um personagem, através de um número telefônico. Adivinhem quem foi o escolhido para ir para a berlinda? Pois é, o chato do Jason Todd. Assim, Jim Aparo foi convidado para escrever o roteiro da minissérie em 4 partes, publicada entre os números 426 a 429 da revista Batman. A decisão por matar Jason foi apertada: 5.343 votos a favor da morte do Robin contra 5.271 votos contra. No entanto, o resultado poderia ter sido diferente, pois anos depois O'Neil revelaria que centenas de votos a favor da morte foram creditados a uma única pessoa. Há quem diga também que a ideia de matar o Robin teria sido inspirada pela famosa Graphic Novel de Frank Miller, O Cavaleiro das Trevas, lançada dois anos antes, na qual o parceiro do Batman também havia sido assassinado pelo Coringa (recentemente foi lançada uma prequel mostrando como Robin foi morto no universo criado por Miller, mas não chega nem perto da história contada por Jim Starlin). 

Anúncio com as Duas Opções de Final

O enredo de Morte em Família é bem simples e repleto de circunstâncias, coincidências e golpes de sorte (e de azar!) que só poderiam existir em uma história de quadrinhos com a ingenuidade da década de 1980, mas rende uma leitura bem divertida. Jason Todd descobre que sua mãe verdadeira ainda está viva, porém ele não tem certeza de sua identidade, apenas que pode ser uma entre três mulheres. Por coincidência as três estão morando em países do Oriente Médio e da África, e para piorar o Coringa também está indo para lá a fim de vender um míssil nuclear a terroristas islâmicos (nem me pergunte como um bandido comum de Gotham City pôs as mãos em uma ogiva nuclear e ainda conseguiu sair com ela dos EUA). Desta forma, é inevitável que os caminhos de Batman, Robin e Coringa se cruzem.

Coringa Negociando com Terroristas

Para variar, a mãe verdadeira de Jason acaba sendo a última da lista do rapaz; após derrotarem um bando de terroristas no Líbano e enfrentarem a mortífera assassina de aluguel Lady Shiva, a dupla dinâmica encontra a mãe do Robin vivendo na Etiópia, onde trabalha como médica. Mais uma vez o destino (ou a caneta do roteirista) entra em ação, pois o Coringa estava chantageando a mulher para contrabandear um carregamento de remédios, ao mesmo tempo em que ele planeja acabar com a fome no país ao substituir os remédios pelo seu letal gás do riso. Jason Todd descobre o esquema, mas acaba sendo traído pela própria mãe, que também já vinha desviando medicamentos para benefício próprio. Assim se dá a icônica cena em que o Coringa espanca o menino quase até a morte usando um pé de cabra, e depois o deixa para morrer na explosão que destrói o galpão onde os remédios eram armazenados. Esse é o resultado de arrastar menores de idade para lutar contra criminosos insanos, Batman!

Jason Todd é Espancado 

A explosão do galpão acontece na edição 428, a penúltima da minissérie, mas a morte do Robin só é revelada na última edição, quando sai o resultado da votação. Alguns anos mais tarde, na minissérie Sob O Capuz, foi revelada a página desenhada por Jim Aparo que seria publicada se Jason tivesse sobrevivido à bomba.

É de se imaginar que o Batman fica completamente transtornado com a morte de seu parceiro, e decide até mesmo violar seu sagrado juramento de não matar e acabar de vez com a vida do Coringa. No entanto, o Palhaço do Crime foi mais esperto, e obteve imunidade diplomática ao se tornar embaixador do Irã na ONU (sim, meus amigos, só mesmo nos anos 80 um absurdo desses seria possível!). Por fim, é claro que o Coringa é derrotado - embora não morto - graças à ajuda de um importante aliado do Homem Morcego. 

O Discreto Funeral de Jason Todd

A morte de Jason Todd teve tanto impacto nas histórias do Batman que saiu das páginas das HQs para as outras mídias, como os games da franquia Arkham e até mesmo no universo cinematográfico da DC, onde pudemos ver no filme Batman vs Superman: A Origem da Justiça, em destaque na batcaverna, o uniforme de Robin com uma mensagem irônica do Coringa, sugerindo que o parceiro do Batman interpretado por Ben Affleck também teria sido morto pelo Palhaço.

