segunda-feira, 1 de abril de 2019

Batman 80 Anos - O Nascimento de um Mito


Este ano o Batman comemora 80 anos desde sua estreia, na edição de número #27 da revista Detective Comics (capa acima), publicada então pela National Comics, que mais tarde viria a se tornar a DC Comics. Sua criação veio como uma resposta a outro grande super herói, na verdade o primeiro de todos, que havia sido apresentado ao mundo quase um ano atrás na revista Action Comics #1: o Superman. A fim de aproveitar o rastro do sucesso estrondoso do herói azul e vermelho, a National Comics encomendou ao artista Bob Kane a criação de outro super herói que rivalizasse com o Superman, e assim nasceu o Bat-Man (isso mesmo, com hífen).

Segundo Kane, as principais inspirações para a concepção do personagem foram os heróis dos pulps¹ como Zorro, o Sombra e Sherlock Holms, além de um esboço de asas mecânicas semelhantes às de um morcego (ornitóptero) projetadas por Leonardo Da Vinci, e o vilão do filme The Bat Whispers, de 1930. Porém, hoje se sabe que Bob Kane não foi o único criador do personagem, embora por décadas a DC Comics tenha creditado apenas a ele este feito. O roteirista Bill Finger teria sido o responsável por dar a ele o visual pelo qual o conhecemos atualmente, uma vez que o primeiro esboço de Bob Kane mostrava um herói com roupas vermelhas, asas de morcego e máscara apenas nos olhos; foi Finger quem imprimiu o tom mais noir e detetivesco das histórias, além de ter criado a identidade civil de Bruce Wayne. Como a justiça tarda mas não falha, em 2015 Finger passou a receber créditos pela criação conjunta do herói (é claro que ele não estava mais vivo para receber tais créditos).

Primeira Versão do Batman

As histórias do Batman possuíam um tom bem mais sombrio do que as do Superman. Desprovido de superpoderes, o Batman precisava contar apenas com suas habilidades físicas e mentais, além de todo um aparato tecnológico para resolver seus casos. Assim como a criatura que escolheu como símbolo, ele preferia agir à noite, de forma furtiva, pegando seus adversários de surpresa. Mais do que um super herói propriamente dito  ele era um Detetive.

Nestes primeiros anos de sua trajetória nos quadrinhos, o Batman ainda não seguia o código moral que pautaria suas ações nas décadas futuras e que faria parte da prórpria essência do personagem: além de matar seus inimigos, ele não se incomodava em portar pistolas, algo que também viria a ser um tabu para o personagem no futuro, dado que seus pais haviam sido mortos por uma arma de fogo. Em diversas ocasiões nesssas primeiras aventuras ele mata seus adversários, ou permite que morram, das mais variadas formas. Tortura psicológica também fazia parte do repertório: em Detective Comics #28 vemos ele usar pela primeira vez o expendiente clássico de pendurar o bandido no alto de um prédio por uma corda para obter informações, numa cena praticamente igual à que Christopher Nolan utilizou no seu filme O Cavaleiro das Trevas, de 2008.

As Várias Vezes em que Batman Matou

Vários elementos consagrados da mitologia do herói foram sendo acrescentados ao longo dessas primeiras edições. O Comissário de Polícia Jim Gordon aparece logo na primeira história, mas a cidade em que as histórias se passavam era Nova York, e não Gotham City. Gotham somente seria mencionada na edição #4 da revista Batman, em 1940. Embora apareça na capa da edição #27, é somente no número seguinte que vemos Batman se balançando pelos prédios com sua "bat-corda", que ele também usa para laçar os bandidos. O famoso cinto de utilidades é apresentado na edição #29, juntamente com cápsulas de gás usadas para atordoar os inimigos. Na edição #31 os leitores são apresentados às primeiras versões do "Bat-plano", primeiro veículo oficial do Morcego para se deslocar pela cidade (antes ele utilizava um automóvel comum) e do "batarangue", o famoso bumerangue em forma de morcego. Em 1940, na edição #37, o Batman já usava óculos de visão noturna para poder enfrentar seus inimgos na mais completa escuridão.

Primeiras aparições: batplano e batarangue

A origem do Batman foi finalmente revelada em Detective Comcis #33, e praticamente não houve grandes alterações desde então: o assassinato dos Waynes por um bandido comum, o juramento do jovem Bruce de lutar contra o crime, seu treinamento, e a inspiração para o uniforme estão todos lá, condensados em uma única página!

