Histórias Raras introduz uma pausa na história principal que o roteirista Jamie Delano vinha tecendo desde a edição 1 da revista solo do mago mais trambiqueiro da Vertigo; após a inédita (no Brasil) edição anual de Hellblazer e o primeiro capítulo da próxima grande saga de Constantine - O Homem de Família -, Delano tira uma breve folga para reorganizar as ideias e é substituído temporariamente por ninguém menos do que Neil Gaiman (Sandman) e Grant Morrison (Homem Animal), dois gênios das HQs que dispensam apresentações. Os artistas que participam desta sobra são David Lloyd, Ron Tiner, Bryan Talbot e Dave McKean, que ilustra a edição roteirizada por Neil Gaiman. Para quem não sabe, Dave McKean é o artista por trás das capas de Hellblazer e Sandman, e também trabalhou com Morrison ilustrando a famosa Graphic Novel do Batman Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo.
Hellblazer Anual 1
nos mostra Constantine saindo do sanatório Ravenscar
e voltando para a velha Londres, onde tem um encontro com uma misteriosa mulher
de cabelos negros. É importante reparar que Ravenscar, mais precisamente o
local onde o hospício foi construído, está profundamente ligado a Constantine e
à história de sua família, como nos mostra o conto O Santo Sanguinolento. Nele conhecemos um antigo ancestral do mago:
Kon-Sten-Tyn, que foi pupilo de Merlin e substituto de Arthur
Pendragon como rei da Dumonia (no século XI a Inglaterra ainda não era um único país, sendo dividida em vários reinos). Ravenscar era sua Camelot, e a vida de
Kon-Sten-Tyn foi marcada pela longa batalha entre o paganismo e o cristianismo.
Seu ódio pelos cristãos era tamanho que ele chegou a oferecer a vida de dois
filhos para a Deusa (pelas descrições pode-se supor que a divindade adorada por
Kon-Sten-Tyn era a deusa neopagã Ceridwen) a fim de obter mais tempo de vida para
se dedicar a esta causa.
Em determinado momento Merlin diz uma frase que resume bem a vida de Kon-Sten-Tyn: “Ravenscar não passa de uma toca inútil, um covil cercado que oferece abrigo vão às bestas do anacronismo. (...) O seu reinado chegou com cinco séculos de atraso.” Kon-Sten-Tyn estava lutando inutilmente contra um poder o qual ele não poderia jamais vencer; ele não percebia que o mundo estava mudando e que, para não ser engolido pelo esquecimento, precisava se adaptar. Este é um conceito interessante, pois pode ser aplicado em diversas situações da vida humana. Muitas pessoas ficam presas às regras e costumes de determinada época, e suas mentes não evoluem junto com o mundo, de modo que não percebem as mudanças pelas quais ele passou.
Assim como o distante ancestral, Constantine também tem sua dose de anacronismo, que pode ser percebido em seu encontro com Martin Peters, antigo colega músico que atendia pelo nome de Destructo Vermin Gobsmack. Nas décadas de 60-70, Martin havia lutado contra o "sistema" junto com Constantine; mas enquanto o mago permaneceu fiel às suas ideias, Martin agora trabalhava para o governo, apoiando Margareth Tatcher e a guerra contra a Argentina pelas Ilhas Falklands. Este encontro leva à segunda parte deste anual: o videoclipe “Venus in the Hardsell”, ou Vênus do Varejo, como ficou traduzido aqui no Brasil o clipe do maior sucesso da banda punk de Constantine, a Membrana Mucosa.
Por que eu gastaria diversas linhas para falar sobre este clipe quando você mesmo pode assisti-lo, na interpretação da banda britânica Spiderlegs:
A participação de Jamie Delano neste encadernado se encerra
com a abertura da saga O Homem de Família,
na qual Constantine irá enfrentar um inimigo para o qual ele não está
preparado: um homem comum. Comum no sentido de que ele não possui poderes
sobrenaturais, embora o Homem de Família não possa ser considerado nem um pouco
normal: ele é um serial killer! E não um serial killer qualquer, tampouco; ele
é conhecido e reverenciado entre os próprios assassinos, chegando a ser mencionado
na HQ Sandman, no arco Casa de Bonecas, onde é retratada uma
convenção inédita entre assassinos seriais na qual o Homem de Família seria o
convidado de honra.
Neste primeiro capítulo somos apresentados a este cruel e sádico assassino e seu modus operandi: o cara simplesmente gosta de assassinar famílias inteiras, de preferência aquelas aparentemente felizes, do tipo de comercial de margarina. A história parte do ponto em que parou no último volume, quando Constantine vai até a casa de um velho conhecido, Jerry O’Flyn, em busca de dinheiro, mas ele acaba descobrindo uma estranha ligação entre o excêntrico negociante e o Homem de Família, e meio sem querer acaba descobrindo a identidade do serial killer, e isso colocará a sua vida e de sua família em um perigo. No entanto, isto já é assunto para o próximo volume!
