segunda-feira, 27 de junho de 2016

[RESENHA] John Constantine, Hellblazer - Origens Volume 1: Pecados Originais


Em 1985 o aclamado quadrinista Alan Moore apresentava ao mundo, na fatídica edição 37 da revista Monstro do Pântano, um personagem que, embora fosse apenas um coadjuvante, nascera para brilhar como protagonista em seu próprio título. Seu nome era John Constantine, inglês oriundo da classe trabalhadora de Liverpool, e sua aparência, como os próprios criadores admitem, foi inspirada no vocalista da banda - também britânica - The Police, o Sting. Na maior parte das vezes ele usa um sobretudo bege surrado, e quase sempre é visto com um cigarro da marca silk cut nos lábios ou nos dedos. O que mais chamou a atenção do público, porém, não foi o seu visual, que pode ser considerado até comum e despretensioso para um personagem de quadrinhos, nem seus poderes - apesar de possuir um vasto conhecimento de magias ocultas, ele não costuma utilizar feitiços e encantamentos contra seus adversários, a não ser que seja forçado; o que fez John Constantine cair nas graças dos leitores e angariar uma legião de fãs pelo mundo foi o seu caráter duvidoso, o humor ácido, seu olhar cínico em relação ao mundo e a sociedade, e a astúcia com que manipula inimigos e aliados, sejam eles humanos, metahumanos, anjos ou demônios, para conseguir realizar seus objetivos.  Todas estas características o incluem no seleto grupo dos anti-heróis, dos quais ele foi um dos primeiros representantes nas histórias em quadrinhos.

Embora Alan Moore e os artistas Stephen Bissete e John Totleben tenham sido os responsáveis pela criação de Constantine, coube ao quadrinista inglês Jamie Delano a audaciosa e desafiadora missão de escrever os roteiros para a revista solo do anti-herói, intitulada Hellblazer, publicada sob o selo Vertigo da DC Comics. Enquanto os primeiros lançaram os fundamentos da construção deste incrível personagem, foi Delano quem consolidou as bases da mitologia do personagem e pavimentou o caminho para os seus sucessores, ao revelar alguns episódios do seu misterioso passado de Constantine, como o famigerado exorcismo que deu errado em Newcastle, o qual ajudou a explicar muito do caráter e motivação do anti-herói. Foi Delano quem apresentou pela primeira vez alguns personagens que iriam fazer parte da vida do protagonista, como o sempre presente taxista Chas, que se pode considerar o mais próximo de um amigo que ele tem, seus parentes mais próximos, como sua irmã Cheryl e a sobrinha Gemma, além da paranormal Zed e do criminoso feiticeiro Papa Meia-Noite.

A publicação de Hellblazer no Brasil, como tudo o mais na república das bananas, foi uma verdadeira zona. Números descontinuados e mudanças constantes de editoras fizeram da vida de quem queria acompanhar as desventuras do mago da DC um verdadeiro inferno. A própria fase Delano só teve os primeiros números publicados na revista do Monstro do Pântano, até que, anos depois, a Panini resolveu lançar uma coleção de encadernados com estas histórias, chamada John Constantine, Hellblazer - Origens. E é sobre o primeiro volume desta coleção que eu irei falar nesta resenha. Intitulada Pecados Originais, este encadernada reúne as seis primeiras edições da revista Hellblazer.

Constantine Enfrenta Mnemoth

Nas duas primeiras edições, Constantine precisa enfrentar Mnemoth, o espírito da fome, que está à solta nas ruas de Nova York graças à estupidez de um velho amigo dos tempos em que ele era vocalista da banda Membrana Mucosa: o viciado em heroína Gary Lester. A temática escolhida pelo autor para este capítulo é uma boa deixa para abordar os aspectos mais vis e decadentes da condição humana: a "fome" trabalhada por Delano engloba não apenas a necessidade física, mas as compulsões mais baixas do ser humano, como o vício em drogas, o desejo irracional por riquezas, o fanatismo religioso, e até mesmo a busca incessante pela forma física ideal. A arte crua e suja, repleta de rabiscos e hachuras de John Ridgway consegue imergir o leitor no mundo depravado e desprovido de valores morais por onde Constantine transita. Ela também consegue transmitir o clima de terror imprimido pelos roteiros de Delano, com seus exorcismos, demônios, viagens ao inferno, fantasmas e magia negra. A imagem que mostra Constantine encontrando Gary Lester em sua banheira, com o corpo coberto de insetos, provoca mais asco e choque do que terror propriamente dito.