Embora Morte em Família não seja uma das melhores histórias do Batman, é uma das mais importantes do cânone do Cavaleiro das Trevas, por trazer consequências que reverberam até os dias atuais. O antagonismo entre Batman e o Coringa transcendeu o escopo do herói versus vilão para assumir um tom mais pessoal. Toda vez que os dois se enfrentaram a partir de então o duelo entre eles passou a trazer uma pesada carga emocional e psicológica, e passamos a nos perguntar o que o Coringa poderia fazer desta vez para machucar o Batman. E o Morcego de Gotham passou a ser retratado como um herói mais sombrio e amargurado, devido ao sentimento de culpa que ele passou a nutrir por achar que teria errado ao escolher Jason como parceiro. Isto não o impediu, no entanto, de adotar um terceiro Robin - Tim Drake - cujas habilidades dedutivas excepcionais o levaram a descobrir sozinho a identidade tanto do Batman como do antigo Robin. Ainda assim, não foi fácil para o rapaz conquistar o direito de sair para combater o crime ao lado do Batman, que ainda estava receoso em permitir que outra pessoa se colocasse em risco em sua cruzada.

Página do Final Alternativo de Morte em Família 

Esta HQ pode ser encontrada no mercado tanto na versão publicada pela Panini, como também na edição 11 da coleção de Graphic Novels DC da Eaglemoss. Ah, e eu não poderia terminar esta resenha sem elogiar a arte nostálgica e "alegre" de Jim Aparo, que deixou uma marca inconfundível e única na forma de desenhar tanto o Batman como o Coringa.

Boa leitura!

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

[RESENHA] A Liga Extraordinária - Volume 1



Imagine uma equipe de super-heróis formada por um grande herói nacional, uma bela e perigosa espiã, um gênio da tecnologia, um cientista que se transforma em um monstro incontrolável quando está com raiva, e um homem com um poder incomum e um caráter duvidoso. Se você pensou nos Vingadores, não poderia estar mais enganado! Estou falando sobre a Liga Extraordinária, criada pelo mago dos quadrinhos Alan Moore para ser uma espécie de Liga da Justiça da Era Vitoriana.  

Juntamente com o artista Kevin O’Neil, Moore reúne nesta premiada HQ lançada entre os anos 1999 e 2000 pela America’s Best Comics um inusitado grupo de personagens saídos diretamente da literatura fantástica da Inglaterra do século XIX: Allan Quartermain (As Minas do Rei Salomão), Wilhemina Murray (Drácula), Capitão Nemo (As Vinte Mil Léguas Submarinas), Dr. Jackyl/Hyde (O Médico e o Monstro), e Hawley Griffin (O Homem Invisível). Eles são reunidos pelo agente do serviço secreto britânico Campion Bond (ancestral do famoso espião James Bond) a mando de seu chefe, o misterioso Sr. M, para impedir que o criminoso chinês conhecido como Doutor (Fu Manchu) utilize uma revolucionária tecnologia bélica para destruir o Império Britânico. 

O Submarino do Capitão Nemo, O Nautilus

É impressionante a fidelidade com que Alan Moore tratou cada um dos personagens, conseguindo realizar a proeza de inseri-los num mesmo universo sem causar estranheza aos leitores de seus livros de origem; o autor demonstra um conhecimento quase enciclopédico acerca de um sem número de obras literárias, das mais famosas e clássicas às mais obscuras, de modo que nos entrega uma Graphic Novel rica em detalhes e repleta de referências. Nem mesmo as datas lhe passam despercebidas: a cronologia dos eventos da HQ segue a mesma linha temporal dos livros em que se baseia: os eventos de Drácula e O Homem Invisível se passam em 1897, um ano antes dos eventos de A Liga Extraordinária. Além disso, ele emprega vários outros personagens ficcionais como pano de fundo para sua trama: quando a equipe vai a Paris, encontra-se com o detetive Auguste Dupin, do famoso conto Os Assassinatos da Rua Morgue , de Edgar Allan Poe (ele até sugere que Edward Hyde seria o tal orangotango que teria matado as duas mulheres no conto); e quando os seguimos até o norte de Londres para solucionar o misterioso caso das “concepções imaculadas”  em um instituto correcional para moças, descobrimos que a dona do estabelecimento é a dominatrix Rosa Coote, que aparece em vários contos sexuais do século XIX, e uma das moças que foram abusadas sexualmente é Polyanna Whittier, da comédia de Eleanor H. Porter. Estas são apenas algumas referências que eu pude garimpar desta obra, mas há ainda tantas outras que o meu parco conhecimento literário não conseguiu discernir. Sem dúvida, esta HQ é um convite a explorar o magnífico universo dos livros.