A estreia de Robin não tardou a acontecer. O Menino Prodígio foi apresentado na edição #38 de Detective Comics, como uma forma de atrair leitores mais jovens para a revista, já que as aventuras solo do Morcego eram voltadas para um público mais adulto. Ele trouxe um colorido e uma leveza para a série, o que fez com que uma parcela dos fãs até hoje o odiassem, pois ele teria desta forma alterado a essência do Batman.

Surge o Robin

Finalmente, não poderia deixar de falar dos vilões, pois quem seriam os super heróis sem seus arqui-inimigos? Afinal, não dizem por aí que um herói é medido pela estatura de seus vilões? Isso não poderia ser diferente para o Batman,  que possui a galeria de vilões mais formidável dos quadrinhos.

O primeiro adversário de peso enfrentado pelo Batman em suas primeiríssimas aventuras foi o Dr. Morte. Hugo Strange foi introduzido pouco tempo depois, em Detective Comics #36. Somente na primeira edição da revista Batman, lançada em abril de 1940, que os leitores conheceriam o maior inimigo de todos os tempos do Batman: o Coringa. Nesta mesma edição a Mulher Gato também fez a sua estreia, embora com um visual bem diferente do que conhecemos hoje. O Pinguim e Duas Caras também foram criações de Bob Kane, fechando o núcleo mais clássico da galeria de vilões do Batman.

Primeira Aparição do Coringa

Como o leitor pode ter percebido, todo o arcabouço principal da mitologia do Batman foi estabelecido nestes primeiros anos de publicações, pelas mentes de seus criadores, os quais ergueram a base sobre a qual outros iriam trabalhar, na construção de um verdadeiro universo que está sempre em expansão e aperfeiçoamento. Embora não se saiba ao certo o que foi criação quem, o fato é que Bob Kane e Milton "Bill" Finger foram os criadores de um verdadeiro mito os tempos modernos, um personagem que sobreviveu à passagem dos anos, à censura, à tentativas de difamação e à famigerada série de TV de 1966, e até hoje arrebanha uma legião de fãs, das mais variadas idades.

Vida Longa ao Morcego!


sexta-feira, 29 de março de 2019

Justiceiro: No Princípio



O Justiceiro (Punisher, no original) é um dos meus personagens favoritos da Marvel Comics, atrás apenas do Demolidor. Ele não é um herói no sentido estrito da palavra, afinal, não é comum ver heróis estourando o crânio de criminosos com uma escopeta, mas possui um senso moral bastante claro: infligiu a lei ou se associou com criminosos, então é vala. Simples assim - sem julgamento, sem apelação, sem segundas chances. O motivo para isso, é claro, encontra-se por trás de uma tragédia pessoal: Frank Castle, alter-ego do Justiceiro, era um ex-fuzileiro norte americano que lutou na Guerra do Vietnã e que, após voltar do conflito, viu sua esposa e filhos serem brutalmente assassinados diante de seus olhos, pegos no fogo cruzado entre duas gangues rivais. A partir de então ele passou a viver em uma constante guerra de um homem só contra todo tipo de crime, guerra esta que só acabará no dia em que ele morrer, e talvez nem assim (já explico).

O Justiceiro estreou nos quadrinhos em meados da década de 70, inicialmente como um vilão do Homem Aranha, mas depois assumiu o status de anti-herói, aparecendo de vez em quando nas páginas do Cabeça de Teia. Só em 1986 o Justiceiro ganharia uma revista própria e teria seu verdadeiro nome revelado. Ele passou por vários roteiristas, teve boas e más fases, a pior delas quando ele morre e se transforma em uma espécie de anjo vingador matador de demônios. Que fase hein! Mas então, em meados dos anos 2000, o escritor irlandês Garth Ennis (Hellblazer, Preacher) recebeu a incunbência de tocar a revista do Justiceiro. E não poderia haver casamento mais perfeito entre escritor e personagem: o estilo de escrita de Ennis, com toda sua violência, personagens bizarros e situações inusitadas, tudo isso misturado com críticas políticas ácidas à sociedade moderna, combinaram perfeitamente bem com as histórias do Justiceiro. Para ficar ainda melhor, o escritor também ficou responsável pelas histórias do anti-herói no selo MAX da Marvel, voltado para o público adulto. Neste selo, todos os limites criativos foram removidos e Garth Ennis pôde levar o Justiceiro ao limite. Justiceiro - No Princípio, lançado em 2018 pela Panini Comics, é um encadernado de luxo de reúne os dois primeiros arcos desta série, mais a minissérie especial Born.