Aqui vemos um Constantine atormentado pela culpa; quem acompanhou a saga Gótico Americano já pôde ter uma boa ideia do destino cruel daqueles que acabam chegando muito perto dele, e não é diferente desta vez: o ritual para deter Mnemoth envolve o sacrifício de mais um de seus "amigos". Para piorar, os fantasmas do passado voltam para lembrá-lo de seus pecados. Ciente de que a absolvição é apenas uma ilusão, ele procura o esquecimento no fundo de garrafas de uísque barato.

Os roteiros de Delano vão além do horror e suspense; o escritor, como a maioria dos quadrinistas britânicos de sucesso daquela época, como Alan Moore e Neil Gaiman, era um ferrenho crítico do conservadorismo de direita que dominava a Inglaterra de Margareth Tatcher em meados dos anos 1980, e das consequências sociais e econômicas que essas políticas causaram para os menos favorecidos. Como representante legítimo das massas, Constantine acaba se mostrando um canal perfeito para o autor extravasar as suas ideias. Este volume possui várias histórias assim, sendo as mais conhecidas, pela contundência com que os temas são tratados, Correndo Atrás e Quando Jonny Volta Marchando Para Casa.


Constantine Desafia Blathoxi

Na primeira Delano faz uma sátira ao modo de vida materialista da classe média inglesa da década de 1980, principalmente entre os yuppies. Para quem não sabe, a palavra yuppie vem da sigla YUP (jovem profissional urbano, já traduzido) e é um estereótipo para o grupo de jovens adultos bem sucedidos financeiramente, cujo principal comportamento é a busca incessante pelo sucesso profissional, e com isso possuir os melhores carros, as roupas da moda, os lançamentos tecnológicos mais recentes. São o completo oposto dos hippies, da geração anterior (anos 1960 e 1970). Nesta trama, demônios liderados pelo asqueroso Blathoxi negociam as almas dos yuppies desesperados por enriquecer rapidamente como se fossem ações em uma bolsa de valores. É brilhante o parelelo criado pelo autor quando compara as atitudes de certas pessoas, que deixam de lado valores importantes como amor próprio, dignidade, família e amigos, em troca de dinheiro e bens materiais, com a barganha feita entre os yuppies da história e Blathoxi: suas almas em troca de riquezas, mesmo isso significando vidas mais curtas. A forma como Constantine consegue derrotar Blathoxi é prova de que força bruta nem sempre resolve todos os problemas; às vezes é preciso ter astúcia e uma boa dose de coragem.

Quando Jonny Volta Marchando Para Casa é, na minha opinião, a melhor história deste encadernado. Nela o autor traz à tona os horrores da Guerra do Vietnã, mostrando um outro lado da guerra que não aparece nos filmes de Hollywood; um lado onde o altruísmo e a bravura americanos tão exaltados nas telas são substituídos pela selvageria e covardia praticados por soldados desesperados, presos em uma guerra que não era deles, em solo estrangeiro e nas piores condições, e dominados pela tensão de não saberem até quando permaneceriam vivos. A crítica fica bem clara quando, no epílogo, Constantine observa um ex-combatente preso a uma cadeira de rodas, incapaz de realizar as tarefas mais simples, parado diante de uma vitrine de uma locadora de filmes com o cartaz: "Filmes que mostram como foi de verdade!"

Outro ponto abordado por Delano foram as consequências do conflito para aqueles que conseguiram retornar para casa, muitos deles com sequelas físicas e psicológicas; ao contrário do que aconteceu com seus pais ao voltarem da Segunda Guerra Mundial, estes soldados não foram recebidos como heróis, mas como párias, assassinos e genocidas. Nesta história, que se passa em uma cidadezinha do meio oeste americano chamada Liberty, Constantine testemunha o caso de Frank Ross, o único dos jovens da cidade a retornar do Vietnã, e justamente por isso ele é o mais odiado da cidade. Para piorar, os pais daqueles jovens que jamais retornaram, agora idosos, são convencidos por uma seita fundamentalista de que os filhos perdidos irão voltar para casa. Num esquema de deixar o bispo Macedo com inveja, os velhinhos iludidos participam de um esquema de pirâmide (para saber o que é isso, clique aqui) e acreditam que o milagre vai acontecer. O problema é que, quando os rapazes voltam, eles trazem a guerra consigo, transformando a pacata Liberty em uma "vietnamérica". A técnica narrativa de Delano ao mostrar cenas do passado se repetindo no presente é sensacional, a forma como os eventos se sucedem até culminar no explosivo desfecho que, apesar de chocante, também conforta pela redenção encontrada por um dos personagens.

