Assim como fez no cinema, revolucionando os filmes de super heróis ao criar o primeiro universo compartilhado a partir do filme dos Vingadores, também nos quadrinhos a Marvel Comics inaugurou a era dos grandes crossovers com a megassaga Guerras Secretas, em 1984. Com roteiros de Jim Shooter e arte de Mike Zeck e Bob Layton, esta grandiosa história reuniu os principais medalhões da editora na época, dentre heróis e vilões, como o Capitão América, Homem Aranha, Wolverine, Sr. Fantástico, Dr. Destino, Ultron e Galactus, e os colocou para lutar entre si em uma batalha até a morte. Não demorou muito para que a "Distinta Concorrência" copiasse a ideia em sua igualmente grandiosa Crise nas Infinitas Terras, embora com um objetivo diferente.
Curiosamente, a ideia para Guerras Secretas não surgiu de dentro da editora, mas sim de uma empresa de brinquedos. A Mattel, vendo o sucesso da parceria entre Kenner e DC Comics, resolveu investir nos personagens da Casa das Ideias, mas com a condição de que a Marvel lançasse uma história para alavancar as vendas. Infelizmente a linha de brinquedos não alcançou o sucesso esperado, porém a história lançada pela Marvel bateu recordes de vendas, tornando-se um sucesso instantâneo. Outra curiosidade interessante foi a origem do nome da saga: aparentemente o pessoal da Mattel havia feito uma pesquisa com meninos adolescentes e descobriram que as palavras "guerra" e "segredo" tinham um grande apelo nessa faixa etária. Não foi difícil, então, juntar as duas palavras num título que agradasse a criançada dos anos 80.
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Guerras Secretas |
Tendo um claro propósito puramente comercial, não seria de espantar que a trama de Guerras Secretas fosse a mais simples possível. Na verdade, a ideia de juntar tantos personagens da editora numa mesma história era uma antiga reivindicação dos fãs, que clamavam por uma reunião dessas em suas cartas aos editores. O que Shooter fez foi simplesmente atender a estes fãs, fazendo de Guerras Secretas um gigantesco fan service. Assim, ele criou o Beyonder, uma entidade cósmica com poderes equivalentes aos de um deus (nem mesmo Galactus fora páreo para ele), o qual, por algum motivo, resolveu literalmente abduzir heróis e vilões e observá-los lutar em um mundo formado por retalhos de outro mundo. Para incentivá-los, ele prometeu realizar seus desejos mais íntimos caso eles fossem capazes de derrotar seus oponentes. Como já era de se esperar, rapidamente os "guerreiros" formaram lados: tinha a facção dos heróis, sob a liderança do Capitão América, e a dos vilões, comandados pelo Dr. Destino. No entanto, uma decisão interessante do roteirista foi colocar Magneto ao lado dos heróis. Apesar de ser um conhecido vilão, Magneto não é de todo mau: ele apenas não hesita em cometer atrocidades pelo "bem maior". Assim, numa condição atípica como a guerra promovida pelo Beyonder, o rei do magnetismo ficou ao lado dos mutantes contra quem sempre lutara, o que gerou desconfiança por parte dos demais heróis, provocando a separação dos X-Men em um grupo à parte, mas ainda aliado aos heróis.
Apesar de reunir tantos nomes de peso, um leitor de quadrinhos do século XXI não reconheceria muitos dos personagens que apareceram em Guerras Secretas, como o Homem Absorvente (calma, não é o que você está pensando!), o Homem Molecular e a Gangue da Demolição. Outra coisa que causa estranhamento nos leitores mais novos de quadrinhos é o visual dos heróis: poucos personagens tiveram sua aparência praticamente inalterada desde quando foram criados, como é o caso do Homem Aranha, o Capitão América e o Hulk; entretanto, personagens como a Vampira, Wolverine e Vespa aparecem com visuais bem diferentes do que ostentam hoje em dia, e ainda outros, como o Homem de Ferro e a Capitã Marvel, tinham até mesmo alter-egos diferentes (o homem por trás da armadura não era Tony Stark, o qual sofria uma recaída por causa das bebidas, mas Jim Rhodes).
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Homem Aranha com Uniforme Negro |
Além de abalar o universo dos quadrinhos com uma grande reunião de super heróis e vilões, Guerras Secretas também trouxe diversas mudanças nas revistas da editora. Muitas dessas mudanças foram locais e rapidamente foram esquecidas, porém outras são lembradas até hoje, como o encontro do Homem Aranha com o simbionte alienígena que lhe conferiu o uniforme negro, que caiu nas graças dos fãs e que seria responsável pelo surgimento de um importante personagem: Venom.
Recentemente Guerras Secretas foi publicada aqui no Brasil na coleção da Salvat, em duas partes, e num encadernado de luxo da Panini (bem mais bonito que o da Salvat, principalmente pela arte da capa, cortesia do talentosíssimo Alex Ross), de modo que este material está facilmente acessível as novos leitores. Meu alerta para vocês é o seguinte: não se deixem levar pelas expectativas: tenham sempre em mente que esta é uma HQ datada, publicada há mais de 30 anos, ou seja, muita coisa mudou de lá para cá nas histórias dos personagens, e também na forma de se desenhar quadrinhos. Não esperem um roteiro sofisticado e profundo; esta foi uma HQ produzida às pressas, seus diálogos são rasos, as motivações dos personagens são fracas e os clichês estão em toda parte. A arte de Mike Zeck e Bob Layton é bonita, porém não dá para comparar com os desenhos atuais, uma vez que segue o estilo setentista, mais agradável aos saudosistas. Como diversão é um prato cheio, mas não passa muito disso.
Boa leitura!
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Capa da Edição Especial, por Alex Ross |
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