Capitão Frank Castle no Vietnã

Em Born (Agosto/2003) acompanhamos o capitão Frank Castle já no final da Guerra do Vietnã. Ele é retratado como um viciado em combate, alguém que não aceita que o conflito está no fim, simplesmente porque quer continuar apertando o gatilho. Esta história também levanta uma pergunta muito interessante sobre a origem do Justiceiro: será que ele se tornou quem é por causa do assassinato de sua familía, ou esta tragédia teria sido apenas o catalisador para o desejo pela violência que já existia antes?

A arte de Born ficou a cargo de Darick Robertson, que retrata de forma fidedigna os cenários tropicais do Vietnã e as cenas de combate na selva, recheadas de violência explícita.

Após um breve texto explicando o contexto do período da Guerra Vietnã em que Born se passa, e que agrega bastante valor a este volume da Panini, temos os dois primeiros arcos de Justiceiro MAX: No Princípio (edições 1 a 6) e Inferno Irlandês (edições 7 a 12).

O Justiceiro

No Princípio (Março/2004) começa com mais um dia comum de trabalho na vida do Justiceiro: ele invade uma festa de aniversário do chefão da máfia italiana e chacina praticamente todo mundo lá. Ele então acaba virando alvo de um assassino da máfia chamado Nick Cavella e de uma célula da CIA, que para capturá-lo conta com a ajuda de seu antigo ajudante, o hacker conhecido como Micro. Uma das melhores partes deste arco é justamente o intenso diálogo entre Frank e Micro, que Garth Ennis usa para tecer críticas às campanhas militaes americanas pós-11 de Setembro. E, embora seja muito prazeroso assistir (sim, eu leio este quadrinho como se estivesse asssistindo a um filme de ação!) o Justiceiro sentar bala em todo tipo de bandido, o escritor deixa claro que este desejo de sangue e justiça encarnado pelo Justiceiro e que inspira tantos da "nova direita" brasileira, não passa de um instinto natural, uma espécie de alívio ou desejo por compensação diante de tanta dor causada pelo crime, pois este nunca terá fim, já que é uma condição natural da humanidade. Você mata um, e outros dois ocupam seu lugar. E justamente por causa desta guerra sem fim Frank Castle se tornou um homem amargurado, incapaz de viver uma vida de felicidade.

Mas este arco não traz apenas diálogos, senão não estaríamos falando de um enredo assinado por Garth Ennis. Os personagens únicos, como os capangas Caneta e Pitsy, e as cenas absurdas, como quando o agente Roth tem suas bolas literalmente arrancadas, estão lá. Além disso, há muitas, muitas cenas de tiroteio, com direito a tripas e globos oculares voando para todos os lados, tudo isso retratado na arte incrível de Lewis Larosa.


Em Inferno Irlandês (Agosto/2004), Garth Ennis aborda um tema recorrente em suas histórias: as mazelas vividas pelos imigrantes irlandeses na América. Esta história é curiosa porque nela o Justiceiro é um coadjuvante, alguém que caiu de paraquedas no meio de um conflito entre quatro gangues irlandesas da Cozinha do Inferno que estão disputando a herança de um velho chefão do crime. Mais uma vez Ennis surpreende com personagens no mínimo incomuns, como um irlandês negro (os criminosos irlandeses nunca foram muito chegados nos "manos"), uma gangue de piratas do rio e um ex-terrorista que sobreviveu à explosão de uma bomba, mas que ficou com o rosto desfigurado. A arte deste arco ficou com Leandro Fernandez, que faz um excelente trabalho.

Justiceiro em Ação

Justiceiro - No Princípio, apresenta a versão definitiva do Justiceiro, sob o olhar do escritor irlandês Garth Ennis. Com histórias mais "pé no chão" e focadas no mundo real, ainda assim o estilo único do roteirista se destaca, com seu humor ácido e violência gráfica explícita. Esta versão do maior anti-herói da Marvel também serviu de inspiração principal para a série da Netflix estrelada por John Bernthal. Por fim, vale destacar o excelente trabalho realizado pelo capista Tim Bradstreet, que deu uma marca especial à série.

Capa de Punisher MAX 1 e do Volume 1 da coleção da Panini