Zed

À Espera do Homem marca o início da primeira grande saga de Hellblazer, durante a qual Constantine entra no fogo cruzado entre a Cruzada da Ressurreição e o Exérito da Danação, duas seitas, cristã e satanista, respectivamente, que estão em guerra pelo domínio espiritual do mundo. Ele acaba se envolvendo no conflito quando um maníaco pedófilo e satanista, membro do Exército da Danação, sequestra sua sobrinha Gemma. É nesta saga que J. C. conhece Zed, uma mulher intrigante que possui muitas características em comum com ele, incluindo o dom da paranormalidade, e que o ajuda a encontrar Gemma. O encontro dos dois acontece meio que por acaso, mas será que no mundo de Constantine existem coincidências? Como a própria Zed disse: "Eu estava esperando. Você me encontrou. Eu não sei o que eu estava esperando, você não sabe o que encontrou." Não demora muito para ele descobrir que a mulher, assim como ele, possui muitos segredos, e que está no centro da disputa entre o Exército da Danação e a Cruzada da Ressurreição.

O Monstro do Preconceito

Preconceito Extremo encerra este volume com um enredo que aborda o problema do preconceito sofrido por imigrantes, principalmente muçulmanos, e pelos homossexuais, pelos membros de grupos radicais de direita na Inglaterra. Delano usa a figura dos hooligans, jovens torcedores de times de futebol conhecidos por seu vandalismo e violência exagerada, para encarnar o preconceito abordado por ele, devido ao fato de muitos destes rapazes serem envolvidos com grupos de neonazistas, skinheads e radicais conservadores que canalizam seu ódio contra qualquer um que não seja europeu, branco e heterossexual. Nesta trama Nergal, demônio líder do Exército da Danação, envia uma bizarra criatura constituída por partes de corpos remendados de hooligans para capturar Zed.

Apesar de ter sido escrita na década de 1980, esta história não poderia ser mais atual: não faz muito tempo que acompanhamos nos noticiários internacionais e na Internet a situação delicada dos refugiados de guerra na Europa, e como isto está afetando a vida de todos no Velho Mundo, bem como os casos de homossexuais que são vítimas de violência unicamente por serem diferentes. Em pleno século XXI, quase 30 anos após esta história ter sido escrita, ainda hoje somos surpreendidos ao ligarmos nossas TV's, computadores ou smarthphones e descobrirmos que um lunático assassinou a sangue frio 50 pessoas simplesmente pelo fato deles decidirem ter relações com pessoas do mesmo sexo. Quando lidamos com estes fatos é que percebemos que, apesar de toda a evolução científica e tecnológica que vivenciamos ao longo dessas décadas, a mentalidade do ser humano evoluiu muito pouco.

Com roteiros adultos e complexos, e tramas baseadas no gênero do horror sobrenatural com boas doses de suspense, embora a arte não agrade a muitos, este é um material recomendadíssimo para aqueles que querem se iniciar nas histórias do mago mais carismático e cafajeste das HQ's. Como já mencionei anteriormente, esta HQ está sendo publicada pela Panini Comics em uma coleção de 7 encadernados, todos em capa cartão e papel pisa britte, o que causou algum descontentamento entre alguns colecionadores, já que este tipo de papel possui menor qualidade que o LWC, mais comumente usado neste tipo de publicação. No entanto, a Panini apenas seguiu o padrão norte-americano, que também adotou este tipo de papel, por ser mais adequado ao método de colorização adotado na época.

Boa leitura!