Auguste Dupin

O primeiro ato deste volume é empregado para apresentar os integrantes da liga e estabelecer as relações entre eles, e ver as interações entre personagens tão incomuns é tão ou mais interessante do que a própria trama em que estão inseridos. Alan Moore utiliza em seu enredo a mesma fórmula que empregara na premiadíssima Watchmen, mostrando um lado mais humano – e muito mais sombrio – dos membros do grupo. Um exemplo claro disso é a abordagem que ele faz do famoso explorador colonial Allan Quartermain, considerado o precursor de Indiana Jones. No início da história ele aparece irreconhecível, vivendo em um albergue como um mendigo viciado em ópio, e durante toda a trama acompanhamos a luta do velho herói para se livrar do vício.

A ação segue um ritmo frenético, quase cinematográfico, que é uma característica marcante dos roteiros de Moore. Ele nos conduz através das ruas apertadas do Cairo, passando por Paris, com suas torres de aço e zepelins, até os bairros orientais dominados pelas tríades da velha Londres em plena Revolução Industrial. Tal história, corretamente adaptada, renderia um magnífico filme de ação. Essa ideia não passou despercebida por Hollywood, que se propôs a adaptar a HQ para o cinema, mas conseguiu mais uma vez estragar uma obra já pronta ao tentar americanizar demais a trama (chegando ao ponto de acrescentar um personagem norte-americano à liga) e engarrafa-la dentro dos moldes dos filmes "para a família toda", suprimindo a violência e o viés adulto tão presentes da obra de Moore.

A Selvageria de Edward Hyde

Ao final do segundo ato a trama sofre uma reviravolta quando o verdadeiro vilão é revelado. Não vou dar spoilers sobre sua identidade, apenas que ele vem das histórias do famoso detetive Sherlock Holmes. Inclusive temos um vislumbre de uma das cenas mais icônicas dos livros de Sir Arthur Conan Doyle retratadas neta HQ.

Dizer que o sucesso desta Graphic Novel se deve exclusivamente ao seu roteirista seria no mínimo injusto. Esta obra não seria o que é hoje sem a belíssima contribuição do desenhista Kevin O'Neil, com seus traços exagerados e quase caricatos. Ele consegue retratar com perfeição o universo steampunk concebido por Moore, que pode ser visto na Londres futurista onde o Canal da Mancha é transposto por uma gigantesca ponte ladeada por imponentes esculturas representando o poder e a hegemonia do Império Britânico, ou nas poderosas máquinas voadoras empregadas pelo vilão. Os grandes quadros recheados de detalhes e nuances empregados por O'Neil e onde o colorista Benedict Dimagmaliw nos apresenta um verdadeiro desfile de cores são um espetáculo à parte, e outra característica marcante desta obra prima da nona arte.

Guerra nos Céus de Londres

Item obrigatório para apreciadores de boas histórias em quadrinhos, A Liga Extraordinária é uma verdadeira aula sobre como fazer histórias de equipes de super-heróis. Quem dera pudéssemos ter mais histórias da Liga da Justiça ou dos Vingadores como esta, menos focadas em espetáculos pirotécnicos cósmicos e personagens extravagantes, e mais propícias a apresentar uma boa trama focada em personagens bem trabalhados e seus problemas internos, sem, contudo, abrir mão da ação e do bom humor.

Esta HQ já foi publicada aqui no Brasil pela Panini Books num encadernado de luxo com 420 páginas recheadas de extras, em capa dura e papel couchê. Boa leitura!

Capa de A Liga Extraordinária - Vol. 1

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

[RESENHA] John Constantine, Hellblazer - Origens Volume 4: A Máquina do Medo

John Constantine

Na guerra entre o Céu e o Inferno, John Constantine - exorcista, demonologista e mestre das artes ocultas - nunca tomou partido em nenhum lado que não o dele mesmo. Quando jovem, convencido de suas habilidades e querendo impressionar uma garota, ele acabou mexendo com forças além de sua capacidade, e sua arrogância acabou causando a morte de uma garotinha. Este evento deixou profundas marcas em sua personalidade: a culpa corroeu a sua sanidade, levando-o a adotar um estilo de vida autodestrutivo baseado em álcool e cigarros; passou a ter uma visão ácida e pessimista sobre o mundo e a sociedade; e se mostrou incapaz de manter qualquer tipo de laço afetivo, encarando as pessoas apenas como meios para alcançar seus objetivos ou como cartas a serem descartadas em um jogo quando necessário. Recentemente, quando pego no fogo cruzado entre as forças celestes e infernais, frustrou os planos de dominação espiritual de ambas, mesmo sabendo que arruinaria a vida de sua ex-namorada Zed no processo. No entanto, o mago encontrou uma chance de redenção quando, fugindo da polícia, se escondeu entre os hippies nômades da Turba da Liberdade, onde conheceu Marj e sua filha paranormal Mercury. Quando a menina foi sequestrada por uma misteriosa corporação, ele foi forçado a voltar a Londres e ao velho combate; só que desta vez ele não iria lutar por uma causa egoísta, e sim para salvar uma vida.