Neste primeiro capítulo somos apresentados a este cruel e sádico assassino e seu modus operandi: o cara simplesmente gosta de assassinar famílias inteiras, de preferência aquelas aparentemente felizes, do tipo de comercial de margarina. A história parte do ponto em que parou no último volume, quando Constantine vai até a casa de um velho conhecido, Jerry O’Flyn, em busca de dinheiro, mas ele acaba descobrindo uma estranha ligação entre o excêntrico negociante e o Homem de Família, e meio sem querer acaba descobrindo a identidade do serial killer, e isso colocará a sua vida e de sua família em um perigo. No entanto, isto já é assunto para o próximo volume!
As duas edições seguintes compõem um conto
escrito pelo escocês Grant Morrison, no qual o mago visita uma velha amiga do sanatório Ravenscar numa
pequena cidade inglesa chamada Thursdyke, onde os moradores resolvem organizar
uma festa de Carnaval para esquecer dos problemas financeiros que a cidade vem passando. A história
tem como tema principal a instalação de uma base nuclear nas proximidades da
cidade, bem como o dilema moral enfrentado por seus habitantes: de um lado os riscos inerentes de se viver tão perto de
uma base de mísseis nucleares americanos em solo britânico, de outro o tão esperado desenvolvimento econômico que a base poderia proporcionar para a cidade. Uma parte das habitantes é a favor da base, enquanto que outra
é contra, e todas essas tensões afloram durante a tal festa de carnaval, que
acaba se transformando em um verdadeiro show de horrores quando um cientista da base
resolve testar um novo tipo de armamento: uma arma psíquica. Morrison se
aproveita da mesma ideia utilizada por Delano em a Máquina do Medo, embora sua
trama seja mais concisa e não se perca em meio a tantas reviravoltas desnecessárias.
Os desenhos pigmentados de David Lloyd casam perfeitamente com o clima da história, e Morrison consegue utilizar com eficiência o potencial da narrativa gráfica para impactar o leitor, fazendo uso de diversos recursos visuais, como as máscaras dos aldeões enlouquecidos (o pai descontente com a dedicação exclusiva da esposa ao bebê utiliza uma máscara grotesca de criança ao assassinar a mulher e o filho) e o mitra usado pelo padre da aldeia em formato de ogiva atômica. As três esferas da base de Flyindales estão sempre referenciadas na história, e podem ser vistas nas bolas de bilhar em uma mesa de sinuca e até nos três globos oculares que um homem arranca de seus cães de estimação usando um garfo.
Os desenhos pigmentados de David Lloyd casam perfeitamente com o clima da história, e Morrison consegue utilizar com eficiência o potencial da narrativa gráfica para impactar o leitor, fazendo uso de diversos recursos visuais, como as máscaras dos aldeões enlouquecidos (o pai descontente com a dedicação exclusiva da esposa ao bebê utiliza uma máscara grotesca de criança ao assassinar a mulher e o filho) e o mitra usado pelo padre da aldeia em formato de ogiva atômica. As três esferas da base de Flyindales estão sempre referenciadas na história, e podem ser vistas nas bolas de bilhar em uma mesa de sinuca e até nos três globos oculares que um homem arranca de seus cães de estimação usando um garfo.
Histórias Raras se encerra com uma emocionante história de autoria de Neil Gaiman e desenhada com os traços surreais de Dave McKean, na qual descobrimos que nem todos os fantasmas são malignos; alguns simplesmente querem apenas... um abraço! Como todas as obras de Gaiman para a nona arte, é uma história que transcende o universo dos quadrinhos, possuindo uma elevada carga emocional, pois trata principalmente da forma como o ser humano trata um ao outro. A parte em que o mendigo simplesmente desaparece pois não tem ninguém para aquecê-lo no frio é uma triste metáfora para o isolamento que muitas pessoas se impõem frente à falta de empatia demonstrada pelas pessoas que as cercam, e como isso as faz definhar até o ponto de praticamente "desaparecer".
Um final digno para um excelente encadernado, cujo nível é bastante superior ao de seus antecessores, justamente por contar com as presenças ilustres e de peso de Morrison e Gaiman, que acrescentaram, cada um a sua maneira, uma visão própria a este incrível personagem que é John Constantine. Lembrando que esta obra foi publicada aqui no Brasil pela Panini Books em um encadernado com capa cartão e papel LWC,.
Boa leitura!
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Capa do Volume 5 |