Capa de Hellblazer Origens Vol.1

quarta-feira, 22 de junho de 2016

[RESENHA] Arqueiro Verde: Os Caçadores


O final da década de 1980 foi um marco para a nona arte. Até então histórias em quadrinhos eram consideradas apenas diversão (comics), voltadas para o público juvenil, com seus heróis coloridos, vestidos de colante e capa, que precisavam salvar o mundo de vilões igualmente coloridos e cômicos. Enquanto o mundo enfrentava grandes mudanças, com o fim da Guerra Fria, o surgimento da Aids, o problema das drogas e do narcotráfico, a escalada do crime nas grandes cidades, o terroristmo e a luta de mulheres, negros e homossexuais por inclusão, as histórias em quadrinhos permaneciam sempre as mesmas (a não ser por alguns poucos e ousados artistas).

Mas esses jovens que cresceram lendo as histórias do Superman, Batman, Capitão Marvel e Lanterna Verde se tornaram adultos, e muitos deles ainda gostavam de quadrinhos, e demandavam um tipo diferente de história, mais madura e que retratasse o mundo como ele realmente era. Foi então que Frank Miller abalou a indústria dos quadrinhos com seu Cavaleiro das Trevas, no qual apresentava um Batman mais velho, sombrio e muito mais violento; por volta desta mesma época Alan Moore assumia a mensal do Monstro do Pântano, um personagem menosprezado e fadado ao esquecimento, e surpreendeu seus leitores com histórias que misturavam temas sociais ao horror gótico. E teve Mike Grell, que fez o mesmo para o Arqueiro Verde na minissérie em três edições Os Caçadores, entre agosto e outubro de 1987.

Antes de continuar, falarei um pouco sobre o passado editorial deste personagem, que atualmente ganhou relevância devido à série de TV produzida pela CW, Arrow. O Arqueiro Verde foi criado por Mort Weisinger e George Papp, em 1941, e apareceu pela primeira vez na revista More Fun Comics (Quadrinhos Mais Divertidos!), da DC Comics. Seu visual era bastante parecido com o do famoso ladrão medieval Robin Hood, e muitas de suas características foram inspiradas no Batman (assim como em Arrow, diga-se de passagem), como o fato de Oliver Queen, seu alter-ego, ser um milonário, possuir um parceiro mirim - o Ricardito -, um "flechamóvel" e até mesmo uma "flechacaverna"! Seu debute foi tímido e despretensioso, e durante muitos anos ele não teve nem mesmo uma revista solo. Sua origem só foi contada nos anos 50, pelo Rei Jack Kirby (criador de Thanos e Darkseid); foi ele quem criou a história de que o iate de Oliver teria sido afundado por piratas, de modo que o milionário teve que sobreviver em uma ilha deserta, onde aprendeu a atirar com um arco e flechas. Mais tarde, os mesmos piratas voltariam à ilha, e ele daria cabo deles usando suas recém adquiridas habilidades, angariando para si a alcunha de Arqueiro Verde.

Pirmeira Versão do Arqueiro Verde

Assim como na animação Liga da Justiça Sem Limites, o Arqueiro Verde foi o primeiro herói do segundo escalão da DC a se juntar às fileiras da equipe de heróis formada por Superman, Batman, Mulher Maravilha, Lanterna Verde, Flash, Aquaman e Caçador de Marte. Enquanto estes últimos representavam o americano médio, branco e conservador, o arqueiro representava o homem comum, do povo, com muitas ideias de viés esquerdista. Para que isso não constrastasse com sua condição de milionário, os autores não demoraram a fazer com que ele perdesse sua fortuna e fosse viver entre aqueles cujos interesses defendia. Seu auge veio quando Dennis O'Neil e Neal Adams resolveram juntar o Arqueiro Verde e o Lanterna Verde em uma viagem pelos Estados Unidos, na qual eles combatiam, a cada parada que faziam, problemas políticos e sociais que estavam em pauta naquela época. Atualmente esta série é considerada um sucesso de crítica e um marco na história das HQ's, porém ela estava à frente de seu tempo, e foi cancelada após 14 edições, por não alcançar o sucesso desejado. Alguns anos se passariam, então, para que o público pudesse finalmente absorver este tipo de história, mais complexa e polêmica; e, após o sucesso absoluto de O Cavaleiro das Trevas, Mike Grell é chamado para comandar roteiro e arte da revista do Arqueiro Verde, e logo nas primeiras edições nos surpreende com a excelente Os Caçadores.

