sexta-feira, 8 de julho de 2016

[RESENHA] Preacher #2: Até o Fim do Mundo


Após a enxurrada criativa do final dos anos 80, o mundo dos quadrinhos enfrentou uma baita ressaca nos anos seguintes. A década de 1990 foi a época dos roteiros mirabolantes, como o da famigerada Saga do Clone do Cabeça-de-Teia; da arte absurda que pretendia apresentar praticamente todos os personagens de quadrinhos como halterofilistas, espelhando o que acontecia no cinema, com a ascensão dos grandes heróis de ação como Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e Jean Claude Van Damme. Na linha principal da DC Comics a tendência foi de destruir o mito da invencibilidade de seus maiores heróis. O  mundo ficou chocado quando soube da morte do Homem de Aço nas mãos de um novo vilão chamado Apocalypse. Quase ao mesmo tempo, foi a vez do Cavaleiro das Trevas sucumbir diante de um inimigo mais forte e mais inteligente. E quantos fãs não ficaram órfãos de seu grande herói quando o Guardião Esmeralda decidiu se tornar um vilão ao assumir a identidade de Parallax?

Em meio a todo este caos a Vertigo - divisão de histórias para adultos da DC - encontrou seu caminho para a ascensão ao empregar em suas fileiras roteiristas da escola britânica, como Neil Gaiman, Grant Morrison e Garth Ennis, os quais seguiram totalmente na contramão ao optar contar histórias ambientadas no mundo real, com personagens até certo ponto normais, que conheciam e viviam os mesmos problemas que os leitores. Tais histórias eram recheadas de elementos do gênero da fantasia, do sobrenatural e de horror urbano, e tinham menos restrições ao abordar temas como sexo, drogas e violência explícita. Uma das séries mais famosas e polêmicas que nasceram neste contexto foi Preacher, escrita pelo irreverente Garth Ennis e desenhada por Steve Dillon, e que causou um verdadeiro alvoroço ao trazer para suas páginas repletas de sangue, sexo, palavrões e personagens bizarros elementos considerados sagrados pela religião cristã, não poupando nem mesmo a Suprema Divindade. Esta série contou com 75 edições, incluindo especiais, e acabou de ser publicada aqui nas terras tupiniquins em um conjunto de 9 encadernados de luxo. Você pode conferir a resenha sobre a primeira edição clicando aqui. Neste texto irei resenhar sobre o segundo volume: Até o Fim do Mundo. Antes, porém, gostaria de fazer um pequeno resumo da história até aqui.

Em A Caminho do Texas, o primeiríssimo volume da coleção, foi visto que uma entidade sobrenatural chamada Gênesis, fruto da relação proibida entre um anjo e um demônio, se fundiu à alma do pastor texano Jesse Custer, conferindo a ele o dom da Palavra de Deus - o poder de obrigar qualquer pessoa a fazer qualquer coisa que ele ordenar. Enquanto foge do fodástico matador Santo dos Assassinos, na companhia de sua ex-namorada Tulipa e do engraçadíssimo vampiro irlandês Cassidy, Jesse acaba descobrindo o segredo que os anjos protegem a todo custo: Deus abandonou o Paraíso, e Seu paradeiro é desconhecido. Ele decide então ir atrás do Criador e obrigá-Lo a prestar contas por seu sumiço. A questão é que Deus não quer ser encontrado, e a insistência de Jesse irá fazer com que seu passado volte para assombrá-lo.

Marie L'Angelle

É justamente sobre isto que trata o segundo volume, intitulado Até o Fim do Mundo: o passado do reverendo Jesse Custer. O primeiro volume deixou muitas perguntas em aberto, como por que Jesse, sendo tão irreverente, violento e alcoólatra, veio a se tornar logo um pastor de igreja evangélica, bem como por que ele abandonou Tulipa sem mais nem menos para seguir este caminho. A resposta para todas estas perguntas se encontram no passado, antes mesmo dele nascer. Assim, somos levados, por meio de flashbacks muito bem construídos, até o momento em que seus pais, Christina L'Angelle e o ex-combatente da guerra do Vietnã John Custer, se conhecem; como foi sua feliz infância junto do casal; e como essa curta felicidade acabou no momento em que os capangas de sua avó, Marie D'Angelle, os encontraram e os obrigaram a ir morar em Angelville, a casa da família na Lousiana.

