domingo, 10 de julho de 2016

[RESENHA] Mulher Maravilha: Hiketeia


Muitas vezes cumprir a lei ao pé da letra pode levar a um dano muito pior do que não fazê-lo. Todos ouvimos desde criança que é errado matar; no entanto, imagine uma situação em que um bandido invade a sua casa e ameaça a sua vida ou de alguém que você ame: seria errado matar o ladrão, nestas circunstâncias? A lei ao pé da letra não leva nada em consideração a não ser o seu total cumprimento, para ela só existe preto e branco, certo e errado. Mas a lei não deve ser usada como um instrumento que escraviza o ser humano; dependendo da situação, a consciência humana pode nos levar a tomar uma decisão contrária à lei, e ainda assim ser uma decisão correta, uma vez que acarretaria menos dano. Este, de fato, é o "espírito" por trás das leis: evitar conflitos, e, consequentemente, dano à vida humana. De fato, a legislação já evoluiu o bastante para não permitir paradoxos como o do exemplo do bandido, mas as leis nunca conseguirão englobar todas as situações da vida humana e suas relações interpessoais, que estão em constante modificação. Sempre haverão debates, como o uso de substâncias proibidas por lei no tratamento de doenças degenerativas, ou a delicada questão do aborto ou da eutanásia. 

Mulher Maravilha: Hiketeia é uma HQ escrita por Greg Rucka, roteirista de longa data das histórias da heroína, com arte de J.G. Jones e Wade Von Grawbadger, que trata justamente deste dilema. De um lado temos Danielle Wellys, uma jovem que cometeu um crime de assassinato em Gotham City; de outro o Batman, que assume na trama a figura do agente cumpridor da lei, cuja missão é levar a jovem perante a justiça para que seja julgada e pague por seus atos. O que o Cavaleiro das Trevas não esperava, contudo, é que Danielle fosse procurar a embaixadora das amazonas no mundo do patriarcado e invocasse o juramento de Hiketeia:

O Juramento de Hiketeia

Diana Prince, a Mulher Maravilha, sem conhecer a história de Danielle, aceita a jovem como sua protegida, e ao fazer isso coloca seu destino nas mãos das Erínias, também conhecidas como Fúrias, aquelas três entidades femininas da mitologia greco-romana que são a personificação da vingança. Se Diana falhar em sua missão de proteger a moça, deverá pagar com a própria vida. Seu juramento a coloca em conflito direto com seu companheiro de Liga da Justiça, o Batman, o qual possui seu próprio juramento, feito diante do túmulo de seus pais, de acabar com o crime em Gotham.

As Erínias

Nesta história Rucka nos apresenta um outro lado da Mulher Maravilha que tem sido pouco explorado ao longo de sua trajetória nos quadrinhos; ao invés de ser retratada como uma guerreira, sempre sisuda e muitas vezes dada a atos de violência, aqui ela aparece de fato como a Embaixadora da Paz, tal qual ela fora inicialmente concebida na Era de Ouro dos quadrinhos, por William Moulton Marston. Vemos como é o dia a dia de Diana Prince trabalhando na ONU, mediando conflitos entre países, ajudando grupos humanitários e fazendo pronunciamentos.

O roteiro Greg Rucka consegue equilibrar perfeitamente elementos da mitologia grega, na qual o mito da própria Mulher Maravilha está fundamentado, com uma trama policial moderna. Além disso, sendo uma história da maior heroína dos quadrinhos, ele não poderia deixar de abordar questões que dizem respeito às mulheres, e o faz de maneira até madura demais para uma história em quadrinhos regular da DC. Já a arte de J. G. Jones e Von Grawbadger está excelente: sua Mulher Maravilha aparece altiva e imponente, mas também é retratada como uma mulher quase normal quando está em sua residência. Já o Batman é mostrado como uma figura sombria, com o corpo quase sempre oculto pelo manto negro, um verdadeiro vigilante das sombras.

A luta propriamente dita entre Diana e o Batman é a única coisa que deixa a desejar nesta história. Desde o início ficamos ansiosos para o embate, mas quando pensamos que ele vai começar ele já acaba. Rucka é bem sóbrio com relação à superioridade de poder da Mulher Maravilha em relação ao Cavaleiro das Trevas, que tenta derrotá-la usando mais a astúcia do que força. Mas desde o início, conforme a própria capa da HQ já entrega, ele não tem nenhuma chance contra a princesa das amazonas.

Hiketeia para mim é uma das melhores histórias da Mulher Maravilha, e sua leitura não exige nenhum conhecimento prévio das aventuras da Princesa Amazona. O roteiro é muito bem estruturado, a premissa de colocar dois heróis reverenciados pelos públicos em confronto um contra o outro não é original, porém é desenvolvida com inteligência, e o autor tem sucesso em nos revelar como a é a vida da Mulher Maravilha quando ela é Diana Prince, com fidelidade e respeito à essência humanitária da personagem, estabelecida por seus predecessores durante décadas de publicação. Bo leitura! 

Capa de Mulher Maravilha: Hiketeia

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