Mas esses jovens que cresceram lendo as histórias do Superman, Batman, Capitão Marvel e Lanterna Verde se tornaram adultos, e muitos deles ainda gostavam de quadrinhos, e demandavam um tipo diferente de história, mais madura e que retratasse o mundo como ele realmente era. Foi então que Frank Miller abalou a indústria dos quadrinhos com seu Cavaleiro das Trevas, no qual apresentava um Batman mais velho, sombrio e muito mais violento; por volta desta mesma época Alan Moore assumia a mensal do Monstro do Pântano, um personagem menosprezado e fadado ao esquecimento, e surpreendeu seus leitores com histórias que misturavam temas sociais ao horror gótico. E teve Mike Grell, que fez o mesmo para o Arqueiro Verde na minissérie em três edições Os Caçadores, entre agosto e outubro de 1987.
Antes de continuar, falarei um pouco sobre o passado editorial deste personagem, que atualmente ganhou relevância devido à série de TV produzida pela CW, Arrow. O Arqueiro Verde foi criado por Mort Weisinger e George Papp, em 1941, e apareceu pela primeira vez na revista More Fun Comics (Quadrinhos Mais Divertidos!), da DC Comics. Seu visual era bastante parecido com o do famoso ladrão medieval Robin Hood, e muitas de suas características foram inspiradas no Batman (assim como em Arrow, diga-se de passagem), como o fato de Oliver Queen, seu alter-ego, ser um milonário, possuir um parceiro mirim - o Ricardito -, um "flechamóvel" e até mesmo uma "flechacaverna"! Seu debute foi tímido e despretensioso, e durante muitos anos ele não teve nem mesmo uma revista solo. Sua origem só foi contada nos anos 50, pelo Rei Jack Kirby (criador de Thanos e Darkseid); foi ele quem criou a história de que o iate de Oliver teria sido afundado por piratas, de modo que o milionário teve que sobreviver em uma ilha deserta, onde aprendeu a atirar com um arco e flechas. Mais tarde, os mesmos piratas voltariam à ilha, e ele daria cabo deles usando suas recém adquiridas habilidades, angariando para si a alcunha de Arqueiro Verde.
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Pirmeira Versão do Arqueiro Verde |
Assim como na animação Liga da Justiça Sem Limites, o Arqueiro Verde foi o primeiro herói do segundo escalão da DC a se juntar às fileiras da equipe de heróis formada por Superman, Batman, Mulher Maravilha, Lanterna Verde, Flash, Aquaman e Caçador de Marte. Enquanto estes últimos representavam o americano médio, branco e conservador, o arqueiro representava o homem comum, do povo, com muitas ideias de viés esquerdista. Para que isso não constrastasse com sua condição de milionário, os autores não demoraram a fazer com que ele perdesse sua fortuna e fosse viver entre aqueles cujos interesses defendia. Seu auge veio quando Dennis O'Neil e Neal Adams resolveram juntar o Arqueiro Verde e o Lanterna Verde em uma viagem pelos Estados Unidos, na qual eles combatiam, a cada parada que faziam, problemas políticos e sociais que estavam em pauta naquela época. Atualmente esta série é considerada um sucesso de crítica e um marco na história das HQ's, porém ela estava à frente de seu tempo, e foi cancelada após 14 edições, por não alcançar o sucesso desejado. Alguns anos se passariam, então, para que o público pudesse finalmente absorver este tipo de história, mais complexa e polêmica; e, após o sucesso absoluto de O Cavaleiro das Trevas, Mike Grell é chamado para comandar roteiro e arte da revista do Arqueiro Verde, e logo nas primeiras edições nos surpreende com a excelente Os Caçadores.
O primeiro passo de Mike Greel foi tirar Oliver Queen da fictícia Star City e mandá-lo para Seatle, cidade de origem da sua namorada, a Canário Negro. Além de substituir o traje clássico (aquele com boné e pena) por um com capuz, adaptado ao clima chuvoso da nova cidade, o Arqueiro abandona de vez as flechas modificadas - flecha-rede, flecha-bomba e até a flecha-luva-de-boxe - e passa a usar apenas flechas convencionais, com pontas de aço, capazes de perfurar carne e osso... e matar. Até mesmo a origem do herói é modificada: foi um Oliver Queen completamente bêbado quem caiu no mar, ao invés de seu iate ter sido afundado por piratas; o tempo passado na ilha deserta permanece, porém os piratas foram substituídos por traficantes de maconha, e não eram tantos assim. Quanto à sua personalidade, o Oliver Queen de Mike Grell está mais velho, soturno e introspectivo, porém não abandonou de vez seu bom humor, característica marcante do personagem (além da barbicha, é claro). Em uma cena hilária, ele convida uma senhora para dançar com ele no meio da rua após salvá-la de assaltantes (com a música sendo forncecida pelo rádio do próprio pivete!).