O primeiro passo de Mike Greel foi tirar Oliver Queen da fictícia Star City e mandá-lo para Seatle, cidade de origem da sua namorada, a Canário Negro. Além de substituir o traje clássico (aquele com boné e pena) por um com capuz, adaptado ao clima chuvoso da nova cidade, o Arqueiro abandona de vez as flechas modificadas - flecha-rede, flecha-bomba e até a flecha-luva-de-boxe - e passa a usar apenas flechas convencionais, com pontas de aço, capazes de perfurar carne e osso... e matar. Até mesmo a origem do herói é modificada: foi um Oliver Queen completamente bêbado quem caiu no mar, ao invés de seu iate ter sido afundado por piratas; o tempo passado na ilha deserta permanece, porém os piratas foram substituídos por traficantes de maconha, e não eram tantos assim.  Quanto à sua personalidade, o Oliver Queen de Mike Grell está mais velho, soturno e introspectivo, porém não abandonou de vez seu bom humor, característica marcante do personagem (além da barbicha, é claro). Em uma cena hilária, ele convida uma senhora para dançar com ele no meio da rua após salvá-la de assaltantes (com a música sendo forncecida pelo rádio do próprio pivete!).

A Origem do Arqueiro Verde é Recontada

Mike Grell insere o Arqueiro Verde em um contexto mais realista e verossímil; ele não combate mais supervilões ao lado de superseres, tornando-se, em contrapartida, um vigilante de rua na sua essência mais pura. Seus inimigos agora são ladrões, assassinos em série, traficantes de drogas, a yakuza e até mesmo agentes corruptos do governo. O autor faz referência ao escândalo político Irã-Contras do governo de Ronald Reagan (clique aqui para saber mais), que acontecera apenas um ano antes do lançamento desta minissérie, e que ainda dominava as manchetes dos jornais da época.

O Arqueiro Verde é reratado como um caçador na selva urbana de Seatle, mas nesta selva existem outros caçadores e outras presas. Há um serial killer nas ruas da cidade caçando e matando prostitutas; a Canário Negro decide caçar os traficantes de drogas responsáveis por destruir a vida de vários jovens ao viciá-los em crack; e há uma misteriosa arqueira japonesa chamada Shado, que está deixando um rastro de sangue pelo país, enquanto ruma diretamente para o ninho do Arqueiro Verde com o objetivo de completar sua Vendetta particular, cujas origens remontam aos tempos da Segunda Guerra Mundial.

Todas estas tramas estão de certa forma interligadas, e fazem parte de um pano de fundo maior, que o Arqueiro Verde precisará desvendar. O Arqueiro está claramente mais violento, e não hesita em causar dor às suas presas para obter as informações que precisa para montar este complicado quebra cabeça. Mas há uma linha a qual ele se recusa a cruzar: a do assassinato. Sua determinação em não matar será testada ao extremo durante toda a história, e Shado desempenha um papel importante neste contexto por representar um reflexo do que ele se tornará se cruzar esta linha.

O Caçador e suas Presas

Outro dilema enfrentado pelo Arqueiro Verde se dá no âmbito de sua vida pessoal, como Oliver Queen: ele precisa lidar com o fato de estar envelhecendo. Oliver teme que já tenha passado do tempo de formar uma família e ter filhos; porém irá aprender da maneira mais difícil que é imossível levar uma vida normal e combater o crime. Para se ter um é preciso perder o outro.

Mike Greel lida de maneira interessante com a ideia do "antigo". O Arqueiro Verde esta mais velho, porém não perdeu sua força, nem seu charme; isto se reflete no carro que ele dirige para patrulhar as ruas de Seatle, um modelo antigo (verde, é claro), de meados do século XX, bem como na casa que ele divide com Dinah Lance: uma construção cuja arquitetura remonta a um castelo medieval, onde também funciona a floricultura de Dinnah, a Sherwood. 

Shado

O enredo desenvolvido por Mike Grell é impecável; embora seja uma trama complexa, constituída de diversas subtramas que convergem na direção de uma conclusão digna de um filme de espionagem, não há pontas soltas, nada é deixado ao acaso ou explicado por meio de meras coincidências, e seus personagens são muito bem desenvolvidos, com personalidades complexas moldadas pelos traumas do passado, bem como pelo ambiente em que vivem.