O Terror

Em A Máquina do Medo, quarto volume da coleção Origens, que reune as primeiras 40 edições da revista Hellblazer, o roteirista de quadrinhos inglês Jamie Delano dá continuidade à busca de Constantine pela jovem Mercury, levando o anti-herói a uma investigação envolvendo sociedades secretas modernas, conspirações políticas, espionagem e o uso de armas psíquicas para controle social. Logo na primeira edição Delano mostra que está bem à vontade à frente do título ao empregar uma técnica narrativa na qual os acontecimentos são narrados por meio de cartas trocadas entre os principais personagens. Por meio destas cartas ele também aproveita para informar o leitor onde cada peça está posicionada no tabuleiro da trama.

Constantine, agora com um novo visual, está de volta a Londres à caça dos raptores de Mercury; Marj e o resto da Turba da Liberdade está na Escócia com a Nação Pagã, um grupo de místicos que vive isolado, imitando o estilo de vida dos celtas, e liderado por ninguém menos do que Zed; já Mercury está presa na sede da Geotroniks ajudando os cientistas a aprisionarem os pesadelos de pessoas que sofrem de terríveis fobias - os "assustadinhos", segundo a menina - dentro da Máquina do Medo. A princípio ela pensa estar ajudando essas pessoas a se livrarem de seus medos, mas logo descobre que está na verdade criando uma abominável criatura feita de puro medo, e começa a traçar seu plano de fuga.

Constantine Salva Simon Hugues


Se o primeiro ato desta longa saga (ao todo A Máquina do Medo conta com 9 edições da revista Hellblazer) teve como objetivo apresentar os novos personagens e dar uma amostra do poder da Máquina do Medo, o segundo ato abrange a investigação de Constantine, que se alia a um improvável grupo de indivíduos que também tiveram as vidas afetadas pela Geotroniks: Geofrey Talbot, um ex-policial obstinado querendo vingar a morte de sua exposa; Simon Hugues, um jornalista gay que sofreu uma tentativa de assassinato ao investigar misteriosos suicídios envolvendo a empresa Geotroniks; e Sergei, um espião russo especializado em armas paranormais.

Juntos eles descobrem a Geotroniks é uma empresa de fachada comandada pela maçonaria, criada com o intuito de desenvolver uma arma psíquica capaz de causar histeria e pânico em massa com o objetivo de incitar uma crise que levaria a um novo panorama político sob o controle dos maçons. Vemos aqui que Delano bebe da fonte das teorias de conspiração envolvendo o controle mental para fins de dominação política. Quem nunca ouviu falar do projeto militar norte-americano conhecido como HAARP, o qual supostamente empregaria um conjunto de antenas que emitiriam ondas eletromagnéticas em frequências específicas que seriam capazes de induzir certos estados emocionais na população (clique aqui para saber mais).

Os Aliados de Constantine

O terceiro ato reintroduz o elemento mágico na narrativa, que sofre uma súbita reviavolta, levando a história numa direção totalmente diferente, para decepção de alguns leitores. Constattine descobre que o verdadeiro inimigo não é a Geotroniks nem os maçons que a controlam, mas um mago renegado que está tentando trazer ao mundo uma entidade conhecida como Jallakuntilliokan, através de um sangrento ritual em que vidas humanas são sacrificadas. E Jamie Delano não tem pena de mandar para o abate os mesmos personagens que ele previamente introduzira na trama, reforçando o argumento de que todos aqueles que se metem nos negócios de Constantine acabam encontrando um triste fim.

Jamie Delano, admitidamente adepto de ideais de esquerda e crítico do liberalismo econômico, não se detém ao expor suas ideias, ainda que disfarçadas pela aura mística e sobrenatural de suas histórias. A ganância das grandes empresas em lucrar explorando os recursos naturais do planeta (no caso as Linhas de Ley), a política conservadora predominante na Inglaterra dos anos 80 que levou muitas pessoas à pobreza, e a perseguição imposta às minorias como negros, gays e imigrantes permeiam as páginas de A Máquina do Medo. Mas o tema que prevalece neste encadernado é justamente o papel da mulher na sociedade moderna. Delano utiliza diversas figuras de linguagem para explicar que as guerras, o medo e todas as mazelas presentes na história contemporânea da humanidade são sintomas da dominação masculina, seja na política, na economia e até na religião. Ele também desconstrói o conceito das Linhas de Ley apresentados previamente, explicando que elas teriam sido criadas por sacerdotes homens na tentativa de dominar e canalisar o poder da Terra que fluia pelas linhas originais, através dos monumentos megalíticos.


