quinta-feira, 25 de agosto de 2016

[RESENHA] Batman: A Piada Mortal

O Coringa

A Piada Mortal é uma história em quadrinhos publicada em 1988 pela DC Comics, escrita pelo aclamado roteirista britânico Alan Moore e com a arte assinada pelo magistral Brian Bolland. Esta obra é uma das mais icônicas do Batman,  sendo considerada uma das melhores histórias do Cruzado de Capa ao lado de clássicos como O Cavaleiro das Trevas e Ano Um, ambas de Frank Miller. Ela foi publicada no formato one-shot, ou seja, os eventos desta HQ não se conectariam com as histórias publicadas na mensal do Batman, ou era isso o que se pretendia antes que as decisões criativas de Moore deixassem perplexos os leitores de tão ousadas  e impactantes, de tal maneira que foi inevitável que acabasse fundindo-se à cronologia oficial do Homem Morcego.

Mas o que de tão especial assim Alan Moore fez para que esta HQ ficasse tão famosa?, você deve estar se perguntando. Em primeiro lugar, ela forneceu uma história de origem “plausível” para o arqui-inimigo do Batman, o Coringa. Até então os fãs tinham apenas a história contada na edição 168 da revista Detective Comics, na qual foi revelado que o vilão, antes de tornar o Coringa, era o famoso criminoso conhecido como o Capuz Vermelho, que atuara nos primeiros anos de Batman como combatente do crime, e cuja identidade nunca havia sido descoberta. Após um encontro com o Batman na Fábrica de Baralhos Monarca, ele caiu em um tanque de rejeitos químicos e acabou se transformando no Coringa.

Capa da Detective Comics #168

Alan Moore aproveita grande parte desta história, mudando apenas alguns detalhes, como o fato de que o Capuz Vermelho na verdade era uma identidade assumida por vários "buchas de canhão" usados por uma quadrilha de ladrões para distrair a polícia. Moore insere um elemento psicológico crucial, sobre o qual montou o argumento central de A Piada Mortal: o de que só é preciso um dia ruim para levar uma pessoa normal à loucura. Moore revela então que o Coringa, devido a sérios problemas financeiros e uma esposa grávida que ele era incapaz de sustentar, aceitou um trabalho para realizar um assalto na Fábrica de Baralhos Monarca. Porém os ladrões são surpreendidos quando tentavam atravessar as instalações da empresa de produtos químicos ACE, e quando o Batman surge na cena do crime o Coringa acaba caindo em um tanque de produtos químicos e sofrendo a mutação que o transformaria no criminoso mais perigoso e instável de Gotham City. Note que, nas duas histórias o elemento em comum é a presença do Homem Morcego na criação do Coringa, e que este evento foi responsável por criar um laço de ódio que uniria estes dois personagens para sempre. 
É importante ressaltar também que esta não se trata de uma origem definitiva, uma vez que o próprio vilão deixa claro ao final da história que ele não sabe se as lembranças apresentadas ao leitor na forma de flashbacks realmente aconteceram  da forma como foram mostradas:
"Algumas vezes me lembro de um jeito. Outras vezes, de outro... Se eu vou ter um passado, prefiro que seja de múltipla escolha! AH AH AH!
Como o leitor pode perceber, esta declaração também demonstra a extensão da loucura do Coringa, uma vez que toda sua vida até o momento em que ele se torna o Palhaço do Crime não tem nenhuma importância real para ele.

Barbara Gordon é Baleada

O segundo acontecimento que gerou mais polêmica em A Piada Mortal foi o momento em que o Coringa atira à queima roupa na barriga da Barbara Gordon, a filha do Comissário de Polícia de Gotham City e Batgirl nas horas vagas, aleijando-a e condenando-a a uma cadeira de rodas. A cena impressiona pela frieza com que o Coringa muda completamente o destino de uma importante personagem da batfamília. Hoje é quase impossível que um leitor de quadrinhos não saiba de antemão o que acontece à Barbara quando vai ler esta história, devido ao hype que ela possui entre a nerdaiada, mas fico imaginando como foi para os primeiros leitores testemunharem a moça, inocente e despreocupada, atendendo a porta de casa e dando de cara com um Coringa completamente insano vestido com camisa havaiana e máquina fotográfica, apontando uma arma para ela e puxando o gatilho enquanto sorri.. Muita coragem desse Alan Moore fazer uma coisa dessas, não é? Mas ele não para por aí: embora isto não fique totalmente claro, ele deixa implícito que o Coringa abusa sexualmente de Barbara enquanto ela está incapacitada, e ainda tira fotografias do ato para depois torturar psicologicamente o pobre pai da moça. Fico pensando na repercussão que tal cena causaria se esta HQ fosse lançada nos dias de hoje, devido ao forte movimento feminista, que luta ferrenhamente contra a tendência dos roteiristas de usarem personagens femininas apenas como "donzelas em perigo", muitas vezes usadas como alvos pelos vilões com o intuito de atingir seus inimigos, devido ao laço afetivo entre elas e os heróis. O próprio Alan Moore - criador de várias personagens femininas fortes e um dos primeiros roteiristas a tratar abertamente do caso dos abusos cometidos pela sociedade machista contra as mulheres - em uma entrevista já declarou se arrepender de ter tomado esta decisão. Mas o que está feito está feito, e, embora as feministas torçam o nariz, na minha opinião foi uma decisão acertada, no contexto da história.