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A Origem do Arqueiro Verde é Recontada |
Mike Grell insere o Arqueiro Verde em um contexto mais realista e verossímil; ele não combate mais supervilões ao lado de superseres, tornando-se, em contrapartida, um vigilante de rua na sua essência mais pura. Seus inimigos agora são ladrões, assassinos em série, traficantes de drogas, a yakuza e até mesmo agentes corruptos do governo. O autor faz referência ao escândalo político Irã-Contras do governo de Ronald Reagan (clique aqui para saber mais), que acontecera apenas um ano antes do lançamento desta minissérie, e que ainda dominava as manchetes dos jornais da época.
O Arqueiro Verde é reratado como um caçador na selva urbana de Seatle, mas nesta selva existem outros caçadores e outras presas. Há um serial killer nas ruas da cidade caçando e matando prostitutas; a Canário Negro decide caçar os traficantes de drogas responsáveis por destruir a vida de vários jovens ao viciá-los em crack; e há uma misteriosa arqueira japonesa chamada Shado, que está deixando um rastro de sangue pelo país, enquanto ruma diretamente para o ninho do Arqueiro Verde com o objetivo de completar sua Vendetta particular, cujas origens remontam aos tempos da Segunda Guerra Mundial.
Todas estas tramas estão de certa forma interligadas, e fazem parte de um pano de fundo maior, que o Arqueiro Verde precisará desvendar. O Arqueiro está claramente mais violento, e não hesita em causar dor às suas presas para obter as informações que precisa para montar este complicado quebra cabeça. Mas há uma linha a qual ele se recusa a cruzar: a do assassinato. Sua determinação em não matar será testada ao extremo durante toda a história, e Shado desempenha um papel importante neste contexto por representar um reflexo do que ele se tornará se cruzar esta linha.
Todas estas tramas estão de certa forma interligadas, e fazem parte de um pano de fundo maior, que o Arqueiro Verde precisará desvendar. O Arqueiro está claramente mais violento, e não hesita em causar dor às suas presas para obter as informações que precisa para montar este complicado quebra cabeça. Mas há uma linha a qual ele se recusa a cruzar: a do assassinato. Sua determinação em não matar será testada ao extremo durante toda a história, e Shado desempenha um papel importante neste contexto por representar um reflexo do que ele se tornará se cruzar esta linha.
Outro dilema enfrentado pelo Arqueiro Verde se dá no âmbito de sua vida pessoal, como Oliver Queen: ele precisa lidar com o fato de estar envelhecendo. Oliver teme que já tenha passado do tempo de formar uma família e ter filhos; porém irá aprender da maneira mais difícil que é imossível levar uma vida normal e combater o crime. Para se ter um é preciso perder o outro.
Mike Greel lida de maneira interessante com a ideia do "antigo". O Arqueiro Verde esta mais velho, porém não perdeu sua força, nem seu charme; isto se reflete no carro que ele dirige para patrulhar as ruas de Seatle, um modelo antigo (verde, é claro), de meados do século XX, bem como na casa que ele divide com Dinah Lance: uma construção cuja arquitetura remonta a um castelo medieval, onde também funciona a floricultura de Dinnah, a Sherwood.
O enredo desenvolvido por Mike Grell é impecável; embora seja uma trama complexa, constituída de diversas subtramas que convergem na direção de uma conclusão digna de um filme de espionagem, não há pontas soltas, nada é deixado ao acaso ou explicado por meio de meras coincidências, e seus personagens são muito bem desenvolvidos, com personalidades complexas moldadas pelos traumas do passado, bem como pelo ambiente em que vivem.