Marie D'Angelle é um daqueles vilões que rapidamente cativam o público pelo elevado grau de maldade que praticam. Ela é uma velha decrépita, incapaz de andar sem a ajuda de uma cadeira de rodas, e que sobrevive com a ajuda de aparelhos; porém sua maldade não tem limites, e rapidamente nos pegamos odiando-a e torcendo ferrenhamente para que seu fim esteja a altura de seus atos. Ela vem de uma família cristã puritana, cuja maior tradição é fazer com que todos os homens sigam o caminho do sacerdócio. A missão da vida de Marie é fazer Jesse voltar aos caminhos do Senhor, mas não vou estragar a experiência do leitor revelando as crueldades que ela perpetra ao protagonista para conseguir lograr êxito neste objetivo, essa é uma experiência que você precisa ter por si próprio. Fatalmente a jornada de Jesse acaba levando-o novamente a Angelville, para o acerto de contas final com a família de sua mãe. Mas se você pensa que desta vez a luta será fácil, devido a habilidade conferida por Gênesis, está terrivelmente enganado: Marie conta com um poderoso e imprevisto aliado, de modo que a Palavra de Deus é ineficaz contra ela e seus asseclas.

Jesse e Tulipa

Esta é uma história de independência, de um homem que precisa se libertar das imposições de sua família e tomar as rédeas do próprio destino. E também é, de certa forma, uma história de amor, pois é justamente o sentimento entre Custer e Tulipa que lhe dá motivação e forças para superar um inimigo aparentemente tão mais forte. Não preciso nem falar que Jesse finalmente consegue realizar seu segundo grande objetivo: levar Tulipa para a cama! E devo dizer que essa parte da história, quando os dois fazem as pazes, é bem melosa, mas felizmente os dois formam um casal bem carismático.

Este volume ainda conta com a primeira parte do arco do Graal, um organização ultra-secreta que há milênios é responsável por proteger a sagrada linhagem do Messias, e aqui mais uma vez vemos a irreverência do autor com temas considerados por muitos como sagrados. Nesta saga ele eleva o nível de sua criatividade para o bizarro ao máximo: o próprio vilão, Herr Starr, cujo visual ao estilo Sagat causa uma certa intimidação, já começa a história sendo enrabado por engano por um gigolô! Além disso, tem um tal de Jesus DeSade, um milionáriuo que promove festas hedonistas regadas de bebibas e drogas, onde todas as formas de sexo são liberadas (e incentivadas!), e que protagoniza uma cena absurda envolvendo um tatu.

A Festa de Jesus DeSade

Jesse e Tulipa reencontram Cassidy, que volta a acompanha-los em suas aventuras em definitivo, e resolvem ajudá-lo a vingar a morte de sua namorada, indo atrás dos bandidos que lhe forneceram as drogas que causaram a sua overdose; esses traficantes são os mesmos que tiraram a honra de Herr Starr, que decide ir atrás deles em busca de vingança, enquanto ao mesmo tempo está atrás de Jesse, a quem ele quer transformar no próximo Messias e assim chegar ao topo do Graal. E por fim Jesus DeSade quer a droga para sua orgia, a mesma que causou a morte da ex do Cassidy. Os caminhos de todos estes personagens convergem inevitavelmente para a festa de DeSade, a qual termina com muito sangue e corpos, e com Cassidy sendo levado por engano para a sede do Graal, na França. Neste confronto finalmente vemos a que veio Tulipa, que deixa seus companheiros masculinos no chinelo ao revelar todas as suas habilidades com armas de fogo.

Garth Ennis prova que continua sendo um roteirista excepcional; seu maior talento, na minha opinião, não está nos roteiros, muitas vezes simplistas, apelando descaradamente para artifícios toscos como coincidências explicar alguns fatos; seu grande talento se manifesta na elaboração de personagens autênticos e carismáticos, indo desde a bruxa má Marie D'Angelle até o controverso Starr, passando pelos pervertidos T.C. e DeSade e o maligno Jody. A arte de Dillon continua afiada e muito competente, embora às vezes pareça que alguns personagens tenham as mesmas feições. Não posso deixar de mencionar a arte das capas de Glenn Fabry, que são um espetáculo à parte.

Conforme já mencionado na resenha anterior, Preacher foi publicada pela Panini Comics em uma série de encadernados em capa dura com excelente qualidade, e pode ser adquirida nas principais lojas especializadas e comic shops do Brasil.

Boa leitura!

Capa de Preacher #2, por Glenn Fabry

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