Gordon é Torturado

Embora o Coringa não precise necessariamente de motivos para fazer as loucuras que faz, desta vez ele tem um plano: ele quer provar que qualquer pessoa pode ficar como ele, desde que tenha um dia ruim. Assim, a cobaia escolhida para este experimento é o Comissário Jim Gordon, que para o maníaco é um exemplo perfeito de homem normal. Por isso ele fez o que fez à Barbara, e obriga o velho a ficar passeando por um parque de diversões abandonado em um carrinho enquanto assiste às fotografias de sua filha ensanguentada e sofrendo todo tipo de abuso. Realmente o Coringa passou dos limites. Outro ponto interessante é que desta vez o Palhaço não se cerca de seus capangas habituais: nada de bandidos vestidos de palhaços; desta vez seus "aliados" são aberrações de circo: anões, mulher barbada, siameses, todo tipo de excluído da sociedade ordinária.
Após saber o que o Coringa fez, Batman parte sozinho para resgatar seu mais antigo aliado das garras do louco. E a relação entre o herói e o vilão é explorada com excelência pelo mago das HQs. Fica muito claro a dicotomia entre estes dois personagens: apesar de antagônicos, um não existe sem um outro, eles se completam. Assim como o Coringa, o Batman também teve um dia ruim - no caso, o dia em que seus pais foram mortos - , e assim como o Coringa, o Batman também enlouqueceu, de certa forma. Afinal, que homem são, após perder a família, decidiria sair por aí todas as noites vestido de morcego para combater criminosos? A própria jornada do Batman é uma espécie de loucura, uma obsessão, pois ele sabe que jamais obterá sucesso, mas continua mesmo assim. Onde o caminho dos dois se divide é que o Coringa desistiu do mundo, acreditando que tudo não passa de piada, e isso tira todas as amarras psicológicas que impede que um ser humano saia por aí matando todo mundo sem motivo. Ele é, sob todos os aspectos, um autêntico agente do caos. Já o Batman é um agente da ordem, que não descansa enquanto não vê aquilo que ele acredita ser a "justiça" ser realizada. E assim, os dois continuam sua luta infindável, até que um acabe finalmente matando o outro. Isto é debatido durante toda a história, desde o começo, quando o Batman vai visitar o Coringa no Asilo Arkham:
"Talvez você me mate. Talvez eu te mate. Talvez mais cedo. Talvez mais tarde. Eu só queria estar certo de que realmente tentei mudar as coisas entre nós. "

O Final Dúbio

Há quem acredite que, ao final da história, o Batman realmente mata o Coringa. Tal hipótese foi levantada há alguns anos pelo também roteirista de quadrinhos Grant Morrison. Na última página, vemos o Batman e o Coringa rindo juntos de uma piada (sim, o Batman está rindo!). Não é possível dizer com certeza, mas parece que o Batman coloca as mãos no pescoço do Coringa, porém a imagem vai descendo até se fixar em uma poça d'água. Assim, há aqueles que acreditam que o Batman cansou de vez das maldades do vilão e resolveu pôr um fim em sua vida, estrangulando-o. A animação que saiu este ano que adapta esta história também segue por este caminho, atiçando ainda mais as discussões engtre os fãs. Considerando que esta HQ não era para integrar a cronologia do Batman, não é difícil imaginar que Alan Moore sutilmente quis mostrar o confronto derradeiro entre o herói e o vilão. Para mim, pessoalmente, trata-se de um final em aberto, tal qual o final de Inception, filme de Christopher Nolan. Parafraseando o Coringa, se é pra ter um final, que seja um final de múltipla escolha!
Por fim, é preciso falar sobre a arte de Brian Bolland. Os desenhos detalhistas, a diagramação simples, constituída na maior parte das vezes por quadros retangulares lado a lado, dão a impressão de que não estamos apenas lendo uma história em quadrinhos, mas vendo um filme. Quanto às cores, existem duas versões: a original, tal qual foi publicada, por John Higgins; e a nova edição lançada recentemente e com a colorização feita pelo próprio Bolland, tal qual ele imaginou que deveria ter sido. A nova colorização, na minha opinião, ficou muito mais bonita, tornando uma obra que já era perfeita ainda melhor. A maior diferença fica por conta dos flashbacks, que na nova versão aparecem em preto e branco, apenas com as cores mais quentes (vermelho, por exemplo) destacadas.

Embora controversa, esta é sem dúvida uma das melhores histórias do Batman e item OBRIGATÓRIO na prateleira de quem se declara fã de quadrinhos. Foi publicada aqui no Brasil pela Panini Comics em capa dura e se encontra disponível nas melhores lojas especializadas, a um preço bem em conta. Boa leitura!

Famosa Capa de A Piada Mortal

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