A arte de Mike Grell, se é que posso dizer, é bastante rústica e nostálgica, com traços que mais parecem tirados diretamente do grafite em uma folha de papel, contrastando diretamente com aqueles feitos à base de tinta. Grandes quadros em página dupla prevalecem nas três edições, o que atrapalha um pouco a visualização de alguns desenhos na versão física, mas na grande maioria das vezes nos proporciona uma bela experiência, como aquele que retrata um parque natural no estado de Washington, com a montanha e as árvores sendo refletidos na superfície de um lago. Os diálogos são bem posicionados nos quadros, de modo que não há balões em excesso, o que poluiria desnecessariamente os belíssimos desenhos de Grell. O melhor, no entanto, fica com a caracterização dos personagens: o novo visual do Arqueiro Verde está sensacional, e o capuz, embora a desculpa para o seu uso seja uma questão técnica, deixa o personagem mais sombrio e estiloso.  E Shado... ah, a Shado! Com um visual que remete aos ninjas japoneses, e uma belíssima tatuagem vermelha de um dragão no braço, que contrasta com suas vestimentas orientais preto e brancas, é a cereja do bolo.

Esta é uma história altamente recomendada para aqueles que são fãs do Arqueiro Verde, ou para aqueles que nunca leram nada do personagem e estão interessados em conhecer mais sobre este carismático herói. Muito do que aparece nesta saga foi usado na série Arrow, principalmente nas duas primeiras temporadas, como o estilo de uniforme adotado por Oliver Queen, o tempo que ele passou em uma ilha deserta no começo da temporada, a festa em que ele se veste de Robin Hood, a personagem Shado, e sua postura como vigilante urbano disposto a matar seus inimigos. Faz muito tempo que este material não é publicado no Brasil (foi publicado em 1989 em três edições pela editora Abril), mas esta obra faz parte da coleção de Graphic Novels da DC pela Eaglemoss, só não sei quando será lançado por aqui.

Capas das Três Edições Lançadas pela Abril

quarta-feira, 8 de junho de 2016

[RESENHA] Batman - O Longo Dia das Bruxas


Leitura prévia:

Batman: O Longo Dia das Bruxas é uma Graphic Novel publicada pela DC Comics em 13 edições, escrita e desenhada pela dupla dinâmica dos quadrinhos Jeph Loeb e Tim Sale, que também respondem por trabalhos como Superman: Quatro Estações e Homem Aranha: Azul, além da sequência Vitória Sombria e do spin-off Mulher Gato: Cidade Eterna. Apesar de possuir elementos e personagens clássicos da mitologia do Batman, esta é uma história de suspense noir ambientada em Gotham City. O roteirista também se inspirou em filmes da máfia como Scarface e O Poderoso Chefão.

Os eventos de O Longo Dia das Bruxas ocorrem pouco tempo depois de Ano Um (clique aqui para ver essa resenha). Batman faz um pacto com o agora capitão Jim Gordon e o promotor público Harvey Dent para pôr um fim ao império criminoso comandado por Carmine "Romano" Falcone, enquanto precisa descobrir quem é o misterioso serial killer apelidado pela imprensa de "Feriado", já que seus crimes são cometidos apenas em feriados. Além do método dos assassinatos e dos souvenires remetendo ao feriado em que são realizados, todos - ou quase todos - os crimes possuem uma característica comum: as vítimas são sempre mafiosos ligados a Falcone. O primeiro assassinato ocorre em um Dia das Bruxas, e a partir de então o assassino ataca em todos os feriados durante um ano inteiro, e cada edição da Graphic Novel se passa em um feriado diferente, a não ser pela primeira e pela última, ambas no Dia das Bruxas (daí o título ser O Longo Dia das Bruxas).