A arte de Mike Grell, se é que posso dizer, é bastante rústica e nostálgica, com traços que mais parecem tirados diretamente do grafite em uma folha de papel, contrastando diretamente com aqueles feitos à base de tinta. Grandes quadros em página dupla prevalecem nas três edições, o que atrapalha um pouco a visualização de alguns desenhos na versão física, mas na grande maioria das vezes nos proporciona uma bela experiência, como aquele que retrata um parque natural no estado de Washington, com a montanha e as árvores sendo refletidos na superfície de um lago. Os diálogos são bem posicionados nos quadros, de modo que não há balões em excesso, o que poluiria desnecessariamente os belíssimos desenhos de Grell. O melhor, no entanto, fica com a caracterização dos personagens: o novo visual do Arqueiro Verde está sensacional, e o capuz, embora a desculpa para o seu uso seja uma questão técnica, deixa o personagem mais sombrio e estiloso. E Shado... ah, a Shado! Com um visual que remete aos ninjas japoneses, e uma belíssima tatuagem vermelha de um dragão no braço, que contrasta com suas vestimentas orientais preto e brancas, é a cereja do bolo.
Esta é uma história altamente recomendada para aqueles que são fãs do Arqueiro Verde, ou para aqueles que nunca leram nada do personagem e estão interessados em conhecer mais sobre este carismático herói. Muito do que aparece nesta saga foi usado na série Arrow, principalmente nas duas primeiras temporadas, como o estilo de uniforme adotado por Oliver Queen, o tempo que ele passou em uma ilha deserta no começo da temporada, a festa em que ele se veste de Robin Hood, a personagem Shado, e sua postura como vigilante urbano disposto a matar seus inimigos. Faz muito tempo que este material não é publicado no Brasil (foi publicado em 1989 em três edições pela editora Abril), mas esta obra faz parte da coleção de Graphic Novels da DC pela Eaglemoss, só não sei quando será lançado por aqui.
Mike Greel lida de maneira interessante com a ideia do "antigo". O Arqueiro Verde esta mais velho, porém não perdeu sua força, nem seu charme; isto se reflete no carro que ele dirige para patrulhar as ruas de Seatle, um modelo antigo (verde, é claro), de meados do século XX, bem como na casa que ele divide com Dinah Lance: uma construção cuja arquitetura remonta a um castelo medieval, onde também funciona a floricultura de Dinnah, a Sherwood.
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Shado |
O enredo desenvolvido por Mike Grell é impecável; embora seja uma trama complexa, constituída de diversas subtramas que convergem na direção de uma conclusão digna de um filme de espionagem, não há pontas soltas, nada é deixado ao acaso ou explicado por meio de meras coincidências, e seus personagens são muito bem desenvolvidos, com personalidades complexas moldadas pelos traumas do passado, bem como pelo ambiente em que vivem.
A arte de Mike Grell, se é que posso dizer, é bastante rústica e nostálgica, com traços que mais parecem tirados diretamente do grafite em uma folha de papel, contrastando diretamente com aqueles feitos à base de tinta. Grandes quadros em página dupla prevalecem nas três edições, o que atrapalha um pouco a visualização de alguns desenhos na versão física, mas na grande maioria das vezes nos proporciona uma bela experiência, como aquele que retrata um parque natural no estado de Washington, com a montanha e as árvores sendo refletidos na superfície de um lago. Os diálogos são bem posicionados nos quadros, de modo que não há balões em excesso, o que poluiria desnecessariamente os belíssimos desenhos de Grell. O melhor, no entanto, fica com a caracterização dos personagens: o novo visual do Arqueiro Verde está sensacional, e o capuz, embora a desculpa para o seu uso seja uma questão técnica, deixa o personagem mais sombrio e estiloso. E Shado... ah, a Shado! Com um visual que remete aos ninjas japoneses, e uma belíssima tatuagem vermelha de um dragão no braço, que contrasta com suas vestimentas orientais preto e brancas, é a cereja do bolo.
Esta é uma história altamente recomendada para aqueles que são fãs do Arqueiro Verde, ou para aqueles que nunca leram nada do personagem e estão interessados em conhecer mais sobre este carismático herói. Muito do que aparece nesta saga foi usado na série Arrow, principalmente nas duas primeiras temporadas, como o estilo de uniforme adotado por Oliver Queen, o tempo que ele passou em uma ilha deserta no começo da temporada, a festa em que ele se veste de Robin Hood, a personagem Shado, e sua postura como vigilante urbano disposto a matar seus inimigos. Faz muito tempo que este material não é publicado no Brasil (foi publicado em 1989 em três edições pela editora Abril), mas esta obra faz parte da coleção de Graphic Novels da DC pela Eaglemoss, só não sei quando será lançado por aqui.
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Capas das Três Edições Lançadas pela Abril |
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