Webster Invoca o Jallakuntilliokan

Partindo do princípio que a Terra é um organismo vivo, ela também possui os aspectos jungianos de anima e animus (feminino e masculino, criatividade e racionalidade, caos e ordem), mas a Máquina do Medo e os sacrifícios oferecidos por Webster fazem a metade masculina do espírito da Terra se materializar na forma de um grande dragão, o Jallakuntilliokan. Para reequilibrar a balança, Constantine deverá participar de um ritual de hieros gamus com Zed e Marj que irá fortalecer a metade feminina. Achei brilhante da parte de Delano dar esta oportunidade para Zed se vingar do mago na mesma moeda com a qual ele a afundara: através do sexo. 

Um ponto negativo que deve ser ressaltado é que a conclusão da trama ficou bem parecida com o final do arco Gótico Americano de Alan Moore, na qual dois conceitos opostos e materializados em uma imagem que pode ser apreendida pela mente do leitor se unem no final para trazer um novo equilíbrio. A diferença é que a abordagem de Moore é mais completa, englobando facilmente os aspectos feminino e masculino da história de Delano, que acaba soando repetitiva para quem já leu a obra de Alan Moore. Outro defeito da conclusão é que Delano não mostra os destinos que cada um dos personagens tomou após o grande cataclisma que marca o final da história, deixando algumas pontas soltas que ele só viria a amarrar no último volume desta coleção. 

Anima e Animus

Este encadernado ainda conta com uma história que serve como prelúdio para a próxima saga: O Homem de Família. Trata-se de um conto chamado Da Ficção para a Vida, e é sobre um antigo conhecido de Constantine chamado Jerry O'Flynn, um negociante muito carismático que está sendo perseguido por personagens de histórias de ficção. Aparentemente Jerry serviu como inspiração para personagens de vários escritores, e por isso passou a viver mais nas páginas de ficção do que no mundo real (sim, concordo que é uma loucura, mas uma loucura literária!). Este pequeno conto é repleto de easter-eggs oriundos da literatura britânica: nele podemos ver o pirata cego Pew (do livro A Ilha do Tesouro), Tarzan, o lobo dos Três Porquinos, o assassino chinês Fu Manchu, Bill Sikes (Oliver Twist), e até mesmo Sherlock Holmes. E estes foram só os que eu consegui identificar, porque ainda tem muitos outros! Além disso, podemos notar uma interessante metáfora, utilizada por Delano para alfinetar os executivos que detém os direitos de praticamente todos os personagens de ficção criados do século XX para cá: tais personagens seriam "prisioneiros" do copyright, já que eles não podem ser usados em nenhuma outra mídia a não ser por aqueles que detém seus "direitos". Os únicos personagens livres hoje em dia são aqueles pertencentes ao domínio público, como é o caso do próprio Sherlock Holmes, que não pertence a empresa nenhuma e qualquer diretor, escritor ou artista pode fazer uso de sua imagem.



Jerry é Capturado

Por último, mas não menos importante, é preciso falar que a chegada dos desenhistas Mark Buckingham e Alfredo Alcala melhoraram em muito a qualidade dos desenhos, que estão no mesmo nível de John Ridgway das primeiras edições. Ron Tiner, que assina a arte do capítulo final, também apresenta um traço mais agradável do que os desenhistas dos últimos dois volumes.

A Máquina do Medo foi publicada em terras tupiniquins pela Panini Books num encadernado com capa cartão e papel pisa britte (papel de menor qualidade, do mesmo tipo dos quadrinhos antigos, mais adequado para o tipo de colorização usada na época). Boa leitura!

Capa do Volume 4 de Hellblazer Origens

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

[RESENHA] Preacher #3: Orgulho Americano

Jesse Chega a Masada, Sede do Graal

Reza a lenda que o santo Graal foi o cálice que Jesus de Nazaré usou na Última Ceia com seus apóstolos, na noite antes de ser crucificado, e que por conter o "sangue" de Cristo seria dotado de incríveis poderes místicos. Em 1996, antes de Dan Brown lançar seu polêmico livro O Código DaVinci, Garth Ennis, roteirista de quadrinhos irlandês, publicava sua também polêmica obra Preacher, em parceria com o britânico Steve Dillon, pela DC/Vertigo. Nela o Graal é retratado como uma organização secreta cuja missão é proteger os descendentes de Cristo - o qual teria sido casado com Maria Madalena - e garantir que o mundo tenha um novo messias. Como na lenda, o Graal guarda o "sangue" de Cordeiro, mas de forma metafórica.