Harvey Dent, Gordon e Batman

Como pano de fundo pera essa história Loeb utiliza as relações dos três personagens centrais com suas famílias. Bruce Wayne vive sozinho na mansão que pertenceu aos seus pais (apesar de já ser um homem adulto, ele não considera a mansão como sendo sua), tendo como companhia apenas o seu mordomo, Alfred Pennyworth. Bruce jamais superou a morte dos pais, e utiliza este trauma como catalisador para realizar a árdua missão que assumiu para si: impedir que o que aconteceu a ele aconteça com outras pessoas. Gordon tenta desesperadamente conciliar sua vida conjugal, agora acrescida do pequeno James, com o trabalho na polícia, mas em uma cidade como Gotham a família de um policial acaba ficando em segundo plano. Finalmente, Harvey, embora ame sua esposa Gilda Dent e compartilhe de seus planos de um dia ter filhos, não consegue se livrar da obsessão que o move: prender Falcone. Loeb nos revela um lado mais humano do mafioso, que também se preocupa com sua família, à sua própria maneira. Um exemplo claro disso é sua insistência em deixar o filho Alberto de fora dos assuntos da máfia, a despeito da vontade deste de agradar o pai.

Sendo uma história longa (a edição que eu tenho conta com 374 páginas, sem contar os extras!), era de se esperar que se tornasse cansativa; porém Loeb não deixa isso acontecer, ao acrescentar à narrativa diversas subtramas, e faz isto de forma magistral ao lançar mão do vasto arsenal de personagens da galeria de vilões do Batman, sem, contudo, desviar o foco da história principal. Coringa, Hera Venenosa e Espantalho rendem bons momentos, mas quem rouba a cena mesmo é Selina Kyle, a Mulher Gato, que surgecomo um provável interesse amaroso de Bruce Wayne. Infelizmente relação dos dois é fadada ao fracasso, devido aos segredos obscuros de ambos: enquanto um sai todas as noites para combater o crime como o Homem Morcego, a outra é uma ladra procurada pela polícia e com uma recompensa por sua cabeça colocada por Falcone (devido ao presentinho que ela deixou para ele em Ano Um).

Batman e Mulher Gato

O talento de Jeph Loeb como contador de histórias é inquestionável. O fato de cada edição se passar em um feriado diferente serve para dar à narrativa o contexto e a ambientação adequados para cada situação. Ele também faz um bom uso dos recordatórios (aquelas caixinhas de texto que às vezes narram o que está acontecendo no quadro ou o que determinado personagem está pensando), mostrando o ponto de vista do Batman sobre os acontecimentos, desnudando seus métodos investigativos, e dando ao leitor informação sobre algum personagem ou local, além de situá-lo sobre o que já aconteceu até então história, sempre evitando, porém, textos muito longos que com certeza atrapalhariam a experiência de admirar a bela arte de Tim Sale. E falando na arte de Tim Sale...

O artista possui um traço único e inconfundível; é impossível deixar de reconhecer uma HQ desenhada por ele quando já conhece o seu trabalho. Ele oferece uma visão particular dos personagens que povoam Gotham City, sem alterar sua essência, mas utilizando um traço único e exagerado, que muitas vezes beira o caricato. Outro aspecto positivo de seus desenhos é seu jogo de luz e sombras, o que ajuda a transmitir o lado sombrio do roteiro quando necessário e realça as belas e sóbrias cores usadas por Gregory Wright.

Vilões Reunidos

A conclusão da história é surpreendente, com a revelação da verdadeira identidade do assassino Feriado, e, embora algumas pessoas já pudessem suspeitar de quem se tratava (o artifício usado por Jeph Loeb não é novidade em histórias de suspense), ao ler as últimas páginas da série ele deixa o leitor completamente louco ao mostrar uma outra perspectiva sobre quem seria o misterioso assassino. Ela também traz algumas consequências devastadoras para Batman e Gordon, pois, apesar de conseguirem derrubar o império de Falcone, perdem um grande amigo para o lado negro de Gotham, pois O Longo Dia das Bruxas traz de bônus a gênese do vilão Duas Caras. Além disso, a queda do Romano também marcou o final da uma era de domínio da máfia e dos criminosos "normais" em Gotham, e a ascensão das aberrações loucas e fantasiadas que passaram a infestar a cidade inspirados pelo surgimento do Batman.

Batman: O Longo Dia das Bruxas foi publicado no Brasil recentemente em uma edição definitiva de luxo pela Panini Comics, além de figurar entre os primeiros números da coleção de Graphic Novels DC da Eaglemoss, também com capa dura e acabamento de luxo. Esta é uma história essencial para descobrir como foi o início da carreira do Batman, e obrigatória para a estante de qualquer apreciador de quadrinhos.

Boa leitura!

Capa da Edição Definitiva