No volume anterior (clique aqui para ler a resenha), fomos apresentados a Herr Starr, um alemão com um visual ameaçador e estranhos hábitos sexuais, que é o segundo em comando no Graal, abaixo apenas do Grande Pai, D'Aronique. De alguma forma ele descobriu que Jesse Custer - o pregador que dá nome à HQ -, divide a sua alma com a entidade Gênesis, que lhe confere o poder de obrigar qualquer pessoa a fazer o que ele ordenar, literalmente. Para Herr Starr, Jesse apareceu na hora certa, pois ele planeja substituir o messias do Graal pelo seu próprio messias, e com isso dar um "golpe" no Grande Pai e assumir seu posto (mais ou menos o que aconteceu no Brasil recentemente). O problema é que ele acaba sequestrando Cassidy, o vampiro irlandês que é mais chegado a álcool do que a sangue e companheiro de bebedeiras de Jesse, que agora precisa invadir a sede do Graal na França para resgatar seu amigo. O que nenhum deles sabe, contudo, é que o Santo dos Assassinos também está indo para lá, afim de resolver de uma vez por todas sua pendenga com Jesse Custer.

Santo dos Assassinos

O ritmo frenético do roteiro e a ação hollywoodiana dos dois volumes anteriores continua presente aqui, com os caminhos dos personagens - cada um com sua própria missão e motivação - convergindo para um clímax repleto de violência escancarada, tripas esvoaçantes e muito, mas muito sangue (cortesia do Santo!). Tudo isso realçado pela brilhante arte de Steve Dillon, que consegue imprimir o ritmo dos roteiros em seus desenhos simples e limpos, agradáveis de se olhar. O talento de Dillon reside principalmente na forma como retrata seus personagens; seu forte não é o desenho de grandes planos e cenários repletos de detalhes, mas em desenhar pessoas e expressões, e acredito ser por isso que sua parceira com Garth Ennis tenha sido tão duradoura.

O irlandês, a propósito, continua sendo um especialista em criar personagens bizarros e únicos, na maioria das vezes com algum tipo de deformidade física, desvios de caráter ou hábitos para lá de estranhos, ou tudo isso junto! Se antes ele nos fez odiar Marie D'Angelle com todas as nossas forças, o Grande Pai D'Aronique nos causa apenas asco. Como uma paródia à figura da própria igreja cristã atual, o líder do Graal é uma figura obesa, inchada e maliciosa que precisa ser carregada pelos seus serviçais enquanto exibe uma falsa aparência de santidade. Já o messias que ele protege a sete chaves não passa de um moleque deficiente mental, fruto de séculos de cruzamentos de membros da mesma família, com o intuito de manter a linhagem "pura". É impossível não cair na gargalhada com a história do mafioso italiano que teve o pinto capado, e que agora se dedica a torturar Cassidy de todas as maneiras imagináveis, inclusive dando um tiro de calibre 12 na pemba do vampiro?

Cassidy Sendo Torturado

Além da guerra contra o Graal, Jesse Custer vive uma delicada guerra interna: embora sua namorada Tulipa já tenha se provado várias vezes em batalha, inclusive salvando-o dos homens do Graal já por duas vezes, o reverendo insiste em não levá-la na missão de resgate de Cassidy. É claro que a mulher fica puta e o acusa de machismo, alegando que ele quer mantê-la longe do perigo apenas por ela ser uma mulher, e nisso ela tem uma dose de razão. No entanto, a motivação real de Jesse é o medo de perdê-la de novo: não esqueçamos que ele a viu levar um tiro na cabeça durante o encontro deles com a avó de Jesse, e essas lembranças ainda estavam frescas na cabeça do reverendo, e com isso ele também tem uma dose de razão! É o tipo de discussão em que os dois estão certos e errados, e o reverendo é obrigado a tomar uma decisão pela qual terá que prestar contas nos próximos capítulos. 

No final deste arco descobrimos o segredo que Herr Starr escondida nas profundezas do Graal, que lhe permitia estar sempre um pé a frente até mesmo do Paraíso; também ficamos sabendo mais sobre Gênesis e as circunstâncias de seu nascimento, e sobre o "romance proibido" vivido por seus pais. No final Jesse e o Santo dos Assassinos fazem um acordo, e Herr Starr consegue cumprir parte de seu intento: se tornar o Grande Pai do Graal. E o que aconteceu com Cassidy? O vampiro consegue escapar da tortura pelas mãos do mafioso italiano eunuco, mas não sem antes ficar cara a cara com o Criador em pessoa.

Grande Pai D'Aronique

Este volume ainda conta a história de origem de Cassidy, na qual Garth Ennis aproveita para contar um pouco da história da Irlanda. Descobrimos que o vampiro beberrão estava presente no Levante da Páscoa, uma rebelião que ocorrera na Páscoa de 1916 e que fora a semente da libertação da República da Irlanda do domínio britânico. O ponto trabalhado por Garth Ennis é que as pobres almas que morreram no levante não passaram de joguetes nas mãos de homens inescrupulosos, que os inflaram com ideais nacionalistas radicais para que servissem de sacrifício para sua ambição de poder. De fato a morte deles permitiu que os republicanos assumissem o poder no futuro, mas a que custo?

Cassidy é Mordido

O irmão de Cassidy descobre o plano do líder da rebelião, Patrick Pearse, e decide fugir de Dublin durante o conflito, mas Cassidy, outrora Proinsias, é mordido por uma estranha criatura da noite que vivia nos charcos e se transforma em um vampiro. Dado como morto, ele decide tentar a vida na América, mais precisamente Nova York, lar de uma grande colônia de irlandeses. Na América vemos como Cassidy faz amizade com um grupo de conterrâneos, com quem aprende que a graça da vida estar em vivê-la da melhor forma possível, aproveitando ao máximo (no caso deles, aproveitar a vida é sinônimo de beber quantas garrafas de uísque for possível!). No entanto, ele acaba percebendo que é um erro criar raízes, uma vez que ele nunca envelhece, e começa uma viagem solitária pelos EUA.

Nesta história o autor lança as bases de uma grande amizade entre Jesse e Cassidy, amizade esta que será posta à prova nos próximos volumes. Mas isto já é tema para outra resenha. Então fique ligado, caro leitor, pois Garth Ennis ainda está só começando, e Preacher ainda vai te surpreender um bocado! 

Esta HQ foi publicada pela Panini Books num encadernado de excelente qualidade (capa dura e papel couchê) e pode ser encontrada em lojas especializadas. Boa leitura!

Capa de Orgulho Americano, por Glenn Fabry

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

[RESENHA] John Constantine, Hellblazer - Origens Volume 3: Newcastle & A Máquina do Medo Ato I


Desde que John Constantine apareceu pela primeira vez nas páginas da mensal do Monstro do Pântano, seu passado sempre esteve envolto em uma aura de mistério, principalmente no que diz respeito a uma certa história envolvendo um exorcismo malsucedido na cidade inglesa de Newcastle. Tal fato foi um divisor de águas na vida do mago mais cara de pau dos quadrinhos, quando sua arrogância e desrespeito pela magia o fizeram cometer um erro que custou a alma de uma criança e sua própria sanidade. Neste volume o escritor Jamie Delano finalmente levanta o véu que antes cobria este mistério e surpreende os leitores com uma história macabra e trágica.

Em "Newcastle: Um Gostinho do que Está por Vir", Delano mergulha ainda mais no universo de horror adulto, com uma história envolvendo invocações de demônios, pedofilia e feitiços arcanos. Ele nos apresenta um Constantine jovem e impulsivo, que no final dos anos 70, além de aprendiz das artes místicas, atuava como vocalista da banda de rock new wave Membrana Mucosa, juntamente com seu parceiro Gary Lester - o mesmo viciado em heroína que o anti-herói sacrificou no primeiro volume.

A Verdadeira Forma de Nergal

Delano conduz Constantine ao seu embate final contra Nergal, agora revelado como o mesmo demônio que causara a morte da menina em Newcastle. A forma que o roteirista usa para explicar a derrota do monstro, no entanto, é o que deixa a desejar. Desde o início ele sugere que os eventos de Newcastle foram apenas um aperitivo, um "gostinho do que estava por vir". Mas o que veio depois acabou não atendendo às expectativas: a trama acaba se encerrando rápido demais, e quem lê tem a impressão de um coito interrompido. O campo de batalha não poderia ser mais fora de contexto: ele situa a batalha entre mago e demônio num fictício universo digital!. Numa época em que computadores ainda eram novidade e a grande rede era um universo desconhecido e inexplorado - e justamente por isto cercado de mitos, tal escolha até faria sentido, mas não hoje em dia. O ponto positivo é que mais uma vez ele mostrou que não é preciso ter superpoderes para derrotar um inimigo mais forte, quando se tem astúcia  um pouco de coragem para botar em ação um plano tão mirabolante.


Constantine Desafia Nergal

A 13ª edição, intitulada "Na praia", funciona como um interlúdio entre o arco de Newcastle e a grande saga A Máquina do Medo. Nela o autor critica a política energética baseada em energia nuclear da Inglaterra, devido ao risco a que a população que vive próximo à usinas nucleares está exposta. É preciso lembrar que, apenas dois anos antes desta revista ser publicado, o mundo inteiro havia testemunhado as consequências de um acidente nuclear de grandes proporções em Chernobyl, na Ucrânia. Quase 30 anos depois, o assunto ainda é motivo de muita discussão entre políticos, industriais e ambientalistas, após o acidente na usina de Fukushima, no Japão, forçar diversas nações a repensar suas formas de obtenção de energia.

Na edição seguinte Delano muda completamente o rumo das histórias de Constantine, abandonando por um tempo o sobrenatural e místico para conduzir o leitor em uma trama que mescla espionagem, corporações obscuras, sociedades secretas, teoria da conspiração e alguns elementos paranormais.
Cansado de seu estilo de vida autodestrutivo e fugindo da polícia (o mago acabou levando a culpa pelo assassinato de seus vizinhos pelas mãos de Nergal), Constantine se refugia entre os remanescentes do famoso Comboio da Paz, um grupo de hippies que preferem a liberdade do campo à viver presos em cidades, viajando pelo interior do país de acampamento em acampamento em pequenos comboios de carros, vãs e ônibus. Lá ele conhece alguns personagens interessantes, muitos dos quais voltariam a dar as caras em outras edições: Mercury, uma simpática menina com poderes sensitivos; sua mãe Marj, com quem J.C. acaba se relacionando; e o engraçadíssimo Errol, um negro de cabelos rastafári que mais parece saído das praias da Jamaica, e chegado em dar uns "tapas". Além do modo de vida hippie, é claro que esse povo também é chegado numa magiazinha, senão não seria uma história de Constantine. Delano introduz neste arco conceitos como as Linhas de Ley, supostas correntes de energia que fluem em linha reta entre grandes nexos de poder, marcados geralmente por monumentos megalíticos, como o Stone Henge.

Constantine com os Hippies

Constantine acaba se estabelecendo com o grupo, não apenas como um disfarce para evitar a prisão, mas porque começa a gostar do estilo de vida do grupo. Infelizmente sua alegria dura pouco: durante uma batida da polícia, a jovem Mercury é sequestrada pela misteriosa corporação Geotronik, que planeja usá-la em seu audacioso empreendimento que une magia e tecnologia: a Máquina do Medo. Os misteriosos cientistas da Geotronik estão utilizando os circuitos das linhas de Ley para dispararem descargas de puro medo, e assim matarem literalmente de susto quem eles quiserem! A cena das pessoas no trem dominadas pelo pânico e atacando umas às outras me fez lembrar aquela cena da igreja no filme Kingsman: Serviço Secreto, que utiliza uma ideia parecida, substituindo medo por ódio.

A Cena do Trem

Com quase 20 edições à frente de Hellblazer, Delano continua se provando um excelente roteirista de HQs de terror, um escritor realmente digno de construir sobre as bases lançadas pelo mago dos quadrinhos - Alan Moore. Quanto à arte, só lamento que a DC Comics tenha designado para sua linha adulta desenhistas tão medianos, quando não incompetentes, justamente numa época em que a Vertigo foi responsável pelas melhores e mais criativas histórias da editora. Richard Piers Rayner, que substituiu o competente John Ridgway na edição 10, não convence como desenhista, entregando personagens com formas estranhas, e movimentos e expressões que os assemelham mais a bonecos ou manequins do que a pessoas de verdade. No entanto, há quem aprecie este tipo de arte - o que não é o meu caso -, alegando que ela reflete o conteúdo dos roteiros, que estão sempre beirando o lado mais obscuro e sujo da natureza humana.

Quanto ao encadernado em si, a Panini Comics dividiu a série em 7 encadernados, esfacelando os arcos em vários volumes. A versão americana, por exemplo, compila as 40 edições de Delano mais extras em apenas 4 volumes, de modo que a história de A Máquina do Medo é contada em apenas um encadernado. Mas, como diz o ditado: "para quem não tem nada a metade é o dobro", devemos ficar felizes e satisfeitos por termos a oportunidade de conhecer estas que foram as primeiras histórias de Constantine, sem contar que com menos páginas os encadernados saem mais em conta, o que é um grande alívio em tempos de crise.

Boa leitura!

Capa de Hellblazer Origens Vol. 3